Filme Maudie – Sua Vida e Sua Arte

Filme Maudie – Sua Vida e Sua Arte

Célia Maria Rey de Carvalho (*)

O filme Maudie – Sua Vida e Sua Arte, retrata a vida da artista canadense Maud Kathleen Dowley, nascida em 07 de março de 1903 ao sul de Ohio, Nova Escócia no Canadá. Desde cedo apresentou artrite reumatoide que limitava seus movimentos além de possuir outras deficiências físicas.

Foi introduzida nas artes por sua mãe Agnes Dowley. Na juventude teve uma filha, em 1928, Catherine, que foi colocada para adoção, pois ela não tinha condição de criá-la. Maud ficou órfão em 1937 e foi morar com uma tia em Dgby, também na Nova Escócia. Não se dando bem com a tia, foi morar e trabalhar como doméstica na casa de Everett Lewis, vendedor de peixes de Mashalltown ao final de 1937, o que a impediu de voltar para casa da tia que não aceitava tal situação.

Everett era um homem extremamente rude, tosco, bruto, mas Maud, pela opção que fez, aceitava e tentava realizar as tarefas para as quais fora contratada, com extrema dificuldade, mas com extremo desvelo e carinho. Várias vezes mandada embora e como não tinha para onde ir, ficava e suportava os desafios impostos pelo serviço e pelo patrão. Em janeiro de 1938 ela e Everett se casaram, passando a chamar-se Maud Lewis. O filme mostra uma Maud extremamente humilde, resignada, dócil no falar, sorriso meigo, determinada e corajosa, mas sem imposição. Com uma vida extremamente pobre, Maud quase não saia da casa que ficava isolada 11 km da pequena cidade de Dgby.

Aos poucos foi cativando a simpatia e afeição do marido, bem como mudando alguns de seus hábitos toscos. Sem se impor, oferecia uma mesa posta para as refeições do mesmo, o que o levou a sentar-se e comer com melhores modos, alterando também outros hábitos domésticos. Começou a enfeitar as paredes da casa com suas pinturas de cores fortes, com motivos florais, pássaros e borboletas. O marido não gostou e disse que estava ela desobedecendo suas ordens. Ela respondeu que não, estava só cumprindo suas ordens de deixar a casa mais bonita. Aos poucos foi pintando em pequenos pedaços de madeira que encontrava nos objetos e móveis quebrados que o marido trazia para o quintal da casa.

Na sua humildade, obediência ao marido não se deixou contaminar pelos seus modos rústicos, nem cultivando qualquer sentimento de animosidade. Era seu lar, seu marido e o único lugar que podia ficar. Não discutia, não tentava impor suas ideias, apenas sugeria. Não questionava sua condição de pessoa discriminada pela sua aparência deformada. Aceitava os desafios da vida com coragem e determinação, mantendo seu mundo interior que era maior do que qualquer limitação física, de condições sócias e materiais.

Da única janela da casa via o mundo lá fora e isso bastava para sua imaginação livre e leve povoar sua mente, sua criatividade e seus dias de solidão. Suas pinturas revelavam o que ia em sua alma. As pessoas solicitavam para que ela pintasse para saber e entender o que se passava em seu íntimo. E seu mundo interior era colorido, alegre, vibrante. Todo tempo disponível depois de suas obrigações domésticas era destinado à pintura.

Foi a companhia silenciosa, mas sempre presente de seu marido, convencendo-o de fazer as coisas com breves observações e deixando que o tempo o fizesse entender e atendê-la. Não desafiava, mas agia na serenidade, na quietude de seus gestos, olhares e atos. Mudou a vida dele, apesar de continuar a sua maneira tosca de ser, mas com gestos disfarçados de carinho. Boa em contas, aos poucos, oferecendo sua ajuda, mas sempre exaltando o papel de comando que seu marido sempre frisava e exigia, ela ajudou-o em sua venda de peixe, anotando e controlando a entrada e saída do dinheiro. Nunca ficou com um centavo do dinheiro da venda de suas obras que era muito superior ao que o marido ganhava, deixando a ele o controle das finanças. Ele, percebendo que sua arte rendia dinheiro, começou a ajudá-la nos afazeres domésticos e no provimento de materiais necessários ao seu trabalho.

O que achei notável e que no filme bem transparece, foi a sua humildade e resistência pacífica na manutenção do seu modo de ser, de enxergar o mundo, de enfrentar suas dores e dar vazão à sua arte independente das condições adversas que o mundo e a pessoas lhe ofereciam. Sempre enxergava luz onde havia escuridão, alegria onde reinava a dor, poesia e colorido no cenário branco e preto dos longos períodos de inverno. Sua brandura se estendia aos animais que habitavam os arredores da casa, com eles conversando e acarinhando-os. Aliás, com os cachorros ela conversava muito, o que às vezes irritava seu marido.

Mas ela continuava sua maneira de ser. Morreu aos 67 anos, sem nunca interromper suas atividades de pintura, somente nos momentos em que era atendida no hospital devido aos problemas respiratórios que adquiriu pelo fumo, cheiro forte das tintas e ambiente insalubre de sua residência.

Emmanuel, no livro Pensamento e Vida (FEB), cap. 24 bem define: “Humildade não é servidão. É, sobretudo, independência, liberdade interior que nasce das profundezas do espírito, apoiando-lhe a permanente renovação para o bem. Cultivá-la é avançar para a frente sem prender-se, é projetar o melhor de si mesmo sobre os caminhos do mundo, é olvidar todo o mal e recomeçar alegremente a tarefa do amor, cada dia.” Essa era Maud na sua maneira de ser e vencer no mundo.

(*) Ex-diretora da USE-SP e da FEB. Colaboradora do GEECX, CCDPE e G.E.Casa do Caminho, São Paulo.

A apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita

A apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita

Natália Cannizza Torres (*) 

O movimento espírita brasileiro está cada vez mais diversificado. Nele, hoje, encontra-se todo tipo de grupo, desde os que defendem pautas mais seculares, aos que se voltam cada vez mais para a religiosidade.

Neste texto, detenho-me a um grupo específico que tem ganhado cada vez mais força e presença nos centros espíritas. Sua proposta, generalizadamente, é estudar o Novo Testamento de forma bastante pormenorizada, enfocando no que a letra de pronto não revela, ou seja, buscar nos recursos da geografia, linguística, história e estudos culturais a fonte para entender os versículos bíblicos o mais próximo da realidade de seus autores. Querem entender o sentido original da proposta de Jesus e, para isso, encontram, no estudo subsidiado por estas diversas áreas do conhecimento, a ferramenta para tal compreensão.

Minha pesquisa de mestrado pelo Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, defendida em junho de 2019, buscou compreender como o estudo do Novo Testamento pelos espíritas foi se estruturando e ganhando corpo até chegar nos dias atuais em que ganha um status de oficial nos centros espíritas, ancorado por uma metodologia bem definida e pela profundidade com que seu tema é tratado. Isso significa compreender como o discurso dos espíritas, reivindicando seu compromisso com os valores cristãos, passou de um discurso baseado na atenção exclusiva ao Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, e no máximo em obras subsidiárias Chico Xavier, para um discurso que entende o estudo do Novo Testamento como uma ferramenta imprescindível para se compreender melhor a proposta espírita de cristianismo.

Esta prática surgiu primeiro em 1957, cem anos após o nascimento da doutrina espírita, em Belo Horizonte, por meio de um grupo de estudiosos espíritas que formaram o Grupo Emmanuel. Honório Onofre Abreu, Leão Zálio e José Damasceno Sobral fundaram esse grupo, pois tinham um grande interesse em se aprofundarem no Novo Testamento. Este grupo foi crescendo e agregando adeptos ao longo das décadas. Figuras famosas do movimento espírita brasileiro formaram-se nele, como Martins Peralva, Haroldo Dutra Dias, Wagner Gomes da Paixão, Aluízio Elias, Sheila Passos, Guilherme de Barros, entre outros. Em Belo Horizonte, esse movimento já era consolidado e, em 1997, a União Espírita Mineira (UEM) adotou esta proposta como oficial, com o nome de Estudo Aprofundado do Evangelho de Jesus (EMEJ). A partir disso, todo o estado passou a adotar esse método de estudo do Novo Testamento.

Um momento muito importante para a disseminação deste estudo foi quando, em 2010, houve o III Congresso Espírita Brasileiro em Brasília. Com seu tema em homenagem ao centenário de nascimento de Chico Xavier, as pessoas passaram a relembrar e a reavivar sua obra, principalmente aquelas em que Emmanuel e outros espíritos comentavam passagens bíblicas, como a série Caminho, Verdade e Vida. Nesse mesmo evento, foi lançada a tradução de parte do Novo Testamento por Haroldo Dutra Dias, realizada por encomenda da Federação Espírita Brasileira (FEB) um sucesso de vendas.

Com este Congresso, muitos artigos foram escritos a respeito dos livros de Chico Xavier de exegese cristã espírita, e a FEB, sob presidência interina de Antonio Cesar Perri de Carvalho começaram a realizar primeiro um estudo aprofundado do Evangelho Segundo o Espiritismo e, no ano seguinte, em 2013, fundaram o Núcleo de Estudo e Pesquisa do Evangelho (NEPE). Sua primeira formação contava com Haroldo Dutra Dias, Ricardo Mesquita, Simão Pedro de Lima, Wagner Gomes da Paixão, Afonso Chagas, Célia Maria Rey de Carvalho, Flávio Rey de Carvalho e Antonio Cesar Perri de Carvalho. Por conta da fundação do NEPE na FEB, os centros espíritas de todo o Brasil passaram a adotar esse modelo de estudo e fundaram NEPEs em todas as regiões.

Hoje em dia, de acordo com o site http://www.nepebrasil.org, já existem 75 NEPEs em 15 estados do país. Posteriormente a eles, foi criado o Miudinho, grupo de Uberaba, liderado por Aluísio Elias que, a partir de 2017, passou a gravar suas reuniões disponibilizadas até hoje em seu canal no Youtube. As conclusões a que podemos chegar são que esse movimento em direção ao aprofundamento do estudo do Novo Testamento pelos espíritas representa um reforço de seu caráter religioso, haja vista que seu caráter tríplice (ciência – filosofia – religião) não é difundido dessa maneira no Brasil, país no qual privilegia-se o aspecto religioso da doutrina, do ponto de vista sociológico.

Os discursos usados para defender e promover este tipo de prática fundamentam-se desde que, na questão 625 de O Livro dos Espíritos, os “espíritos” indicam a figura de Jesus como guia e modelo para a humanidade. Portanto, nada mais lógico do que estudar sua obra para que se possa, de fato, aprender como seguir seus passos. É relevante também a justificativa de que o Espiritismo, como terceira revelação, busca dar continuidade a uma proposta que iniciada com a doutrina de Moisés, passando por Jesus e continuando com Kardec, buscando resgatar o que verdadeiramente o nazareno pregava, para além das formas dogmáticas que o cristianismo foi acrescentando ao longo dos séculos.

(*) Natália Cannizza Torres é socióloga e autora da tese: Jesus, a porta, Kardec, a chave: a apropriação do Novo Testamento pelo segmento espírita. (https://repositório.ufscar.br/handle/ufscar/11755).

TRANSCRITO DE:

POR USESP POSTADO EM 8 DE SETEMBRO DE 2020 – Jornal Dirigente espírita, edição julho/agosto de 2020: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/07/DE178C.pdf

A pandemia do COVID 19 – Uma oportunidade perdida?

A pandemia do COVID 19 – Uma oportunidade perdida?

Humberto Werdine (*)

Escrevo este texto nos primeiros dias de setembro de 2020, no início da segunda onda do vírus COVID 19 aqui na Europa.

A minha família direta foi afetada: minha esposa e uma de minhas filhas. Minha filha está praticamente recuperada e minha esposa está se recuperando pouco a pouco. Ambas não necessitaram de internação hospitalar. Agradeço a Deus todos os dias pela recuperação delas. Tive amigos que sofreram muito com esse vírus. Uns tiveram que ser entubados e se recuperaram após muitas semanas de angústia e dores.

Outros não tiveram a mesma sorte e faleceram. Todos esses que partiram, eram da minha faixa de idade, pouco mais de 60 anos. Nesta semana, uma querida amiga enviou uma mensagem no meu whatsapp privado, chamando esta doença de maldita. Chegaram a mim vários comentários semelhantes, de diversas pessoas, usando similar adjetivo para essa doença. E alguns, até mesmo questionando por que Deus teria mandado uma doença tão perniciosa.

Li muitas referências na Internet, as quais se reportavam ao capítulo flagelos destruidores de O Livro dos Espíritos, mais especificamente às respostas às perguntas 737 a 741. Mas aqui, meu desejo é outro: propor uma reflexão aos leitores deste artigo.

Esta pandemia do COVID 19, até agora, está muito longe de ser um flagelo destruidor. Para as famílias que perderam seus entes queridos, quase 900 mil em todo o mundo até agora, essa doença é devastadora. E isso não pode ser negado. Somos também sabedores, por mensagens de espíritos nobres, que todas essas pessoas estão sendo amparadas nas diversas colônias espirituais que circundam nosso planeta – o que é para nós, espíritas, uma grande consolação. Mas como disse, este vírus está longe de ser considerado um flagelo destruidor, assim como também não é uma doença maldita ou um castigo de Deus, tal como já ouvi de algumas pessoas ligadas às religiões Cristãs mais fundamentalistas.

Há pouco mais de 100 anos, sim, houve um flagelo bastante destruidor, que foi a gripe espanhola, a qual infectou cerca de 500 milhões de pessoas, um pouco mais de um quarto (25%) da população mundial daquele período e matou mais de 50 milhões de outras. Interessante informar que a denominação espanhola foi devido a uma censura imposta à divulgação da pandemia de então pelas autoridades dos países recém saídos da primeira grande guerra mundial que, por si só, tinha dizimado mais de 17 milhões de pessoas. Quando a gripe causada pelo Influenza vírus H1N1, com uma fatalidade enorme, teve início, as autoridades decidiram manter silêncio a respeito de sua agressividade, para não agravar ainda mais as dores daqueles povos que haviam perdido muitos de seus filhos e filhas durante a guerra. E as notícias, assim, chegavam somente da Espanha, a qual se manteve neutra no decorrer da guerra. Daí o nome de gripe espanhola.

Se fizermos uma extrapolação para o entendimento desses números, e considerarmos que o COVID 19 tenha a mesma fatalidade e verocidade do H1N1 da gripe espanhola, o mundo teria tido, nesta pandemia, quase 02 bilhões de pessoas contaminadas e cerca de 200 milhões de pessoas mortas. Um Brasil inteiro! Isso sim teria sido um flagelo universal e uma catástrofe mundial! Com grande possibilidade, cada família do planeta teria tido pelo menos uma pessoa atingida pelo vírus! E a economia mundial entraria em colapso total.

Talvez a fome atingisse os países mais ricos e esse flagelo poderia causar um divisor de águas para o desenvolvimento da solidariedade universal e uma nova ordem social. Os Espíritos nobres, ao responderem às perguntas acima feitas por Kardec, afirmaram que a grande razão desses flagelos é um avanço mais rápido do progresso moral e material da humanidade, pois gera a oportunidade para o exercício da solidariedade e para o avanço da ciência na descoberta de remédios e vacinas.

Em outras palavras, o mundo daria um salto na direção de maior solidariedade e de avanços na medicina para curas de doenças, após os mesmos. Mas agora, a Espiritualidade Superior, com piedade e grande amor por nós, deu-nos um flagelo menor, para que aproveitássemos as lições decorrentes desse grande sofrimento provocado pelo COVID, que não respeita fronteiras, mas é pequeno em sua voracidade quando comparado ao H1N1.

Mas, infelizmente, o que vemos diariamente pela mídia são governos em todo o mundo usando politicamente os resultados danosos desta pandemia. Vemos laboratórios em todo o mundo competindo entre si, gastando fortunas, centenas de milhões de dólares, que somados, atingem cifras enormes numa competição para comercializar primeiro as vacinas e, com isso, recuperarem seus gastos, auferindo lucros astronômicos à custa da pandemia. Essas aglomerações empresariais, bem como os governos que as promovem estão, lamentavelmente, usando esse problema como oportunidades de ganhos eleitorais e de proeminência científica e econômica.

O ponto de vista aqui defendido quanto a atual pandemia ser um flagelo menor, é a de que a Espiritualidade amiga nos está dando uma oportunidade única para que sem a chegada de um vírus destruidor como o da gripe espanhola, um flagelo maior, nós nos solidarizemos verdadeiramente, unamo-nos mais; vejamos que somos todos iguais, ricos ou pobres, em qualquer cor de pele, pois o vírus a todos ataca de igual maneira.

É claro que os mais abastados financeiramente podem ter um hospital melhor, mas o ataque do vírus é igual, independente de classe social. Isso deveria ter servido como uma chamada de atenção a todos nós. Deveríamos ter aproveitado mais esta oportunidade para estreitar a convivência com nossa família direta, sentirmos mais a importância de um abraço, de estarmos junto com nossos filhos, nossos pais e avós. Deveríamos estar aproveitando mais este tempo em família para refazer planos, repensar nossa vida e nossos valores. Os governantes deveriam ter visto que a oportunidade lhes foi dada para que diferentes governos se unissem contra um inimigo comum e promovessem uma luta integrada para o desenvolvimento de uma vacina universal possível a todos os cidadãos do mundo. Certamente, o custo financeiro e de recursos humanos teria sido muito menor e a eficácia e rapidez de seu desenvolvimento seriam bem maiores e mais rápidas.

O Presidente Carlos Alvarado, da Costa Rica, foi um dos poucos chefes de Estado que em um momento de lucidez e compreensão, disse-nos: “A pandemia COVID-19 mostrará um antes e um depois na história da humanidade, não só em termos de nossos sistemas de saúde, mas também para trabalharmos juntos e para as relações entre as pessoas, porque apesar da crise que enfrentamos, temos uma oportunidade de tomar decisões conjuntas que mudarão para sempre o futuro da população mundial a curto e médio prazo”.

E a escritora indiana Arundhati Roy foi muito esclarecedora quando disse: “Historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com o passado e imaginar seu mundo novo. Esta não é diferente. É um portal, uma passagem entre um mundo e o outro. Podemos escolher caminhar por ele, arrastando as carcaças de nosso preconceito e ódio, nossa avareza, nossos bancos de dados e ideias mortas, nossos rios mortos e céus esfumaçados para trás. Ou podemos caminhar com leveza, com pouca bagagem, prontos para imaginar outro mundo. E prontos para lutar por isso.”

Mas tal não ocorreu. Houve muita solidariedade sim, mas foram pontuais e não institucionais. Os governos e os governantes mundiais e os grandes laboratórios não se uniram; não houve a solidariedade esperada pela Espiritualidade, e o egoísmo e a busca de lucros que uma possível vacina irá proporcionar, foram o leit-motiv que estão por trás das ações que vemos pelos periódicos. O Papa Francisco, mostrando sua frustração e desapontamento,disse-nos recentemente: “Seria muito triste se a prioridade da vacina COVID-19 fosse dada aos mais ricos. Seria triste se essa vacina se tornasse propriedade desta nação ou de outra, em vez de universal e para todos. A pandemia revelou a difícil situação dos pobres e a grande desigualdade que reina no mundo”.

Nós, espíritas, por nossa vez, aproveitamos esta pandemia para falar dos sinais de um planeta de regeneração que está em gestação. Mas uma pergunta não se cala: será que nós estamos aproveitando esta oportunidade para realmente repensarmos nossas ações e, assim sendo, podermos sair desta crise mais leves e mais propensos a perdoar e tolerar? Será que a lição deixada por Jesus de caminhar uma milha a mais, de fazer sempre um pouco mais, está sendo aproveitada e será aproveitada após a pandemia? Ou teremos que esperar por uma segunda, terceira, quarta onda cada vez mais danosa desse vírus, ou outro mais grave, para finalmente acordarmos?

Se os governantes querem sua reeleição a qualquer custo, se os laboratórios buscam seus lucros abusivos, tudo isso é problema deles.

Agora, se nós não fizermos a nossa parte, aproveitando este tempo para que saiamos dele melhores seres humanos, verdadeiramente, o problema único e exclusivamente nosso. É o momento para uma grande reflexão! Creio que vale nos lembrarmos das palavras do Espírito de Verdade, no Evangelho segundo o Espiritismo: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra”, porquanto o Senhor lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes impor silêncio aos vossos ciúmes e às vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para a obra!” Mas ai daqueles que, por efeito das suas dissensões, houverem retardado a hora da colheita, pois a tempestade virá e eles serão levados no turbilhão!”

Esta pandemia está propiciando oportunidades imensas para que possamos repensar nossas ações. Portanto exercitemos o silêncio em relação aos nossos ciúmes e às nossas discórdias. Por que nos determos em nossos egoísmos e preconceitos? Por que não aproveitarmos este tempo? Jesus tem pressa!

(*) Espírita de Viena, Áustria.

(Transcrito de: Notícias do Movimento Espírita, 11/0/2020; http://www.noticiasespiritas.com.br/2020/SETEMBRO/11-09-2020.htm)

Valorização da vida e o setembro amarelo

Valorização da vida e o setembro amarelo

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A certeza de que somos espíritos reencarnados e em processo de educação favorece a compreensão da oportunidade da vida corpórea e do cultivo dos valores espirituais. Em O livro dos espíritos já se definia: “Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? – O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal” (questão 880).

Nos livros psicografados há inúmeros comentários sobre o tema assinados por milhares de espíritos, como André Luiz, sobre o valor da vida corpórea: “O corpo é o primeiro empréstimo recebido pelo Espírito trazido à carne” (Vieira, W. Conduta Espírita, cap. 34. FEB); e também “A reencarnação é o meio, a educação divina é o fim” (Xavier, F.C. Missionários da Luz, cap. 12. FEB). A partir dessas fundamentações espirituais, torna-se interessante considerarmos o que representa o Espírito nos contextos íntimo e social; o equilíbrio entre corpo/espírito e melhores condições de vida. Esta última também inclui, evidentemente, o respeito e a valorização da vida corpórea.

No livro Em Louvor à Vida (Ed. LEAL), que elaboramos em parceria com o médium Divaldo Pereira Franco, com base em textos espirituais de nosso tio Lourival Perri Chefaly, destacamos um trecho: “Saúde e doença – binômio do corpo e da mente – são conquistas do ser, que deve aprender e optar por aquela que melhor condiz com as aspirações evolutivas, desde que a harmonia ideal será alcançada, através do respeito à primeira ou mediante a vigência da segunda.” Evidentemente que aí se incluem as causas e a profilaxia dos vários problemas que caracterizam desrespeito à vida. Ou seja, as medidas preventivas para se evitar quaisquer formas de interrupção da vida, incluindo o suicídio, o aborto, a eutanásia, e, sendo sempre importante o diagnóstico médico precoce de doenças, evitando-se que elas sejam reconhecidas em situações tardias e danosas.

Em recente programa “Um olhar para a vida”, do Canal Eudes Veras, em parceria com Rede Amigo Espírita e Estação Dama da Caridade Benedita Fernandes (https://youtu.be/8PR4ESJkJ9E), citamos alguns exemplos de valorização da existência corpórea de vultos conhecidos. Benedita Fernandes, pioneira espírita em Araçatuba, ao ser liberada da chamada “loucura”, que era uma forte e persistente obsessão, superou-se e se transformou na conhecida “dama da caridade”, dedicando sua vida em favor do próximo. Chico Xavier desencarnou aos 92 anos de idade, e ao longo de sua existência aceitou e submeteu-se a vários tratamentos médicos, a cirurgias e os cuidados pós-enfarte. Divaldo Pereira Franco, aos 93 anos de idade, há pouco tempo exemplificou ao se submeter a delicada cirurgia de coluna vertebral para possibilitar a continuidade de seu trabalho de difusão do bem.

Por oportuno, no mês de Setembro, que é chamado de amarelo, a cor que lembra o Sol, verão, prosperidade, felicidade e desperta a criatividade, é interessante a utilização da temática no meio espírita.

Daí a importância dos estudos, palestras e seminários que possam chamar atenção para a defesa da vida, no sentido de se valorizar a existência corpórea e o processo de educação espiritual.

(Foi dirigente espírita em Araçatuba; presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e da Federação Espírita Brasileira).

 

Rede Amigo Espírita assinala uma façanha histórica

Rede Amigo Espírita assinala uma façanha histórica

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A “Rede Amigo Espírita” (RAETV) produziu um marco histórico – autêntica façanha -, não apenas para o movimento espírita brasileiro, mas mundial. A RAETV, com apoio de Zook Comunicação, e várias parcerias de webTVs e webRádios e concretizou o maior evento on line, durante dois dias – 22 e 23 de agosto de 2020 -, e com um objetivo nobilíssimo: em homenagem aos 110 anos de nascimento de Chico Xavier, contando com a coordenação do incansável José Aparecido dos Santos.

Pela primeira vez, no movimento espírita, aconteceu um grande evento on line com acesso livre, totalmente gratuito, e voluntário com 24 horas de duração, intercalando palestras, bate papos e músicas, reunindo convidados especiais e com transmissão simultânea em diversos canais.

No final da noite do último dia do evento, dia 23 de agosto, havia um total de 408.036 visualizações referentes apenas à RAETV, sem contar as parcerias (somando-se: 320.200 Youtube 1 + 8.276 Youtube 2 + 74.600 Facebook + 4.960 instagram). No terceiro dia após o evento já se atingia 490 mil visualizações das mídias da RAETV. Inclusive as apresentações se encontram disponíveis no You Tube da Rede Amigo Espírita.

Os expositores convidados foram pessoas que se inspiram na vida e obra de Chico Xavier, e que estão levando a sua mensagem para a literatura, a arte, a ciência, o cinema, o teatro e a música.

Eis os palestrantes: Carlos Alberto Braga Costa, Rossandro Klinjey, Rafael Papa, Gustavo Gandolfi, Simão Pedro, Marcel Souto Maior, Saulo César, Wagner de Assis, Renato Pietro, Magali Bischoff, Célia Diniz, Wagner Paixão, Antonio Cesar Perri de Carvalho, Alberto Almeida, Décio Iandoli Jr., Suely Caldas Schubert, Heloísa Pires, Eliana Barbosa, Quincas Veloso, Aluízio Elias, André Trigueiro. Além de palestras, Marcel Souto Maior e Antonio Cesar Perri de Carvalho também integraram bate-papos. Atuações artísticas: Cacá Resende, Anatasha Mekena, Fábio Júnior, Evandro Olivah, Plínio Oliveira.

Conhecemos José Aparecido dos Santos há décadas, pois nossa cidade natal Araçatuba, onde atuamos no movimento espírita até 1989, é muito próxima de Auriflama onde nosso amigo milita em centro espírita, local onde surgiu a Rede Amigo Espírita.

Quando ele criou a RAETV, em fevereiro de 2009, de forma amadora e muito simples, ninguém poderia imaginar o desenvolvimento que teria. Na época residíamos em Brasília, mas começávamos a notar o crescimento da Rede, encontrando com José Aparecido em alguns eventos, fomos nos surpreendendo com o desenvolvimento da sua abrangência e acompanhamos o aparecimento de voluntários que faziam parceria, de várias partes do Brasil.

Precisamos assinalar que a RAETV surgiu de forma diferente, sem ser “a galinha dos ovos de ouro”, com a persistência desmedida e simpatia de seu fundador foi conquistando espaço no meio espírita. Muitos companheiros idealistas o auxiliaram no anonimato.

Em alguns momentos chegamos a testemunhar que algumas mídias o segregavam e criavam dificuldades para suas transmissões em eventos. No fundo, alguns gostariam de influenciar ou até exercer uma certa censura nos programas e convidados da RAETV. José Aparecido abriu espaços para inúmeros expositores e eventos, ao passo que a chamada mídia institucional, geralmente se vincula a linhas de pensamento de dirigentes que, nem sempre são representativos reais do movimento.

Mais recentemente que as chamadas redes sociais passaram a exercer, inclusive no meio espírita, uma veiculação mais independente e com diversidade. O Brasil, pela condição continental, amálgama de imigrações e natural variedade cultural, apresenta diversidade em todas áreas do conhecimento e de manifestações de seu povo.

Ao final do marcante evento “Amigo Espírita Chico Xavier”, os antigos colaboradores da RAETV fizeram uma homenagem surpresa a José Aparecido dos Santos, coordenador do histórico encontro virtual. Em seguida, Márcio Monteiro divulgou um vídeo de reconhecimento ao fundador da Rede.

De nossa parte também acrescentamos o nosso reconhecimento ao valoroso companheiro e a toda equipe de voluntários da Rede Amigo Espírita pela dedicação à difusão do Espiritismo e, especificamente, pelo bem sucedido evento alusivo a Chico Xavier!

(*) Foi dirigente espírita em Araçatuba; ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do CEI; atualmente colaborador de instituições em São Paulo.

O que Jesus requer de seus discípulos

O que Jesus requer de seus discípulos

Vladimir Alexei

A renúncia é uma virtude moral de suma importância para a evolução do espírito.

Para melhor entendimento sobre o tema, Vinicius, em sua obra “Em torno do Mestre”, caracteriza a renúncia como, coragem moral, disposição de ânimo, resistência às seduções do mundo, colocando acima de tudo “o ideal de justiça e amor”, legados pelo Cristo.

A coragem moral para enfrentar os desafios com dignidade, ante as investidas de pensamentos e sentimentos que eclodem, volta e meia, a partir de gatilhos mentais disparados no enfrentamento cotidiano. Aprende-se, exercitando o autoconhecimento, a compreender melhor o que são esses gatilhos em cada um de nós. Em seguida, sem receitas prontas, por meio de trabalho árduo de renúncia, dúvidas e dedicação, o indivíduo conseguirá analisar com mais calma e disposição para mudar aquilo que suscita sentimentos controversos e menos felizes. Disposição de ânimo para não sucumbir aos primeiros obstáculos. É comum o discípulo, diante das dificuldades, escolher caminhos menos pedregosos.

Entretanto, as tribulações da caminhada testam nossa resignação e firmeza diante do propósito de servir na Seara do Cristo. Serviço que não pede formação, cultura ou distingue religião, apenas ânimo decidido para levar conforto espiritual e esperança aos mais necessitados.

Resistência às seduções do mundo, talvez, dentre as demais virtudes, seja a menos compreendida. Não se trata de batalha armada contra inimigo declarado e sim, luta íntima em favor dos valores superiores da vida, diante de um adversário muito próximo, que transita ainda dentro de nós mesmos: a ignorância. Resistir aos ímpetos de instintos materiais é um passo importante que a razão nos convida a vivenciar.

Razão é a educação dos impulsos, a transformação dos instintos que causam inquietação na alma, pela serenidade progressiva que ilumina os passos daqueles que se esforçam por vencer a si mesmos. Tudo isso ocorrendo em conjunto, evolvendo ativamente os mais nobres valores de Justiça e Amor como aqueles trazidos pelo Cristo. Um passo de cada vez. Um dia de cada vez, continuamente, sempre para o Alto.

Belo Horizonte das Minas Gerais, 19 de agosto de 2020.

SIGNIFICADO RACIONAL DO QUE É ANJO NA BÍBLIA

SIGNIFICADO RACIONAL DO QUE É ANJO NA BÍBLIA

José Reis Chaves (*)

Anjos para cristãos e judeus é um assunto confuso. Vamos mostrar que os anjos são espíritos humanos de alto nível de evolução e, também, que tanto eles como os espíritos dos mortos bons ou maus se comunicam conosco segundo o espiritismo e a Bíblia.

Anjo em grego é “aggelos” e significa mensageiro, enviado e “office boy” do mundo espiritual para nós. E porque é do mundo espiritual, passou-se a entender que é enviado por Deus, mas não é diretamente por Deus, pois, Ele tem seus espíritos trabalhando no seu projeto (Hebreus 1: 14 e versículos seguintes). E todo enviado do mundo espiritual é espírito, mas nem todo espírito é enviado.

Os líderes protestantes e evangélicos evitam falar em anjos, exatamente porque anjos são espíritos. Aliás, eles não aceitam a doutrina católica dos anjos da guarda. E a Igreja tem também seus santos que são espíritos. E algumas correntes cristãs nem aceitam que os anjos têm livre-arbítrio.

A Bíblia ensina que os espíritos angélicos e humanos foram criados por Deus. A doutrina espírita, que é também uma ciência de observação estudada e comprovada, inclusive, por cientistas de Prêmio Nobel, é, pois, a que mais entende de espíritos. E ela diz também que os anjos foram criados por Deus. Mas, para ela, como vimos, por eles serem também espíritos humanos já muito evoluídos, eles podem ser também de outros mundos. E, como se sabe, existem graus de perfeição entre os espíritos já angélicos e os ainda humanos. Uns são mais elevados e outros menos. O mais importante é que são espíritos, que são inteligentes e que são, pois, seres diferentes dos materiais. E como todo ‘enviado’ do mundo espiritual é um espírito, é comum entende-se por ‘anjo’ um ‘espírito’, ao invés de ‘enviado’.

Vejamos uma passagem bíblica que nos mostra que anjo é mesmo espírito humano já bem evoluído. São Pedro estava preso e esperava-se que fosse degolado. Mas ele escapou da prisão com a ajuda de um anjo. E quando Pedro chegou ao portão da casa de Maria, mãe de João, cognominado Marcos, e a criada Rode, que foi abri-lo para ele, ficou assustada, pois imaginava que ele já estivesse morto. E, ao avisar aos donos da casa e visitantes que se tratava de Pedro, eles ficaram também assustados dizendo: “Deve ser o anjo dele”. (Atos 12: 15). E aqui temos duas provas robustas bíblicas aceitas pelos primeiros cristãos: a de que, para eles, anjo é mesmo um espírito humano; e a outra é a de que tanto os anjos como os espíritos dos mortos se comunicam conosco.

Aliás, quando Moisés (não Deus) proibiu o contato com os espíritos dos mortos é porque esse contato existe mesmo, pois ele não era doido de proibir o que não existe!

(*) Coluna no diário O TEMPO, de Belo Horizonte.

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A justiça, o Amor e a Verdade

A justiça, o Amor e a Verdade

Vladimir Alexei

É comum, nos apostilamentos em que se estuda ao longo de décadas no movimento espírita, tratar as “três revelações” como sendo um processo distinto, ou até mesmo evolutivo do pensamento humano e alguns mais ousados, diriam do pensamento do Cristo.

Assunto normalmente abordado nos estudos introdutórios, encerra aprendizado para todos os gostos e conhecimentos. A organização do conhecimento, seja ele em qual esfera for, passa por uma seleção de informações que serão priorizadas, em detrimento de outras. É natural que seja assim.

Um exemplo tratado por Edgar Morin (educador contemporâneo, nonagenário), é a passagem do geocentrismo (Ptolomeu) para o heliocentrismo (Copérnico). Os elementos de estudo (os planetas) foram os mesmos. A forma de abordagem é que mudou, ou, nos dizeres do educador, “a forma de ver o mundo mudou”.

Os exemplos existem aos montes, o que nos permite uma provocação filosófica: o que pretensos estudiosos do espiritismo chamam de “atualizar Kardec”, não seria mais indicado evoluir a maneira de enxergar os textos doutrinários, do que necessariamente modificá-los? Trazendo essa reflexão para o meio espírita, as “três revelações” podem ilustram essa proposta.

É consenso em cursos e palestras registrados pela rede mundial de computadores, que a Revelação trazida por Moisés simboliza a necessidade de se ter uma organização fundamentada em leis para uma melhor convivência social. Parte dessas leis foram obtidas por uma “mediunidade direta”: Moisés foi o intermediário para o Decálogo. Outras foram elaboradas pelo próprio Moisés (já que foi médium para receber o decálogo, nada impede que ele tenha sido médium inspirado para elaborar as demais leis, ainda que frágeis em termos de “justiça universal”).

Evidentemente que, como o conhecimento humano naquela época, algo em torno de dois mil e seiscentos anos antes de Cristo, era infinitamente menor do que hoje, o registro de tudo aquilo que era necessário para o aprendizado da humanidade ficou restrito a leis que foram interpretadas da maneira que deram conta. Isso explica os abusos e absurdos que as leias da época permitiam. O que, talvez, não justifique as barbaridades que vemos na atualidade, já que evoluímos em conhecimento e compreensão… Após séculos de incorreções nos processos evolutivos e de mudança das leis que regiam os homens, encarna Jesus, o Espírito mais puro que já esteve entre nós. Sua vinda é tão marcante que seus ensinamentos foram sintetizados em uma simples, porém, complexa palavra: Amor. Séculos após a manifestação do amor mais sublime que a Terra já teve na história (do Ocidente e do Oriente, ainda que a preferência de dois terços da humanidade esteja dividida entre outros mensageiros de menor envergadura espiritual, mas de profunda relevância naquilo que lhes cabia difundir e vivenciar), coube a Allan Kardec ser o fundador da doutrina que melhor conseguiu representar o Amor Divino, a Justiça Divina, por meio da Verdade Universal.

A verdade que conhecemos é relativa, assim como a justiça que aplicamos e o amor que vertemos. Embora haja evolução, nos encontramos em estágios diferentes nessa espiral: a justiça, em tempos de preconceito, racismo, homofobia é tão ou mais importante do que o amor que sublima os sentimentos mais puros que o indivíduo consegue expressar. A Justiça Divina, ainda que compreendida sob a limitação humana, quando colocada em prática aplaca ansiedades coletivas, abrindo caminhos para o trabalho conjunto. Essa talvez seja uma verdade relativa, ou fragmentos de uma verdade, fruto de um pensamento “complexo”, porque tudo está, de certa forma, conectado, entrelaçado, sem fronteiras delineadas.

Vivemos, nos dizeres de Morin, o “paradigma da simplificação”. Disjunção, abstração e redução tornaram-se sinônimos para explicar aquilo que é Revelado pelos Espíritos Superiores. Essa “necessidade” de simplificar torna o aprendizado empobrecido porque a convivência com a “dúvida”, o desgaste de horas afio tentando compreender o que seja “justiça”, “amor” e “verdade” abriu espaço para definições capengas, limitantes e deficitárias, transformando oportunidade de aprendizado em “necessidade de conhecer mais”. Assim, temos visto, no meio espírita, catedráticos em Espiritismo, profundos “registradores de informações doutrinárias”, verdadeiros “decoradores”, com muitas dificuldades de colocar em prática tudo aquilo que conhecem “de cor”.

O desafio de ser “justo” foi recortado, já que entendido, mas não praticado. O desejo de “amar” tornou-se longínquo porque o estudo resumido e simplificado evidencia mais a distância evolutiva de Jesus em relação a nossa, do que a grandeza do Seu gesto e a beleza da caminhada ascensional da humanidade para compreender melhor a ação de “Amar”. Com isso a “verdade” se restringiu a ser a “dona do pedaço”, ditando a “última palavra” de forma simplificada, reducionista e distante. O problema não está e nunca esteve na Doutrina Espírita e sim no “Espírita”. Estudar implica dor. Angústias de não conseguir compreender o que se deseja e necessita. É a dor do crescimento, da mudança, e não do sofrimento.

A Justiça, o Amor e a Verdade são iluminadas, quando o estudo é empreendido com os elementos de cada um desses princípios, de forma conjugada. Não mais a “justiça de Moises” e sim a “necessidade de ser Justo” hoje e para sempre; o Amor de Jesus, pelo “Amor com Jesus”, pois “Amor” é verbo, é ação; e a Verdade Universal, pela Verdade que o Espírita empreende para ser Justo e Amoroso em Viver. Já dissemos em outras abordagens: a audácia de pensar com independência, causa estranheza, leva a críticas ácidas, por vezes veladas, por uma simples razão: é mais fácil falar de amor, justiça e verdade, parecendo ser justo, amoroso e verdadeiro, quando, na realidade, ainda temos uma grande caminhada pela frente.

É isso que nos motiva: compreender melhor a Vida, sob a égide do Cristo e da Doutrina Espírita.

Belo Horizonte das Minas Gerais, 03 de agosto de 2020.

Pequenas notas sobre Kardec, Emmanuel e a transição planetária

Pequenas notas sobre Kardec, Emmanuel e a transição planetária 

André Ricardo de Souza (*)

Entre os livros elaborados por Allan Kardec a partir de reflexões dele e respostas dos espíritos consultados, a chamada transição planetária – conjunto de grandes mudanças neste nosso orbe – é abordada sobremaneira em A gênese.

Já entre as obras de Emmanuel, o mentor espiritual do principal médium da história do espiritismo: Francisco Cândido Xavier, esse tema tem destaque em A caminho da luz.

Neste modesto artigo, é enfocado em ambos os livros o atual período de grande mudança (transição) pelo qual o globo passa. Muito se fala no meio espírita sobre a passagem entre os mundos: 1) primitivo; 2) de provas e expiações: 3) de regeneração. No primeiro, correspondente à “infância da humanidade”, observa-se a ausência ainda de uma referência moral coletiva.

Do ponto de vista histórico e sociológico corresponde ao período politeísta em que a fidelidade a diversos deuses legitimava frequentes conflitos de morte entre vários indivíduos e grupos, sendo o assassinato e sua vingança do mesmo modo socialmente aceitos por todos os povos. A consolidação do monoteísmo judaico com Moisés e o decorrente imperativo divino de não matar – chamado no meio espírita de Primeira Revelação – inaugura um novo tempo histórico, a saída da tal “infância”. Com a vinda dos ensinamentos de Jesus – a Segunda Revelação -passamos da adolescência à condição adulta da humanidade, quando a responsabilização pelos equívocos é, naturalmente, maior.

Pois bem, no último capítulo do livro A gênese, intitulado “Os tempos são chegados”, Kardec afirma no item 5: “Essa fase que se elabora neste momento é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude”. Reproduzindo mensagem do espírito Doutor Barry – o codificador espírita, faz revelar que tal período de transição começara quase um século antes da publicação daquela obra, mas, definitivamente, não mostra quando cessará. Em contrapartida, diz claramente como ele se dará, conforme os trechos que seguem:

“7. – Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora, não pode se cumprir sem comoção; há luta inevitável entre as ideias. Desse conflito nascerão forçosamente perturbações temporárias, até que o terreno seja diluído e o equilíbrio restabelecido. Será, pois, dessa luta de ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não cataclismos, ou catástrofes puramente materiais (…) 14. – A Humanidade tornou-se adulta, tem novas necessidades, aspirações maiores, mais elevadas (…) É a um desses períodos de transformação, ou querendo-se, crescimento moral, que a Humanidade chegou. 20- (…) A geração que desaparece levará consigo os seus preconceitos e os seus erros; a geração que se levanta, banhada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sadias, imprimirá ao mundo o movimento ascensional no sentido do progresso moral, que deve marcar a nova fase da Humanidade (…) 27. – (…) Tendo chegado esse tempo, uma grande emigração se cumprirá entre aqueles que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal, e que o sentimento do bem não toca, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos (…) 28. – A época atual é de transição (grifo meu); os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada da outra (…) 33. – (…) É de se notar-se que, em todas as épocas da história, as grandes crises foram seguidas de uma era de progresso. 34- É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve trazer o remanejamento da Humanidade.”

No livro A caminho da luz, Emmanuel faz um resumo sinteticamente comentado de toda a trajetória da Terra, desde sua formação geológica até a terceira década do século XX. Fazendo menção à Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, ele anuncia,no penúltimo capítulo,o acontecimento em breve do segundo grande conflito militar internacional que acabou por ocorrer na década seguinte. Na sequência, o mentor de Chico Xavier afirma:

“Então a Terra, como aquele mundo longínquo de Capela (sistema planetário de onde aqui vieram espíritos exilados quando estávamos ainda na fase primitiva, observação minha) ver-se-á livre das entidades endurecidas no mal”.

Daí se pode depreender que no pensamento de Emmanuel a transição ao mundo de regeneração terminaria após a Segunda Guerra Mundial, o que não se verificou de fato. Porém uma interpretação, a meu ver, mais sólida é a de que teria iniciado, a partir daquele grande conflito, o período em que espíritos muito endurecidos não mais têm permissão para reencarnar na Terra – condizentemente, portanto, com o postulado de Kardec – e que ainda está em curso. Em outras palavras, o término daquele terrível acontecimento no meio do século XX não é apontado por Emmanuel como o início da nova grande fase do nosso planeta, mas sim o início de um período que faz parte do processo de transição, marcado pela interdição reencarnatória de espíritos que tiverem aqui sua última oportunidade.

Além de anunciar a Segunda Guerra Mundial, Emmanuel também fez outra previsão certa quanto ao deslocamento do poder político-econômico e militar e também do papel civilizatório no mundo:

“(…) a superioridade europeia desaparecerá para sempre, como o Império Romano, entregando à América (entenda-se às Américas, observação minha) o fruto das suas experiências, com vistas à civilização do porvir”.

Intitulado “O espiritismo e as grandes transições”, o penúltimo capítulo de A caminho da luz, tal como o último de A gênese, não aponta quando a transição planetária terminará, porém faz uma expressiva revelação, mencionando uma “nova reunião da comunidade das potências angélicas do sistema solar, da qual Jesus é um dos membros divinos”. Lembrando-se que a reunião anterior desse tipo aconteceu antes da vinda do mestre divino. Sem haver documento escrito a respeito, parte dos espíritas acredita que essa reunião já ocorreu, mas seja como for, ela está ligada, de algum modo, ao término do período transitório para o mundo de regeneração, caracterizado pela maturidade humana, que, bem entendido, ainda não significará o fim de todos os males planetários.

(*) Professor da UFSCar, colaborador de Centro Espírita em Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo.

Esperança, com ela, a fé se renova e a serenidade volta ao coração

Esperança, com ela, a fé se renova e a serenidade volta ao coração

“Em meio à pandemia da COVID-19, é natural que fiquemos ansiosos com o amanhã, mas convictos da misericórdia Divina, alimentamos a confiança no presente e no futuro, fazendo o que nos compete fazer aqui e agora.

A mensagem da Diretoria Executiva expressa a nossa confiança no presente e, sobretudo, no futuro, sejam eles quais forem. Deus não erra. Ele tem suas razões e seus métodos de agir. Confiemos, sempre. Assim pensando, estamos lançando mais uma edição de nosso jornal, na versão impressa e virtual, em plena pandemia – e, desta vez, o tema central é Caridade, em função do Dia da Caridade, que se comemora no Brasil, em 19 de Julho, desde 1966.”

Em sintonia com a temática da caridade, inserimos a biografia de São Vicente de Paulo (*), um dos expoentes da Codificação Espírita, cuja existência, no Séc. XVI, foi devotada a essa virtude e, no espaço Curiosidades históricas (*), dados sobre a Santa Irene, autora espiritual da prece de Cáritas, uma das preces mais apreciadas, em nosso meio espírita e também, por outras crenças.

[…] Vamos juntos esperançar, renovar a fé e dar as boas vindas à serenidade. Pense Nisso. Pense Agora.”

Merhy Seba

(Trechos transcritos de: Editorial do jornal Roteiro Espírita, órgão do Centro Espírita Meimei, Ribeirão Preto, julho-agosto de 2020, p.2).

(*) O autor se refere no Editorial a outras matérias desse jornal.