Abril – Mês alusivo a obras de Kardec

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O mês de abril é assinalado por inúmeros eventos no Brasil, alusivos principalmente ao lançamento da obra inaugural da Doutrina Espírita – O livro dos Espíritos. Proliferam semanas e mês espíritas, seminários, feiras do livro espírita. Neste ano houve em São Paulo um evento no Teatro Municipal e, naquela cidade, há quase 30 anos surgiu o primeiro “dia dos espíritas”, oficializado pela Assembléia Legislativa de São Paulo.

No ano de 2014, houve o ponto culminante das comemorações dos 150 anos do lançamento de O evangelho segundo o espiritismo, com a realização simultânea dos bem sucedidos quatro Congressos Espíritas Brasileiros. Na época foram lançados vários livros, como O evangelho segundo o espiritismo. Orientações para o estudo, organizado e tendo como colaboradores membros do antigo NEPE da FEB.

Neste abril, completa um ano de funcionamento o Grupo de Estudos Espíritas Chico Xavier (do DF), dedicado ao estudo de O evangelho segundo o espiritismo, adotando-se uma metodologia interpretativa, adaptada da proposta de Honório Onofre Abreu, autor da obra Luz imperecível.

As Obras Básicas da Codificação Kardequiana são a referência e a fundamentação para os estudos, prática e difusão do Espiritismo.

Interessante o registro de João sobre a colocação do Cristo: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, encontrará a pastagem.”1 Ao apresentar O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec comenta: “Muitos pontos dos Evangelhos, da Bíblia e dos autores sacros em geral só são ininteligíveis, parecendo alguns até irracionais, por falta da chave que faculte se lhes apreenda o verdadeiro sentido.”2

As duas figuras – porta e chave – foram reunidas e comentadas em significativa mensagem do espírito Emmanuel, concluindo: “Jesus, a porta. Kardec, a chave”.3

O Espiritismo fornece instrumentos para a utilização dessa chave de interpretação de toda a Bíblia.

Emmanuel na Apresentação de “Caminho, verdade e vida” comenta e compara:

“[…] num colar de pérolas, cada qual tem valor específico e que, no imenso conjunto de ensinamentos da Boa Nova, cada conceito do Cristo ou de seus colaboradores diretos adapta-se a determinada situação do Espírito, nas estradas da vida.”4

Assim, são louváveis todos os esforços para a ampla difusão das obras de Allan Kardec, principalmente aqueles que estimulam o manuseio e o estudo direto nos livros básicos.

Daí a oportunidade da “Campanha Comece pelo Começo”!5

Referências:

  1. João 10:9.
  2. Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 131ed. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2013. Introdução, it. 1.
  3. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Opinião Espírita. Cap. 2, Uberaba: CEC.
  4. Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Caminho, verdade e vida. Brasília: FEB, 2005. Cap. Interpretação dos textos sagrados.
  5. Campanha Comece pelo Começo: http://grupochicoxavier.com.br/campanha-comece-pelo-comeco-3/

 

 

Desdobramento espiritual na Epístola aos Coríntios

Antonio Cesar Perri de Carvalho

            A 2a. Epístola aos Coríntios contém versículos marcantes, que nos remetem à  questão das relações entre os mundos corpóreo e incorpóreo e que representam significativo depoimento do missivista:

            "12.1 Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. 12.2 Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se no corpo, não sei, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao terceiro céu. 12.3 E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe). 12.4 Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar."

            O pesquisador bíblico Champlin admite que Paulo se referia a ele mesmo: "[…] estava defendendo o seu apostolado, mediante a demonstração de suas muitas experiências místicas, como visões e revelações." E indica que "A visão teria ocorrido uns três anos depois de sua conversão ocorrida no ano 34 d.C., provavelmente em Jerusalém."

            Interessante como questões sobre a vida espiritual são tratadas pelo já citado estudioso, considerando que a “multiplicidade de céus” foi eliminada pela teologia dogmática. E deixa muito claro que com a expressão “se no corpo…”, o apóstolo “dá a entender que a alma é uma entidade separada do corpo, dotada de inteligência, mesmo quando está totalmente desvinculada da matéria”.

            Na literatura espírita se destaca a monumental obra Paulo e Estêvão, e, nesta, Emmanuel aprofunda e complementa com a ótica espiritual os versículos relacionados com o desdobramento do apóstolo. Eis alguns trechos:

            “Suavíssima sensação de repouso proporcionava -lhe grande alívio. Estaria dormindo? Tinha a impressão de haver penetrado uma região de sonhos deliciosos. Sentia-se ágil e feliz. Tinha a impressão de que fora arrebatado a uma campina tocada de luz primaveril, isenta e longe deste mundo. […] Mais alguns instantes, viu Estevão e Abigail à sua frente, jovens e formosos, envergando vestes tão brilhantes e tão alvas que mais se assemelhavam a peplos de neve translúcida." O autor espiritual ressalta em nota sobre o fato: "Mais tarde na 2ª Epístola aos Coríntios (capítulo 12º, versículos de 2 a 4), Saulo afirmava…"

            Emmanuel comenta a profunda significação desse encontro espiritual:

            “Dessa gloriosa experiência o Apóstolo dos gentios extraiu novas conclusões sobre suas idéias notáveis, referentemente ao corpo espiritual.”

            Da longa conversação que marcou profundamente o ex-doutor da Lei, resumimos alguns trechos:

            “ — Levanta-te, Saulo! — disse Estevão com profunda bondade. — Que é isso? Choras? — perguntou Abigail em tom blandicioso. — Estarias desalentado quando a tarefa apenas começa?”

            Estabeleceu-se carinhoso diálogo:

            “ — Saulo, não te detenhas no passado! Quem haverá, no mundo, isento de erros? Só Jesus foi puro! […] Ansioso de aproveitar as mínimas parcelas daquele glorioso, fugaz minuto, Saulo alinhava mental mente grande número de perguntas. Que fazer para adquirir a compreensão perfeita dos desígnios do Cristo? “

            A partir daí surge a conhecida recomendação, muitas vezes lembrada em nossos dias como o “lema de Abigail”. Ela responde à pergunta de Saulo, e sintetizamos em quatro palavras-chaves :

            “ — Ama!  Trabalha! Espera! Perdoa!…”

            Emmanuel destaca que Saulo ficou “empolgado pela maravilhosa revelação.”

            Sua trajetória de divulgador da mensagem do Cristo e pioneiro na formação e orientação aos grupos cristãos nascentes se intensificou depois desse episódio espiritual.

            A visão sobre imortalidade da alma, fundamentada nos ensinos e exemplos do Mestre fortaleceram e impulsionaram a tarefa missionária de Paulo e dos cristãos primitivos.

Bibliografia:

1. Almeida, João Ferreira. A Bíblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento. Trad. Edição Corrigida e Revisa Fiel ao Texto Original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana  do Brasil. 2007.

2. Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. Cap. Segunda Epístola aos Coríntios. São Paulo: Hagnos. 2014.

3. Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estêvão. 2ª. parte, cap. III. Brasília: Ed. FEB. 2013.

(Síntese de artigo do mesmo autor, publicado em Revista Internacional de Espiritismo, janeiro de 2016)  

TRIBULAÇÕES

                                                            Clara Lila Gonzalez de Araújo

“Então os que estiverem na Judéia fujam para os montes; o que estiver sobre o terraço, não desça para pegar as coisas de dentro da sua casa; quem estiver no campo, não volte atrás para pegar sua veste. Ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias. (…) Pois haverá, nesse tempo, grande provação como não tem havido desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá”. (Mateus XXIV: 16-19, 21).

                 A passagem de Mateus, também registrada pelos evangelistas Marcos (XIII: 16-19, 21) e Lucas (XXI: 21-24), se refere a pequeno trecho do Sermão Profético de Jesus, proferido por ocasião das respostas dadas pelo Mestre, às perguntas feitas pelos discípulos acerca do seu advento e do final dos tempos, bem como sobre os sinais prenunciadores desses eventos. A passagem evangélica, de forma integral, Mateus: v. 1 a 31, Marcos: v. 1 a 27 e Lucas: v. 5 a 27, vaticina grandes tribulações sobre a Terra: guerras, rebeliões, desastres naturais, doenças, pestes, fome, falsos cristos e falsos profetas, diminuição da caridade, perseguições, violências e tantas outras coisas que abalariam a vida daqueles que aqui estivessem. Interessante é analisar os períodos atuais e verificarmos que muitas situações preditas por Jesus estão causando grandes transtornos para as sociedades terrenas. 

                É hora de grandes transformações! É tempo de transição para uma Nova Era, trazendo sofrimentos e dores para todos, nesses momentos de muitas conturbações.            

                Nenhum continente ou nação, atingidos por diferentes formas de crise, deixou de ser prejudicado por uma fatalidade. Confirma-se a previsão de Jesus, o Grande Agente da Providência Divina, de que haveríamos de passar por padecimentos inomináveis, mas com o beneplácito do socorro divino, que sempre esteve ao nosso lado, fazendo-nos   conhecer às realidades espirituais e às verdades eternas.

                 No versículo 19 do trecho evangélico, citado na referência inicial, sentimos certa comoção nas palavras de Jesus ao destacar as mulheres grávidas e as que amamentam seus filhos como um augúrio de perigos reais a serem vividos por elas em épocas ominosas. Sem dúvida, as mães do mundo suportam dores superlativas causadas pelas inúmeras desgraças que enfrentam, principalmente, nas situações de guerras fratricidas, destruindo seus lares, deixando-as na miséria, junto aos filhos, e com graves doenças infantis, algumas incuráveis. No entanto, chama a nossa atenção a época atual em que grupos de mães brasileiras, de determinadas regiões do Brasil, estão sendo atingidas pelo mosquito aedes aegypti, que transmite o zika vírus, além da dengue e da febre chikungunya, que causam moléstias invulgares, como a microcefalia nos nascituros. As estatísticas apontam centenas de recém-nascidos nessa situação e outros a serem detectados ainda na fase de gestação. Essa realidade nos deixa estupefatos e, ao mesmo tempo, preocupados com o número de abortos que poderão ocorrer, caso a mãe não queira receber seu filho nesse estado.

                   Sem querer relacionar, de modo seguro, a ocorrência dos fatos acima com as profecias do Cristo, não é possível deixar de admirar a grandeza do Mestre Nazareno em anunciar os seus presságios para alertar-nos sobre problemas excessivamente sérios, que devem ser merecedores de atenções e estudos de cada um de nós. A esse respeito, disse Cairbar Schutel:

Foi nessa ocasião que Jesus falou aos discípulos dos tempos que haviam de chegar e das ocorrências que se desenrolariam no mundo, até a iniciação de uma nova fase de vida para Humanidade.

Sem outro exórdio que pudesse desviar a atenção dos admiráveis painéis por meio dos quais mostrou aos que o cercavam os fatos que se desenrolariam depois da sua passagem para a espiritualidade, começou Jesus a falar do grande e suntuoso Templo de Jerusalém, do qual não ficaria pedra sobre pedra.

Era esse o sinal maior dos acontecimentos que estavam próximos, e foi justamente o que se realizou.

Do Templo de Jerusalém, não ficou pedra sobre pedra, como também não ficará pedra sobre pedra de todos os monumentos que o orgulho, a vaidade e o egoísmo humano edificaram em nome de Deus! (1).

 

                   As revelações divinas nem sempre foram compreendidas pelos homens, confundindo os ensinamentos cristãos, a partir de sua interpretação meramente literal, sem entender o verdadeiro sentido das palavras de Jesus ao transmitir sua mensagem de amor e de caridade.

                   Que tempos são esses em que vivemos aturdidos por tantas adversidades? Mesmo ao ouvir as lições de Jesus, não conseguimos aceitar as lutas que nos esperam nesse emaranhado de situações terrenas aflitivas, em que as ideias contraditórias do materialismo fizeram brotar na mente dos homens indiferentes e egoístas o desamor e a crueldade.

                   Gostaríamos de ser mais generosos, mas nem sempre estamos preparados para o serviço de amor que o Mestre nos convida a executar em benefício do próximo, pois é a maneira de obtermos a coragem moral que precisamos para não esmorecer e não desanimar. Allan Kardec nos alerta para importante ensinamento sobre as dificuldades que sentimos ao querermos desenvolver nossos “bons sentimentos”, pois somos frutos do egoísmo, sem saber dominá-lo:

(…) O egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social. É um mal real, que se alastra por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos vítima. Cumpre, pois, combatê-lo como se combate uma enfermidade epidêmica. Para isso, deve-se proceder como procedem os médicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas, todas as influências que ostensiva ou ocultamente excitam, alimentam e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. Só restará então destruí-las, senão totalmente, de uma só vez, ao menos parcialmente, e o veneno pouco a pouco será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas são as causas, mas não é impossível. Contudo, ele só se obterá se o mal for atacado em sua raiz, isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que tende a fazer homens de bem. A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral (…) (2). LE comentários de Kardec, questão 917.

 

                 A importante contribuição do Codificador nos remete aos programas de Educação Espírita e do Evangelho, sobretudo para crianças e jovens, conforme orientação dos Mentores Espirituais.  Infelizmente, contudo, há escassez de propostas dessa natureza, em várias instituições e centros espíritas, como luta imprescindível e eficaz em função da melhoria e da evolução espiritual de todos os homens.    

                  É urgente a conscientização dos pais quanto à importância desse processo educacional! Não há mais tempo para deixarem de fazer o que lhes compete, colaborando com os educadores, os evangelizadores e os trabalhadores da Casa Espírita, unidos por uma mesma causa: a de transformar os filhos e as próximas gerações em homens de bem, sob à luz do Espiritismo e do Evangelho, no engrandecimento de suas reencarnações, ao colaborar com experiências abençoadas de serviços aos semelhantes.         

                  Transformar o mundo em um orbe mais humano, pacífico e cristão é a meta de todos nós! Devemos persistir nesse propósito, sem esmorecer!

 

Referências:

  1. SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e Ensinos de Jesus. 26ª edição. Matão (SP, Casa Editora O Clarim, 2012. Os sinais dos Tempos, p. 304-305.
  2. KARDEC, Allan. O Livros dos Espíritos. 87ª edição. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Comentário de Kardec à questão 917, parte terceira, capítulo XII, p. 472-473.                                                                     

Os “filhos da luz”

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O apóstolo Paulo escreveu a Epístola aos Efésios em Roma entre os anos 61 e 62 d.C.1 Éfeso era o principal porto e o maior centro comercial da região da Ásia Menor. Havia muita conturbação no início dos grupos cristãos, haja vista a citação de grande resistência a Paulo, como a anotação do próprio apóstolo “combater as bestas selvagens em Éfeso” (1 Cor,15.32).

Essa cidade tem um referencial importante. João conduziu Maria à cidade de Éfeso onde ela desencarnou no ano 46 d.C., com 64 anos.2 Há dúvidas históricas e dados de que Paulo não teria conhecido Maria. Éfeso tornou-se um dos maiores centros do cristianismo nos primeiros séculos.

O estudioso bíblico Champlin3 considera essa Epístola como um dos documentos religiosos mais elevados e que ela teria um destino não necessariamente local. O tema central é Jesus.

Dessa Epístola4 destacamos alguns versículos.

2.12 Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. […] 2.17 E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos que estavam perto; 2.18 porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. 2.19 Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; 2.20 Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina. […] 3.6 A saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho.

Paulo se referia aos gentios – discriminados pelos judeus – e, na época, eram tidos como pessoas sem esperanças de ordem espiritual. Apresenta o Cristo como a “principal pedra da esquina” e com o seus ensinos os gentios já não seriam “estrangeiros” estariam envolvidos e participantes nas propostas do Evangelho. Merece ênfase a palavra “co-herdeiros”. Em realidade foi a grande tarefa do apóstolo, a de levar a mensagem do Mestre, indistintamente, a todas as pessoas.

Por “pedra de esquina” entenda-se pedra fundamental ou angular das antigas construções, ou seja, a primeira a ser assentada na montagem da esquina de um edifício. Seria portanto uma referência indispensável numa construção antiga.

4. 14 Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que, com astúcia, enganam fraudulosamente. […] 4.19 Os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez, cometerem toda impureza. 4.20 Mas vós não aprendestes assim a Cristo. 

A palavra “meninos” surge como contraste a “homem maduro”, podendo entender-se por espiritualmente imaturos. Paulo prezava os ensinos do Cristo e se preocupava com as referências às dissenções e à fraqueza das pessoas imaturas que oscilavam em convicções e nas atitudes. As influências materialistas e imediatistas acabam por endurecer o sentimento, daí a necessidade da aceitação do Evangelho como um processo de transformação íntima.

Sobre esse tema, há considerações de Emmanuel:

“O aprendiz menos centralizado nos ensinos do Mestre acredita que pode servir a dois senhores e, por vezes, chega a admitir que é possível atender a todos os desvairamentos dos sentidos, sem prejudicar a paz de sua alma. Justificam-se, para isso, em doutrinas novas, filhas das novidades científicas do século; valem-se de certos filósofos improvisados que conferem demasiado valor aos instintos; mas, chegados a esse ponto, preparem-se para os grandes fracassos porque a necessidade de edificação espiritual permanece viva e cada vez mais imperiosa. Poderão recorrer aos conceitos dos pretensos sábios do mundo, entretanto, Jesus não ensinou assim.”5

5.8 Porque, noutro tempo, éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz. 

O contraste entre o homem velho e o homem novo está implícito nos dizeres de Paulo e que recomenda a conduta com base no cristianismo, na frase muito divulgada “andai como filhos da luz”.

Sobre esse versículo, Emmanuel pondera objetivamente:

“Cada criatura dá sempre notícias da própria origem espiritual.”6

 

Referências:

  1. Walker, Peter. Pelos caminhos do apóstolo Paulo. Trad. Mariz, Andréa. Introdução, Cap. 10. São Paulo: Ed.Rosari. 2009.
  2. Silva, Severino Celestino. Comunidades do Caminho. História do Cristianismo Nascente. 1.ed. Cap. 20,22,23. João Pessoa: Ed. Ideia, 2014.
  3. Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. Cap. Epístola aos Efésios. São Paulo: Hagnos, 2014.
  4. Almeida, João Ferreira. A Bíblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento. Trad. Edição Corrigida e Revisa Fiel ao Texto Original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. 2007.
  5. Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel.  Caminho, verdade e vida. Cap.159. Brasília: FEB
  6. Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Vinha de luz. Cap. 115, 135, 136, 137, 160. Brasília: FEB.

(Síntese adaptada de artigo do autor, publicada na Revista Internacional de Espiritismo, com o título “Epístola aos Efésios – os filhos da luz”, edição de março de 2016, p.71-73 )

O Evangelho e o Cristianismo Primitivo

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Antonio César Perri de Carvalho
(Ex-presidente da USE-SP e da FEB)

O pesquisador espírita Severino Celestino da Silva há alguns anos tem se dedicado a estudos sobre o Antigo e Novo Testamento. Domina os idiomas aramaico e hebraico, é professor de pós graduação em Ciências da Religião, já publicou alguns livros sobre suas pesquisas, tem levado grupos de interessados nestes estudos aos locais dos eventos do Novo Testamento e foi supervisor/curador do recém lançado filme "Nos Passos do Mestre Jesus segundo o Espiritismo", produzido pela “Mundo Maior Filmes”. (1)

Relacionado com o tema do filme citado, há pouco tempo comentamos a obra de Severino – “Comunidades do Caminho. História do Cristianismo Nascente” (2) e agora focalizamos "O Evangelho e o Cristianismo Primitivo" (3).

O livro em foco traz Prefácio do Bispo de João Pessoa que, entre outras, comenta "As abordagens do autor demonstram o seu espírito de fé. Suas críticas nos envolvem e nos estimulam a discernir a vontade de Deus a nosso respeito. Foi o que senti ao adentrar nos cenários descritos com linguagem simples e piedosa."

O livro está fundamentado em textos bíblicos e o autor compara trechos de traduções do hebraico, do grego, e, em alguns casos dos textos dos evangelistas; em pesquisas feitas pelo autor na bibliografia relacionada e também em visitas aos locais do Oriente Médio, Turquia, Grécia, e Roma.

Porém toda essa fundamentação flui de maneira simples e agradável.

A preocupação de Severino foi destacar o conteúdo espiritual dos textos e o que Jesus queria realmente transmitir. Deixou claro que Jesus, como judeu, prezava a Torá (“não vim destruir a Lei”), mas trazia uma mensagem diferente, sempre primando pela justiça e pela paz. Sobre este assunto recorre ao capítulo I de "O Evangelho Segundo o Espiritismo".

O autor traz informações muito ricas sobre os locais em que o Cristo atuou, sobre os discípulos e todas pessoas que estiveram relacionadas com o Mestre e são citadas nos textos dos evangelistas. Vêm à tona as dificuldades e pontos de vistas diferentes dos discípulos. Muitas polêmicas sobre o Cristo são analisadas sem paixão levando em consideração o contexto judaico da época, os textos bíblicos e suas traduções e o conhecimento espírita. Analisa também as tradições e suas origens relacionadas com muitas comemorações incorporadas pelos cristãos ao longo dos tempos. Como descreve as cidades e regiões que visitou, a leitura do livro cria a sensação de se assistir a um filme.

Severino conclui que "devemos empreender todo esforço possível para colocar Jesus em nosso coração, Jesus é o nosso maior exemplo".

Os livros de Severino Celestino da Silva representam excelentes subsídios para os estudiosos do Novo Testamento à luz do Espiritismo.

 

Referências:

1) http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blogs/o-filme-nos-passos-do-mestre-jesus-segundo-o-espiritismo?xg_source=msg_appr_blogpost

2) http://grupochicoxavier.com.br/comunidades-do-caminho-historia-do-cristianismo-nascente/

3) Silva, Severino Celestino. O evangelho e o cristianismo primitivo. 6 ed. João Pessoa: Idéia. 2013. 293p.

Yvonne Pereira – simplicidade nos diálogos

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Yvonne do Amaral Pereira (1900-1984) sempre nos provocou admiração pelos seus exemplos de vida e pela sua obra mediúnica e tivemos o privilégio de a conhecermos nos anos 1970, em sua residência no Rio de Janeiro.

Alguns livros por ela redigidos estavam “perdidos”. Graças à compreensão da família dela, a intercessão e o apoio do diretor da FEB Affonso Soares – esperantista e amigo de Yvonne -, foi possível recuperá-los e publicá-los nos anos 2012 e 2014, durante nossa gestão na FEB (*), quatro volumes inéditos da dedicada médium – A família espírita, Evangelho aos simples, As três revelações, Contos amigos -, que constituem uma série de obras voltada à família, a crianças e jovens e à reunião do Evangelho no lar.

Esses livros foram elaborados pela médium entre 1964 e 1971  e contam com mensagens de Bezerra de Menezes.

Em “Advertência aos pais de família” (mensagem de 26/01/1964), incluída em A família espírita, Bezerra afirma: “Patrocinando, pois, um ensaio lítero-doutrinário-evangélico para auxílio às mães e aos pais de família, durante as noites de serão no lar, onde o Evangelho do Senhor e seus benefícios ao indivíduo e à sociedade serão ministrados e examinados, eu o faço no cumprimento dos próprios deveres para com o Consolador […] Que tão belos serões renovadores do lar e dos corações obtenham êxito na boa educação da infância e dos iniciantes em geral, é o meu desejo. […] Estas páginas, porém, foram escritas de preferência para os adultos de poucas letras doutrinárias e não propriamente para crianças, visto que para ensinar a Doutrina Espírita aos filhos é necessário que os pais possuam noções doutrinárias, um guia, um conselheiro que lhes norteie o caminho a seguir.”

Como Introdução de As três revelações o mesmo orientador espiritual em mensagem de 3/10/1967, comenta: “será bom que o espírita zele por suas crianças, preparando possibilidades futuras para a sua salvaguarda moral-espiritual. Erro será supor que a infância moderna se choque frente à verdade espírita e à transcendência evangélica.”

Yvonne Pereira comenta na apresentação de Evangelho aos simples, que não há a “pretensão de se impor à instrução doutrinária da criança, senão o desejo sincero de auxiliar uma tarefa espinhosa, que está a requerer de cada adepto do Espiritismo atenções urgentes e dedicações ilimitadas.”

Em três livros dessa série, Yvonne Pereira focaliza episódios que transcorrem no sítio da família Vasconcelos, a “Granja Feliz”, Estado do Rio de Janeiro, tendo como figuras centrais três crianças, e suas convivências com os pais e avós. O enredo se desdobra a partir de reuniões do Evangelho no lar, com linguagem simples e agradável, facilmente adaptável para as várias faixas etárias da infância e da adolescência. Apenas o último – Contos amigos – tem os fatos ocorridos em outras plagas, mas mantendo o mesmo estilo. A autora sempre relaciona cada capítulo com uma citação final de versículo de um dos evangelistas ou de O evangelho segundo o espiritismo.

O conjunto dessas quatro obras de Yvonne A. Pereira constitui um formidável repositório para utilização em várias situações da difusão dos princípios espíritas, facilmente adaptáveis para diversas faixas etárias e sociais e se enquadrando em distintos contextos para o ensino espírita.

A nosso ver, essas obras de Yvonne podem servir de roteiro ou texto básico não apenas para as reuniões com crianças e adolescentes e de Evangelho no lar, mas também em reuniões com adultos, notadamente em ambientes cujo público alvo seja constituído de pessoas mais simples.

(* – O autor foi presidente interino da FEB -2012/2013- e presidente – 2013/2015).

Jesus, a porta. Kardec, a chave

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Na obra inaugural da Doutrina Espírita – O livro dos espíritos -, o Codificador dedicou a 3ª Parte ao desenvolvimento do tema “Das Leis Morais”, totalizando 306 questões, quase um terço do total do livro, sobre os ensinos do Cristo analisadas de uma maneira geral e com base nas orientações da plêiade do Espírito de Verdade.

Poucos anos depois houve um desdobramento dessa obra com o surgimento de O Evangelho segundo o Espiritismo, que trata do ensino moral do Cristo ilustrando-o com seus exemplos da vida e suas parábolas. Kardec define este último livro como: “[…] roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura. Essa parte é a que será objeto exclusivo desta obra”.1 No capítulo I deixa claro a compreensão da gradação e continuidade das revelações e que elucida os comentários do Cristo.

Mas é no capítulo “O Cristo Consolador” que se estabelece a ampliação da visão sobre o Cristo e da missão do Espiritismo em nossos tempos, no papel de acolhimento, consolo, esclarecimento e orientação de encarnados e de desencarnados. Com estas finalidades os centros espíritas se caracterizam realmente como postos de apoio e escolas, prioritariamente de natureza espiritual.

Interessante o registro de João sobre a colocação do Cristo: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, encontrará a pastagem.”2 Ao apresentar O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec comenta: “Muitos pontos dos Evangelhos, da Bíblia e dos autores sacros em geral só são ininteligíveis, parecendo alguns até irracionais, por falta da chave que faculte se lhes apreenda o verdadeiro sentido.”1

As duas figuras – porta e chave – foram reunidas e comentadas em significativa mensagem do espírito Emmanuel, concluindo: “Jesus, a porta. Kardec, a chave”.3

A compreensão aprofundada do Evangelho à luz do Espiritismo descortina-nos uma visão sobre o Mestre dos Mestres como nosso “modelo e guia”.4

Aí se inclui o intercâmbio entre as Humanidades das duas dimensões da vida e fica claro que os princípios de Jesus também se encontram na base das recomendações de Kardec sobre a prática da mediunidade: “A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário, em torno do qual já temos a ventura de ver, em todas as partes do globo, congregados tantos homens, por compreenderem que aí que está a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública, o sinal de uma Nova Era para a Humanidade.”5 Algumas manifestações da Espiritualidade que se tornaram “matérias de fé” para muitos, como os chamados “milagres” e as predições de Jesus, são analisados em A Gênese6, num conceito e visão ampliados de Natureza, propiciados pelo Espiritismo.

Na obra de Kardec está muito clara a fundamentação cristã do Espiritismo. Por ocasião do centenário dos livros básicos da Codificação, Emmanuel escreveu pela psicografia de Francisco Cândido Xavier alguns livros comemorativos. Em obra que homenageia o livro inaugural de Kardec, o autor espiritual apresenta-a como: “[…] o primeiro marco da Religião dos Espíritos, em bases de sabedoria e amor, a refletir o Evangelho, sob a inspiração de Nosso Senhor Jesus Cristo.”7

Na obra psicografada por Chico Xavier Seara dos Médiuns8 analisa-se a prática mediúnica de acordo com o Novo Testamento. Em Livro da Esperança Emmanuel opina: “[…] diante do Centenário do ‘O Evangelho Segundo o Espiritismo’ (…) este livro despretensioso de servidor reconhecido, como sendo Livro da Esperança”. O autor espiritual extravasa sua emoção: “Oh! Jesus! No luminoso centenário de ‘O Evangelho Segundo o Espiritismo’, em vão tentamos articular, diante de ti, a nossa gratidão jubilosa! (…) – Obrigado, Senhor!…”9  Entre as centenas de livros psicografados por Chico Xavier, Boa Nova10, se destaca pela essência do conteúdo evangélico sob a ótica espírita.

O Espiritismo, fundamentado nas Obras Básicas de Allan Kardec, é a chave interpretativa. E, no conjunto da obra de Francisco Cândido Xavier, o exegeta Emmanuel e o espírito Humberto de Campos claramente elucidam a significação do Cristo para nós e do marco que ele representa para a Humanidade: é “a porta”1, “caminho, verdade e vida”11 e a “luz do mundo” 12!

 

Referências:

  1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Introdução. Item I. FEB: Rio de Janeiro.
  2.  João 10:9.
  3. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Opinião Espírita. Cap. 2, Uberaba: CEC.
  4. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 3ª. Parte. FEB: Rio de Janeiro, questão 625.
  5. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. O Livro dos Médiuns. item 350. FEB: Rio de Janeiro.
  6. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. A Gênese. Cap. XIII a XVIII. FEB: Rio de Janeiro,
  7. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Religião dos Espíritos. Apresentação. FEB: Rio de Janeiro.
  8. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Seara dos Médiuns. FEB: Rio de Janeiro. 374p.
  9. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Livro da Esperança. Uberaba: CEC, 1973, p. 11-12
  10. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Humberto de Campos. Boa Nova. FEB: Rio de Janeiro, 285p.
  11. João 12:6.
  12. João 8:12.

Síntese adaptada de: Carvalho, Célia Maria Rey; Carvalho, Antonio Cesar Perri (Org.). O evangelho segundo o espiritismo. Orientações para o estudo. Cap. 5. Brasília: FEB. 2014.

Bezerra e a nova visão sobre loucura

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Adolfo Bezerra de Menezes teve intensa atuação em várias atividades espíritas, políticas, empresariais, e, jamais deixou de atuar como médico.

Em pleno século XIX – contemporâneo de Charles Richet, William James, Jean-Martin Charcot e outros notáveis colegas de profissão -, voltados à procura de respostas extra-orgânicas nas chamadas “pesquisas psíquicas” e em casos de perturbações psíquicas, Bezerra  escreveu um trabalho inédito para os contextos médico mundial e espírita: A loucura sob novo prisma.

No final dos anos 1880, como médico e membro da Academia Nacional de Medicina, e consta que direcionado à instituição, Bezerra de Menezes escreveu o citado trabalho abordando um tema delicado e complexo. No estudo dá ênfase à 'loucura por obsessão', isto é, por ação fluídica de agentes inteligentes e extraterrenos sobre a criatura encarnada. O histórico trabalho de Bezerra somente foi publicado em 1920, pela FEB.

Na obra, Bezerra comenta sobre a postura tradicional “de que toda perturbação do estado fisiológico do ser humano procede invariavelmente de uma lesão orgânica, os homens da ciência têm até hoje, como verdade incontroversa, que a alienação mental, conhecida pelo nome de – loucura -, é efeito de um estado patológico do cérebro, órgão do pensamento, para uns; glândula secretora do pensamento, para outros. Nem os primeiros, nem os segundos explicam sua maneira de compreender a ação do cérebro, quer em relação à função, em geral, quer em relação à sua perturbação, no caso da loucura.”

Assim, Bezerra se propõe “a preencher essa lacuna, demonstrando, com fatos de rigorosa observação: que o pensamento é pura função da alma ou Espírito, e, portanto, que suas perturbações, em tese, não dependem de lesão do cérebro, embora possam elas concorrer para o caso, pela razão de ser o cérebro instrumento das manifestações, dos produtos da faculdade pensante.”

Define claramente seu objetivo: “Meu estudo limitar-se-á à segunda espécie, ainda não reconhecida, nem estudada no mundo científico. Sobre este importante assunto, cuja simples enunciação já deve ter feito muita gente atirar longe o pobre livro, eu farei meditado estudo, no empenho de tornar patente a causa do mal – a sintomatologia necessária ao diagnóstico, quer do mal (obsessão), quer da diferenciação entre as duas espécies de loucura – e, finalmente, os meios curativos da nova espécie ou obsessão.”

No desenvolvimento do livro há três partes bem delimitadas: 1) o pensamento em seu princípio causal e em suas manifestações; 2) relações do nosso Espírito com os Espíritos livres do espaço; donde a loucura por obsessão; 3) a loucura, como caso patológico, determinando-lhe a causa – apreciando-lhe os sintomas; colhendo os elementos para seu diagnóstico diferencial; e prescrevendo os meios com que se deve tentar a cura do terrível mal.

Importante é que Bezerra relaciona as suas observações pessoais, das reuniões que participava no Rio de Janeiro, com O céu e inferno, de Allan Kardec, referindo-se às manifestações de espíritos infelizes que permaneceram muitos anos sentindo-se ligados ao corpo. Também cita casos da Revue Spirite, criada por Allan Kardec.

Além de tratar o tema teoricamente, ele robustece com casos selecionados: “ Para não alongarmos, porém, este trabalho, citaremos apenas três, que preferimos às demais, por estarem vivas e presentes as testemunhas, caso alguém se abalance a impugná-las.”

Bezerra relata os estudos de casos que realizou, recorrendo a reuniões com participação de figuras notáveis como o médium Frederico Pereira da Silva Júnior, Pedro Richard, Antônio Luís Saião, Francisco Leite Bittencourt Sampaio, e outros companheiros da história do Espiritismo. Fica claro e, como ele escreveu, com testemunhas vivas, que se curaram da chamada alienação mental, libertando-se dos então “hospícios”, com o tratamento espiritual que incluiu o atendimento e esclarecimento de entidades espirituais envolvidas pela ideia de perseguição e de vingança.

Fato marcante foi vivido no seio de seu próprio lar. Bezerra escreveu: “Um de nossos filhos, moço de grande inteligência e de coração bem formado, foi subitamente tomado de alienação mental. Os mais notáveis médicos do Rio de Janeiro fizeram o diagnóstico: loucura; e como loucura o trataram sem que obtivessem o mínimo resultado. Notávamos, nós um singular fenômeno: quando o doente, passado o acesso e entrado no período lúcido, ficava calmo, manifestava perfeita consciência, memória completa e razão clara, de conversar criteriosamente sobre qualquer assunto, mesmo literário ou científico, pois estudava Medicina, quando foi assaltado. […] Desanimados, por falharem todos os meios empregados, disseram-nos aqueles colegas que era inconveniente e perigoso conservar o doente em casa, e que urgia mandá-lo para o hospício. Foi ante esta dolorosa contingência de uma separação mais dolorosa que a da morte, que resolvemos atender a um amigo que havia muito nos instava para que recorrêssemos ao Espiritismo.”

Bezerra relata alguns trechos de diálogos ocorridos no atendimento do espírito que atuava como obsessor do filho. Foram muitas reuniões de tratamento espiritual: “O moço era vítima de seus abusos noutra existência, continuou a sofrer a perseguição, e por tanto tempo a sofreu, que seu cérebro se ressentiu, de forma que, quando o obsessor, afinal arrependido, o deixou, ele ficou calmo, sem mais ter acessos, porém não recuperou a vivacidade de sua inteligência. O instrumento ainda não se restabeleceu. […] o nosso doente, desde que tivemos certeza de ser o mal obra de um Espírito, nunca mais tomou remédios, senão os morais, em trabalhos espíritas, de cerca de três anos. Vê-se, portanto, quanto importa, diante de um caso de loucura, fazer de pronto o diagnóstico diferencial, para que, se for obsessão, não chegue esta a desorganizar o cérebro, que é o órgão atacado pelo obsessor.”

Esclarecemos que o filho a que o autor se refere é Antonio, segundo filho do primeiro casamento de Bezerra, nascido em 1862. Depois do tratamento e cura do filho, este veio a desencarnar aos 25 anos de idade, vitimado por febre tifóide, no ano de 1887. A vivência do caso do próprio filho foi um dos fatores que estimularam Bezerra a escrever o trabalho, posteriormente transformado em livro. Lembramos também que embora estudasse o Espiritismo, desde a oferta de O livro dos espíritos por seu colega e tradutor dr. Joaquim Carlos Travassos, em 1875, Bezerra somente se proclamou publicamente espírita no ano de 1886, época em que já se dedicava ao estudo dos casos relatados no livro.

Bezerra aborda o tema obsessão em um capítulo específico. Ao final da obra, conclui: “Temos, pois, em resumo, que tudo concorre para tornar evidente a dualidade causal da loucura. […] Definida a questão, a loucura sob novo prisma, exposta a doutrina onde se encontram as leis que a explicam, vem de molde, e antes de mais, discriminá-la da outra espécie, única até hoje conhecida: fazer o diagnóstico diferencial.”

Interessante é que Bezerra escreveu de uma maneira que o livro não está colidindo e nem ultrapassado com a diversidade das teorias do meio científico e nem com a extensa bibliografia espírita hoje disponível.

O livro A loucura sob novo prisma, deve merecer a atenção pela leitura, estudo e divulgação por parte dos espíritas. Quiçá, um dia também tenha o reconhecimento na área acadêmica pelo pioneirismo e ineditismo do tema central, abordado ainda no século XIX!

Fontes:

Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Ed.FEB.

Wantuil, Zêus. Grandes espíritas do Brasil. Ed. FEB.

Orador e escritor espírita, Antonio Cesar Perri presidiu a Federação Espírita Brasileiro e o CFN até o final de 2015.

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Transcrito de “Correio Fraterno do ABC”, edição janeiro-fevereiro de 2016, p.8-9; acesso digital:

http://www.correiofraterno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1797:bezerra-e-a-nova-visao-sobre-a-loucura&catid=103:especial&Itemid=2

Epístola aos Gálatas e as “marcas do Cristo”

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A Epístola aos Gálatas teria sido redigida mais provavelmente entre os anos 54 e 57 d.C. embora haja estudiosos que admitem o período do final do ano 48 a 50 d.C.1,2 A Galácia possuía várias etnias e contava com grandes colônias judaicas.

A Epístola aos Gálatas é considerada por Champlin como a “Carta Magna da Fé Cristã”2. Registra a fidelidade do apóstolo aos ensinos originais do Mestre e é muito claro, não aceitando interpolações ou ajustes às tradições judaicas:

1.9 […]Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema. 1.10 Porque, persuado eu agora a homens ou a Deus? ou procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo. 1.11 Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens. 1.12 Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo. 1.13 Porque já ouvistes qual foi antigamente a minha conduta no judaísmo, como sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a assolava. 1.14 E na minha nação excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.3

A atitude humana de tentativas de “agrado” é analisa por Emmanuel e considerando ainda as reações que geralmente ocorrem às propostas de adequação a novos contextos e de inovação:

“Em muitas ocasiões, os pareceres populares equivalem à gritaria das assembleias infantis, que não toleram os educadores mais altamente inspirados, nas linhas de ordem e elevação, trabalho e aproveitamento.       Que o sincero trabalhador do Cristo, portanto, saiba operar sem a preocupação com os juízos errôneos das criaturas. Jesus o conhece e isto basta”.4

Nessa Epístola há o importante depoimento de Paulo sobre suas visitas à Casa do Caminho e a sua reiteração do compromisso com a ampla divulgação do Evangelho à gentilidade, sem nenhuma exigência de pré-requisitos para com seu público, o que ele definiu na sua primeira visita a Jerusalém, após sua conversão ao Cristianismo. Um registro importante é o relativo ao seu segundo retorno a Jerusalém, anos depois:

2.1 Depois, passados catorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também comigo Tito. 2.2 E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios, […] 2.9 E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fóssemos aos gentios, e eles à circuncisão. 2.10 Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência. […] 2.14 Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. 2.20 Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.

Paulo separa os compromissos de formalidade com a legislação Moisaica e os de natureza espiritual e que permanecem após a vida corpórea. Suas colocações demonstram a firmeza de suas decisões pautadas na vivência coerente com os ensinos do Mestre. O tema é abordado por Emmanuel trazendo-o para a vida cotidiana:

“Quando termine cada dia, passa em revista as pequeninas experiências que partilhaste na estrada vulgar. Observa os sinais com que assinalaste os teus atos, recordando que a marca do Cristo é, fundamentalmente, aquela do sacrifício de si mesmo para o bem de todos”.5

O raciocínio com base em valores para a vida espiritual aparece em outros trechos da Epístola e Paulo separa claramente o que seria a lei de ordem material e elaborada para um contexto temporal. A Galácia sofria muita influência dos cristãos ligados ao judaísmo e eram chamados de “legalistas”. Registra um alerta com um tom enérgico:

3.1 O insensatos gálatas! quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós? 3.2 Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? […] 3.12 Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá.

A dedicação deve ser desinteressada, como enfatiza Emmanuel:

“Trabalhemos, pois, contra a expectativa de retribuição, a fim de que prossigamos na tarefa começada, em companhia da humildade, portadora de luz imperecível”.4

Paulo repete conceitos emitidos em outras Epístolas, esclarecendo o valor da fé com base em ações e não a tradicional interpretação de se imaginar que seria suficiente um compromisso formal de aceitação da “lei de Moisés”. A fundamentação do ensino moral do Cristo, já registrada na Epístola aos Romanos é ratificada:

5.4 Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. […] 5.14 Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.

A preocupação de Paulo com os desvios pessoais e de grupos transparecem nessa Epístola, onde ele é explícito, e anota uma enérgica admoestação com relação a problemas “como obras da carne”, que já identificava naquela época:

5.20 Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias.

Na sequência, recomenda aos gálatas:

5.25 Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.

Entendemos que o Apóstolo diferenciava as atitudes humanas, sem compromissos com a visão de vida imortal. Emmanuel analisa essa questão considerando os textos de Paulo sobre a polêmica carne versus espírito e deixa claro que a vontade é do espírito. A recomendação final resume a visão de Paulo para o melhor relacionamento entre os integrantes das comunidades da Galácia:

6:10 Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.

As ponderações do inspirado missivista merecem vários comentários de Emmanuel, dos quais destacamos:

“O Apóstolo Paulo reconhece que, às vezes, atravessamos grandes ou pequenos períodos de inibições e provações, pelo que nos recomenda: “enquanto temos tempo, façamos o bem a todos; contudo, mesmo nas circunstâncias difíceis, urge endereçar aos outros o melhor ao nosso alcance, porque segundo as leis da vida, aquilo que o homem semeia, isso mesmo colherá”.6

Nessa Epístola, o Apóstolo faz um significativo registro, que é repetido por muitas pessoas:

6.17 Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.

A colocação paulina pode ser interpretada pela ótica material, pois ele foi apedrejado, considerado morto e arrastado para fora de cidades. Literalmente, poderia ser interpretada como as marcas das cicatrizes dos flagelos a que foi submetido.1 Champlin também considera que “os legalistas gálatas jactavam-se da ‘marca na carne”2, ou seja, da circuncisão. Daí Paulo enfatizar outro tipo de “marca” – a espiritual -, já por ele definida na sua colocação “Cristo vive em mim”, e, que Emmanuel amplia a compreensão para o aspecto espiritual:

“Todas as realizações humanas possuem marca própria. Casas, livros, artigos, medicamentos, tudo exibe um sinal de identificação aos olhos atentos. Se medida semelhante é aproveitada na lei de uso dos objetos transitórios, não se poderia subtrair o mesmo princípio, na catalogação de tudo o que se refira à vida eterna. Jesus possui igualmente os sinais dEle. A imagem utilizada por Paulo de Tarso, em suas exortações aos gálatas, pode ser mais extensa. As marcas do Cristo não são apenas as da cruz, mas também as de sua atividade na experiência comum. Em cada situação, o homem pode revelar uma demonstração do Divino Mestre”.5

A Epístola aos Gálatas é fortemente sugestiva para a mais ampla reflexão para a avaliação sobre as “marcas do Cristo” – no sentido ético, moral e espiritual -, em nossas vidas e na Seara Espírita.

Referências:

1 – Walker, Peter. Pelos caminhos do apóstolo Paulo. Trad. Mariz, Andréa. Introdução, Cap. 6. São Paulo: Ed.Rosari. 2009.

2 – Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. Cap. Gálatas. São Paulo: Hagnos. 2014.

3 – Almeida, João Ferreira. A Bíblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento. Trad. Edição Corrigida e Revisa Fiel ao Texto Original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. 2007.

4 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Pão nosso. Cap.47 e 155. Brasília: FEB.

5 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Vinha de luz. Cap. 8. Brasília: FEB.

6 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Palavras de vida eterna. Cap.129 e 169. Uberaba: CEC.

(Transcrição parcial-síntese de artigo do autor publicado em “Revista Internacional do Espiritismo”, edição de fevereiro de 2016).