Jesus, a porta. Kardec, a chave

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Na obra inaugural da Doutrina Espírita – O livro dos espíritos -, o Codificador dedicou a 3ª Parte ao desenvolvimento do tema “Das Leis Morais”, totalizando 306 questões, quase um terço do total do livro, sobre os ensinos do Cristo analisadas de uma maneira geral e com base nas orientações da plêiade do Espírito de Verdade.

Poucos anos depois houve um desdobramento dessa obra com o surgimento de O Evangelho segundo o Espiritismo, que trata do ensino moral do Cristo ilustrando-o com seus exemplos da vida e suas parábolas. Kardec define este último livro como: “[…] roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura. Essa parte é a que será objeto exclusivo desta obra”.1 No capítulo I deixa claro a compreensão da gradação e continuidade das revelações e que elucida os comentários do Cristo.

Mas é no capítulo “O Cristo Consolador” que se estabelece a ampliação da visão sobre o Cristo e da missão do Espiritismo em nossos tempos, no papel de acolhimento, consolo, esclarecimento e orientação de encarnados e de desencarnados. Com estas finalidades os centros espíritas se caracterizam realmente como postos de apoio e escolas, prioritariamente de natureza espiritual.

Interessante o registro de João sobre a colocação do Cristo: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, encontrará a pastagem.”2 Ao apresentar O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec comenta: “Muitos pontos dos Evangelhos, da Bíblia e dos autores sacros em geral só são ininteligíveis, parecendo alguns até irracionais, por falta da chave que faculte se lhes apreenda o verdadeiro sentido.”1

As duas figuras – porta e chave – foram reunidas e comentadas em significativa mensagem do espírito Emmanuel, concluindo: “Jesus, a porta. Kardec, a chave”.3

A compreensão aprofundada do Evangelho à luz do Espiritismo descortina-nos uma visão sobre o Mestre dos Mestres como nosso “modelo e guia”.4

Aí se inclui o intercâmbio entre as Humanidades das duas dimensões da vida e fica claro que os princípios de Jesus também se encontram na base das recomendações de Kardec sobre a prática da mediunidade: “A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário, em torno do qual já temos a ventura de ver, em todas as partes do globo, congregados tantos homens, por compreenderem que aí que está a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública, o sinal de uma Nova Era para a Humanidade.”5 Algumas manifestações da Espiritualidade que se tornaram “matérias de fé” para muitos, como os chamados “milagres” e as predições de Jesus, são analisados em A Gênese6, num conceito e visão ampliados de Natureza, propiciados pelo Espiritismo.

Na obra de Kardec está muito clara a fundamentação cristã do Espiritismo. Por ocasião do centenário dos livros básicos da Codificação, Emmanuel escreveu pela psicografia de Francisco Cândido Xavier alguns livros comemorativos. Em obra que homenageia o livro inaugural de Kardec, o autor espiritual apresenta-a como: “[…] o primeiro marco da Religião dos Espíritos, em bases de sabedoria e amor, a refletir o Evangelho, sob a inspiração de Nosso Senhor Jesus Cristo.”7

Na obra psicografada por Chico Xavier Seara dos Médiuns8 analisa-se a prática mediúnica de acordo com o Novo Testamento. Em Livro da Esperança Emmanuel opina: “[…] diante do Centenário do ‘O Evangelho Segundo o Espiritismo’ (…) este livro despretensioso de servidor reconhecido, como sendo Livro da Esperança”. O autor espiritual extravasa sua emoção: “Oh! Jesus! No luminoso centenário de ‘O Evangelho Segundo o Espiritismo’, em vão tentamos articular, diante de ti, a nossa gratidão jubilosa! (…) – Obrigado, Senhor!…”9  Entre as centenas de livros psicografados por Chico Xavier, Boa Nova10, se destaca pela essência do conteúdo evangélico sob a ótica espírita.

O Espiritismo, fundamentado nas Obras Básicas de Allan Kardec, é a chave interpretativa. E, no conjunto da obra de Francisco Cândido Xavier, o exegeta Emmanuel e o espírito Humberto de Campos claramente elucidam a significação do Cristo para nós e do marco que ele representa para a Humanidade: é “a porta”1, “caminho, verdade e vida”11 e a “luz do mundo” 12!

 

Referências:

  1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Introdução. Item I. FEB: Rio de Janeiro.
  2.  João 10:9.
  3. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Opinião Espírita. Cap. 2, Uberaba: CEC.
  4. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 3ª. Parte. FEB: Rio de Janeiro, questão 625.
  5. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. O Livro dos Médiuns. item 350. FEB: Rio de Janeiro.
  6. KARDEC, Allan. Trad. Guillon Ribeiro. A Gênese. Cap. XIII a XVIII. FEB: Rio de Janeiro,
  7. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Religião dos Espíritos. Apresentação. FEB: Rio de Janeiro.
  8. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Seara dos Médiuns. FEB: Rio de Janeiro. 374p.
  9. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Livro da Esperança. Uberaba: CEC, 1973, p. 11-12
  10. XAVIER, Francisco Cândido. Pelo Espírito Humberto de Campos. Boa Nova. FEB: Rio de Janeiro, 285p.
  11. João 12:6.
  12. João 8:12.

Síntese adaptada de: Carvalho, Célia Maria Rey; Carvalho, Antonio Cesar Perri (Org.). O evangelho segundo o espiritismo. Orientações para o estudo. Cap. 5. Brasília: FEB. 2014.