Bezerra e a nova visão sobre loucura

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Adolfo Bezerra de Menezes teve intensa atuação em várias atividades espíritas, políticas, empresariais, e, jamais deixou de atuar como médico.

Em pleno século XIX – contemporâneo de Charles Richet, William James, Jean-Martin Charcot e outros notáveis colegas de profissão -, voltados à procura de respostas extra-orgânicas nas chamadas “pesquisas psíquicas” e em casos de perturbações psíquicas, Bezerra  escreveu um trabalho inédito para os contextos médico mundial e espírita: A loucura sob novo prisma.

No final dos anos 1880, como médico e membro da Academia Nacional de Medicina, e consta que direcionado à instituição, Bezerra de Menezes escreveu o citado trabalho abordando um tema delicado e complexo. No estudo dá ênfase à 'loucura por obsessão', isto é, por ação fluídica de agentes inteligentes e extraterrenos sobre a criatura encarnada. O histórico trabalho de Bezerra somente foi publicado em 1920, pela FEB.

Na obra, Bezerra comenta sobre a postura tradicional “de que toda perturbação do estado fisiológico do ser humano procede invariavelmente de uma lesão orgânica, os homens da ciência têm até hoje, como verdade incontroversa, que a alienação mental, conhecida pelo nome de – loucura -, é efeito de um estado patológico do cérebro, órgão do pensamento, para uns; glândula secretora do pensamento, para outros. Nem os primeiros, nem os segundos explicam sua maneira de compreender a ação do cérebro, quer em relação à função, em geral, quer em relação à sua perturbação, no caso da loucura.”

Assim, Bezerra se propõe “a preencher essa lacuna, demonstrando, com fatos de rigorosa observação: que o pensamento é pura função da alma ou Espírito, e, portanto, que suas perturbações, em tese, não dependem de lesão do cérebro, embora possam elas concorrer para o caso, pela razão de ser o cérebro instrumento das manifestações, dos produtos da faculdade pensante.”

Define claramente seu objetivo: “Meu estudo limitar-se-á à segunda espécie, ainda não reconhecida, nem estudada no mundo científico. Sobre este importante assunto, cuja simples enunciação já deve ter feito muita gente atirar longe o pobre livro, eu farei meditado estudo, no empenho de tornar patente a causa do mal – a sintomatologia necessária ao diagnóstico, quer do mal (obsessão), quer da diferenciação entre as duas espécies de loucura – e, finalmente, os meios curativos da nova espécie ou obsessão.”

No desenvolvimento do livro há três partes bem delimitadas: 1) o pensamento em seu princípio causal e em suas manifestações; 2) relações do nosso Espírito com os Espíritos livres do espaço; donde a loucura por obsessão; 3) a loucura, como caso patológico, determinando-lhe a causa – apreciando-lhe os sintomas; colhendo os elementos para seu diagnóstico diferencial; e prescrevendo os meios com que se deve tentar a cura do terrível mal.

Importante é que Bezerra relaciona as suas observações pessoais, das reuniões que participava no Rio de Janeiro, com O céu e inferno, de Allan Kardec, referindo-se às manifestações de espíritos infelizes que permaneceram muitos anos sentindo-se ligados ao corpo. Também cita casos da Revue Spirite, criada por Allan Kardec.

Além de tratar o tema teoricamente, ele robustece com casos selecionados: “ Para não alongarmos, porém, este trabalho, citaremos apenas três, que preferimos às demais, por estarem vivas e presentes as testemunhas, caso alguém se abalance a impugná-las.”

Bezerra relata os estudos de casos que realizou, recorrendo a reuniões com participação de figuras notáveis como o médium Frederico Pereira da Silva Júnior, Pedro Richard, Antônio Luís Saião, Francisco Leite Bittencourt Sampaio, e outros companheiros da história do Espiritismo. Fica claro e, como ele escreveu, com testemunhas vivas, que se curaram da chamada alienação mental, libertando-se dos então “hospícios”, com o tratamento espiritual que incluiu o atendimento e esclarecimento de entidades espirituais envolvidas pela ideia de perseguição e de vingança.

Fato marcante foi vivido no seio de seu próprio lar. Bezerra escreveu: “Um de nossos filhos, moço de grande inteligência e de coração bem formado, foi subitamente tomado de alienação mental. Os mais notáveis médicos do Rio de Janeiro fizeram o diagnóstico: loucura; e como loucura o trataram sem que obtivessem o mínimo resultado. Notávamos, nós um singular fenômeno: quando o doente, passado o acesso e entrado no período lúcido, ficava calmo, manifestava perfeita consciência, memória completa e razão clara, de conversar criteriosamente sobre qualquer assunto, mesmo literário ou científico, pois estudava Medicina, quando foi assaltado. […] Desanimados, por falharem todos os meios empregados, disseram-nos aqueles colegas que era inconveniente e perigoso conservar o doente em casa, e que urgia mandá-lo para o hospício. Foi ante esta dolorosa contingência de uma separação mais dolorosa que a da morte, que resolvemos atender a um amigo que havia muito nos instava para que recorrêssemos ao Espiritismo.”

Bezerra relata alguns trechos de diálogos ocorridos no atendimento do espírito que atuava como obsessor do filho. Foram muitas reuniões de tratamento espiritual: “O moço era vítima de seus abusos noutra existência, continuou a sofrer a perseguição, e por tanto tempo a sofreu, que seu cérebro se ressentiu, de forma que, quando o obsessor, afinal arrependido, o deixou, ele ficou calmo, sem mais ter acessos, porém não recuperou a vivacidade de sua inteligência. O instrumento ainda não se restabeleceu. […] o nosso doente, desde que tivemos certeza de ser o mal obra de um Espírito, nunca mais tomou remédios, senão os morais, em trabalhos espíritas, de cerca de três anos. Vê-se, portanto, quanto importa, diante de um caso de loucura, fazer de pronto o diagnóstico diferencial, para que, se for obsessão, não chegue esta a desorganizar o cérebro, que é o órgão atacado pelo obsessor.”

Esclarecemos que o filho a que o autor se refere é Antonio, segundo filho do primeiro casamento de Bezerra, nascido em 1862. Depois do tratamento e cura do filho, este veio a desencarnar aos 25 anos de idade, vitimado por febre tifóide, no ano de 1887. A vivência do caso do próprio filho foi um dos fatores que estimularam Bezerra a escrever o trabalho, posteriormente transformado em livro. Lembramos também que embora estudasse o Espiritismo, desde a oferta de O livro dos espíritos por seu colega e tradutor dr. Joaquim Carlos Travassos, em 1875, Bezerra somente se proclamou publicamente espírita no ano de 1886, época em que já se dedicava ao estudo dos casos relatados no livro.

Bezerra aborda o tema obsessão em um capítulo específico. Ao final da obra, conclui: “Temos, pois, em resumo, que tudo concorre para tornar evidente a dualidade causal da loucura. […] Definida a questão, a loucura sob novo prisma, exposta a doutrina onde se encontram as leis que a explicam, vem de molde, e antes de mais, discriminá-la da outra espécie, única até hoje conhecida: fazer o diagnóstico diferencial.”

Interessante é que Bezerra escreveu de uma maneira que o livro não está colidindo e nem ultrapassado com a diversidade das teorias do meio científico e nem com a extensa bibliografia espírita hoje disponível.

O livro A loucura sob novo prisma, deve merecer a atenção pela leitura, estudo e divulgação por parte dos espíritas. Quiçá, um dia também tenha o reconhecimento na área acadêmica pelo pioneirismo e ineditismo do tema central, abordado ainda no século XIX!

Fontes:

Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Ed.FEB.

Wantuil, Zêus. Grandes espíritas do Brasil. Ed. FEB.

Orador e escritor espírita, Antonio Cesar Perri presidiu a Federação Espírita Brasileiro e o CFN até o final de 2015.

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Transcrito de “Correio Fraterno do ABC”, edição janeiro-fevereiro de 2016, p.8-9; acesso digital:

http://www.correiofraterno.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1797:bezerra-e-a-nova-visao-sobre-a-loucura&catid=103:especial&Itemid=2