O filme e o estudo da vida e obra de Kardec

O filme e o estudo da vida e obra de Kardec

 Cópia de litografia feita por Aug.Bertrand

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O filme “Kardec”, em exibição no Brasil, tecnicamente composto de forma primorosa foi produzido por Wagner de Assis e fundamenta-se no livro Kardec, de autoria de Marcel Souto Maior (Editora Record, 1ª edição em 2013).

Mas muitos ficam em dúvida sobre a veracidade de algumas cenas, ou se seriam enquadradas na chamada “licença cinematográfica”, e que inclusive não constam do livro básico para o enredo cinematográfico.

Além da biografia já citada, que não foi totalmente utilizada no enredo do filme, coincidentemente e independente de outras biografias tradicionalmente evocadas na literatura espírita, atualmente surgem muitos fatos e documentos que ampliam as informações biográficas do Codificador.

Embora existissem publicações antigas que apontavam para as deturpações na 5ª edição francesa de A Gênese lançada em 1872, mais de três anos após a desencarnação de Kardec, o assunto tomou vulto a partir de posições da Confederação Espírita Argentina, que editou em espanhol a 1ª. edição de A Gênese (de janeiro de 1868) e em outubro de 2017 levou informações para a reunião do Conselho Espírita Internacional, em Bogotá (Colômbia), e também lançou o livro El legado de Allan Kardec (**), de Simoni Privato Goidanich, que reúne documentos oficiais coletados em pesquisas junto aos Arquivos Nacionais da França e na Biblioteca Nacional da França, localizadas em Paris. Comprovou-se que apenas o exemplar da 1ª. edição de A Gênese (de janeiro de 1868), foi depositado legalmente durante a existência física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Assim o Codificador não teria modificado o conteúdo.

Episódios históricos ficam mais claros no livro Beaucoup de Lumière (1884), de Berthe Fropo, disponibilizado em 2017 em edição digital bilíngue. A autora foi espírita fiel a Kardec, amiga e vizinha de Amélie Boudet e comenta ações polêmicas e desvirtuamentos doutrinários nas mãos de Leymarie por influência de interpretações e ideologias outras… Ainda no final de 2018, vieram a lume documentos e manuscritos franceses, publicados em artigo de Charles Kempf e Michel Buffet na edição do 4º. trimestre de 2018 da Revue Spirite e que comprovam adulterações em A Gênese após a desencarnação de Kardec.

Interessante é que tanto tempo após a desencarnação de Kardec, recentemente estão sendo valorizados documentos, periódicos e livros franceses, quase desconhecidos no Brasil, que trazem esclarecimentos sobre episódios que ficaram ocultados ou obscurecidos sobre a vida de Kardec e sua esposa, e sobre a divulgação de suas obras imediatamente após sua desencarnação.

Um Site riquíssimo de documentos franceses do Facebook: “Imagens e registros históricos do Espiritismo”, oferece dados até então não conhecidos, como a existência de uma irmã de Rivail, desencarnada na infância; a presença de uma jovem junto ao casal Rivail e Amélie, praticamente como se fosse uma “filha adotiva”, que também desencarnou na juventude; dados sobre a propriedade do casal na Villa Ségur; comprovações de adulteração de manuscrito de Kardec sobre A Gênese, posteriormente incluído em Obras Póstumas (1890); comprovação do nome verdadeiro da médium conhecida como Céline Japhet; documentos sobre a fundação da União Espírita Francesa.

Em nosso país surge o início da divulgação de manuscritos e de documentos, o Projeto “Cartas de Kardec”, riquíssimo acervo que estava em poder da família de Silvino Canuto Abreu, finalmente doados à Fundação Espírita André Luiz, de São Paulo.

O filme “Kardec”, gerando algumas dúvidas entre espectadores mais atentos, deve ser motivo de estímulo para se estudar a vida e a obra de Kardec, e, coincidentemente, em 2018 e 2019 transcorreram dois sesquicentenários, respectivamente, do lançamento de A Gênese, a última obra do Codificador, e, de sua desencarnação.

Daí, inclusive, a oportunidade de se valorizar a importante “Campanha Comece pelo Começo”, idealizada por Merhy Seba, patrocinada pela USE-SP em meados dos anos 1970 e aprovada pelo CFN da FEB em novembro de 2014.

(*) – Ex-presidente da USE-SP e da FEB; e ex-membro da Comissão Executiva do CEI.

(**) – Tradução em português editada pela USE-SP.

Paulo: “Leão de Deus” e cultivador do Evangelho

Paulo: “Leão de Deus” e cultivador do Evangelho

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Na história do Cristianismo há um vulto marcante: Agostinho de Hipona (Séc. IV-V), que enquanto jovem lutava contra suas fraquezas morais e sentindo-se com a consciência abalada pela sua situação, repentinamente escuta uma voz infantil que lhe dizia em latim: “Toma, lê…” Levantou-se e buscou um manuscrito da Epístola aos Romanos, que tocou profundamente a sua alma e que foi o toque decisivo para sua transformação e conversão.1

Tempos depois, Agostinho anotou, referindo-se a Paulo de Tarso: “Pois ele foi um verdadeiro leão vermelho, o grande leão de Deus”.1

A ação e as Epístolas de Paulo de Tarso mereceram comentários elogiosos do reformador João Calvino (Séc. XVI); de Lutero, líder reformista do século XVI; de autores católicos clássicos como Ernest Renan (Séc.XIX) e Daniel Rops (Séc. XX).1

Provavelmente Paulo seja o vulto cristão que seja objeto da maior quantidade de livros e de estudos. Na literatura espírita a monumental obra Paulo e Estêvão, do espírito Emmanuel, psicografia de Chico Xavier é a mais destacada e citada. Desta obra destacamos a definição do Autor Espiritual: “Paulo de Tarso foi um homem intrépido e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que se fizera ouvir nas encruzilhadas da sua vida.”2

As Epístolas de Paulo representam um marco de pioneirismo na literatura cristã. Recentemente, Frederico Lourenço, pesquisador e professor de Estudos Clássicos, Grego e Literatura Grega da Universidade de Coimbra, tradutor de várias obras a partir do grego e um dos grandes especialistas de nossa época sobre a Bíblia em versão grega, ratificou que quando Paulo foi sacrificado os únicos textos do Novo Testamento que já tinham sido escritos eram desse apóstolo. “[…] todos os demais textos foram escritos depois da morte de Paulo; nem sequer os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João tinham sido escritos.”Até então existiam “anotações”…

O apóstolo Paulo foi o maior divulgador e o principal consolidador do cristianismo. Concordamos com a opinião de muitos autores de que sem Paulo não teríamos o movimento cristão. Sempre fiel aos ensinos de Jesus, destemido e com perfil estoico, aliás influência filosófica que recebeu na infância em juventude na sua terra natal, de influência helênica. Todos esses fatos nos estimularam a elaborar uma obra simples e objetiva, com ênfase nos ensinos morais do Apóstolo: Epístolas de Paulo à luz do Espiritismo.4

Mas independentemente dessas questões, Paulo é foco de inúmeras homenagens e reconhecimentos no mundo. Eis algumas: a Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, onde se encontram os restos mortais do Apóstolo no subterrâneo da mesma; a Catedral de São Paulo, em Londres, projetada pelo famoso arquiteto britânico Sir Christopher Wren (séc. XVII e XVIII) e que é sede do bispado de Londres, da Igreja Anglicana. Em nosso país, denomina a grande metrópole do Hemisfério Sul e o Estado de São Paulo, que foi objeto de mensagem de Emmanuel, psicografada por Chico Xavier, e, também de comentários deste ao receber o título de “Cidadão Paulistano” (1972).5 E a poucos metros do Pátio do Colégio que deu origem à cidade, há um monumento do Apóstolo, junto ao “marco zero”, na Praça da Sé em São Paulo.

Se Agostinho o designou de “leão de Deus”, Emmanuel define: “O convertido de Damasco foi o agricultor humano que conseguiu aclimatar a flor divina do Evangelho sobre o mundo.”4 Duas facetas típicas de Paulo de Tarso!

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. O grande leão de Deus. Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIV. No. 2. Edição de março de 2019. P. 79-80.

2) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estêvão. Brasília: Ed. FEB. 2012. 488p.

3) Lourenço. Frederico. Novo Testamento: apóstolos, epístolas, apocalipse. Vol.1. São Paulo. Companhia das Letras. 2018. 609p.

4) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Epístolas de Paulo à luz do espiritismo. 1.ed. Matão: O Clarim. 2016. 188p.

5) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões. Capivari/São Paulo: EME/USE-SP. 224p.

(*) – Foi presidente da USE-SP e da FEB.

Kardec no foco das câmeras

Kardec no foco das câmeras

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Chegou aos cinemas no dia 16 de maio o filme “Kardec”!

Com muita satisfação assistimos em tela de cinema o longa metragem “Kardec” e que precisa ser visto, começando pelos espíritas como ensejo para análises e reflexões oportunas sobre as relações com os fenômenos e com médiuns. Trata-se um filme sério, sem arroubos e com poucas “licenças cinematográficas”. Focaliza um momento crucial da mudança do prof. Rivail para Allan Kardec, e com pitadas bem humanas dele e de sua esposa Amélie Boudet, procurando superar as dificuldades e as dúvidas.

O filme mostra o professor Rivail, retratando algumas de suas ideias como educador e que, em seguida tenta entender as mensagens do além, que recebe através de diferentes médiuns. Cético, durante o século XIX, ele investiga os mistérios ocorrendo em Paris, procurando estabelecer um método para analisar os fenômenos, até se convencer da comunicabilidade dos espíritos e de assumir o pseudônimo Allan Kardec, com a publicação de O livro dos espíritos. Na realidade o filme registra uma parte inicial da trajetória do Codificador, desde os contatos com as “mesas girantes” até o aparecimento de O livro dos médiuns e o “Auto de Fé de Barcelona”, em 1861.

O filme tem grande qualidade técnica, com cenas e vestimentas aclimatadas ao glamour de Paris do Século XIX.

Baseia-se na excelente obra Kardec – a biografia escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior (Editora Record, 2013), que conta a história do educador francês Hyppolite Léon Denizard Rivail e de sua atuação como Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita.

De matéria jornalística elucidativa e até didática de Fabiana Schiavon da Folha de São Paulo (São Paulo, 16/5/2019), destacamos a apreciação do autor do livro Marcel Souto Maior: “a história do longa levanta dois pontos relevantes sobre Kardec. A primeira se refere sobre o que faz um professor cético mudar de nome e de vida aos 53 anos para dar voz aos espíritos. O segundo momento é narração sobre a perseguição sofrida pelo escritor, dos adversários que ele teve de enfrentar, como a ciência, a igreja e a imprensa.” Na matéria citada o diretor Wagner Assis, que também foi diretor do filme “Nosso Lar”, comenta que “O filme apresenta um Kardec pouco conhecido e que é comumente visto como um médium ou homem místico, e dá o contexto do momento em que tudo isso aconteceu” e “a abordagem é mais do ser humano que o Codificador viveu”.

A cinebiografia sobre o Codificador tem o papel principal interpretado por Leonardo Medeiros e conta com o talento de bons atores: Sandra Corveloni, Guilherme Piva, Genézio de Barros, Guida Vianna, Júlia Konrad e Dalton Vigh. O filme “Kardec” é distribuído pela Sony.

Esperamos que o filme de boa qualidade técnica e de conteúdo sério e oportuno ao ser exibido em cinemas das várias regiões do país possa sensibilizar expectadores não espíritas e ratificamos registro da jornalista da Folha: “A expectativa dos produtores e de espíritas é que o filme alcance também o público cético. É importante que as pessoas saibam como começou a história do espiritismo e o fato de que Kardec começou esse trabalho já na fase madura dele e com uma formação acadêmica sólida.”

Como adendo informamos que se encontra em finalização de edição um outro trabalho cinematográfico focalizando o Codificador. Trata-se de “Em busca de Kardec”, numa modalidade diferente, de série e documental, produzido pela Lighthouse.

Os 150 anos da desencarnação de Allan Kardec estão sendo bem assinalados dentro e fora do movimento espírita!

(* – Ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do CEI). 

Concílios: significados e a visão espírita

Concílios: significados e a visão espírita

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Concílios são assembleias de autoridades eclesiásticas com o objetivo de discutir e deliberar sobre questões pastorais, de doutrina, fé e costumes. Os concílios nacionais e regionais envolvem o episcopado da área abrangida e os concílios ecumênicos são convocados pelo Papa e têm representação internacional; apenas 21 foram efetivados com estas características.1

Referido em Atos dos Apóstolos (15, 1-23) e por Paulo na Epístola aos Gálatas (2, 1-10), o concílio de Jerusalém é considerado o primeiro de todos os tempos. Os apóstolos se reuniram para tratar sobre a polêmica entre os judaizantes (judeus convertidos) e os gentios (não-judeus convertidos): ao se converterem ao cristianismo, os gentios teriam que adotar práticas da Lei Mosaica como a circuncisão? Foi convocado por Pedro e Tiago; Paulo teve importante posição não judaizante. Após a reunião, Pedro ficou em Jerusalém; Paulo, Barnabé, Judas (Barsabás) e Silas seguiram para Antioquia.1

Nos primeiros séculos ocorreram vários Concílios regionais, até para tratar das chamadas heresias, com punições a lideranças pioneiras como: Orígenes, Ário e Eusébio de Cesareia.2,3

O primeiro Concílio Ecumênico (ou universal) ocorreu em Niceia (atual Iznik, Turquia), convocado e acompanhado pelo imperador Constantino e presidido pelo bispo Ósio de Córdoba. Constantino foi instado pelos bispos para promover tal evento, objetivando-se a pacificação geral e a organização da Igreja, que já se tornara uma instituição de apoio ao Império Romano. A sessão de abertura no dia 20 de maio de 325, no palácio imperial de Niceia, foi presidida por Constantino. Este tinha o direito de intervir na assembleia e exerceu papel destacado até sua conclusão no dia 25 de julho, seguindo-se as celebrações pelos 25 anos de seu reinado. Foram rejeitadas as propostas de Ário sobre a natureza de Jesus, contrárias à “doutrina da Trindade” e julgaram encerradas as crises que perturbavam a paz eclesial. Surgiu a estrutura do governo eclesiástico, institucionalizando-se a Igreja Católica Apostólica Romana. Constantino conferiu validade de leis do Estado às decisões do Concílio. Compareceram 318 pessoas: bispos, diáconos e acólitos (auxiliar do diácono).1,2,3

Eusébio de Cesareia foi reabilitado, mantendo-se equidistante dos contendores Ário e Atanásio, mas após o Concílio voltou a apoiar Ário.1,2,3

O Cristianismo se expandiu nos Séculos III e IV, destacando-se em Alexandria, Antioquia e Roma, e depois Jerusalém e Constantinopla.3

Surge a tese do primado jurisdicional da Igreja de Roma. Alguns apontam Jerônimo (347-420) pela ideia, mas outros contestam pois este colocava o bispo de Roma em patamar de honra e autoridade na Igreja, sem estar acima dos demais.1

A propósito são oportunas as considerações de Emmanuel: “A igreja de Roma, que antes da criação oficial do Papado considerava-se a eleita de Jesus, ao arvorar-se em detentora das ordenações de Pedro, não perdia ensejos de firmar a sua injustificável primazia junto às suas congêneres de Antioquia, de Alexandria e dos demais grandes centros da época. Herdando os costumes romanos e suas disposições multisseculares, procurou um acordo com as doutrinas consideradas pagãs, pela posteridade, modificando as tradições puramente cristãs, adaptando textos, improvisando novidades injustificáveis e organizando, finalmente, o Catolicismo sobre os escombros da doutrina deturpada. […] Os primeiros dogmas Católicos saem, com força de lei, desse parlamento eclesiástico de 325. […] A união com o Estado era motivo para grandes espetáculos de riqueza e vaidade orgulhosa, em contraposição com os ensinos d'Aquele que não possuía uma pedra para repousar a cabeça dolorida.”4

Iniciam-se os concílios com “a inspiração de Deus para as conclusões de intermináveis debates. Não obstante, era evidente a presença de mandatários da política mundana forçando a vitória dos seus pontos de vista, das decisões de interesse dos mandatários políticos. […] o Reino de Deus, anunciado por Jesus, desaparecia do horizonte terreno”.5

O imperador Teodósio no 1º Concílio de Constantinopla (381 d.C.) fortaleceu a proposta que o bispo de Constantinopla teria primazia de honra após o bispo de Roma. No 2º Concílio de Constantinopla (553 d.C.), o imperador Justiniano e sua esposa Teodora decidiram proibir a crença na reencarnação pois a ideia de inferno eterno seria mais forte para se forçar as conversões.

Num salto temporal focalizamos o Grande Cisma do Ocidente ou Cisma Papal, a profunda crise da Igreja Católica (1378 a 1417). Preliminarmente, entre 1309 e 1377, o papado foi mudado para Avignon (França), sendo o Papa Clemente V levado forçadamente pelo rei francês Felipe IV. Seguiram-se pressões para que o papado retornasse a Roma e surgiram três pontífices simultâneos: Bento XIII (Avignon), Gregório XII (Roma) e o anti papa João XXII ou XXIII para alguns (Pisa).1 No auge da instabilidade religiosa e política da Igreja foi convocado o Concílio de Constança (1414-1418) com apoio de reinos e impérios, para solucionar a crise do papado. Em 1417 foram destituídos os três papas e foi eleito Martinho V, findando o Grande Cisma do Ocidente e retornando a sede do pontificado para Roma.1 Esta foi “a maior e mais relevante assembleia da baixa Idade Média”1. Ali foi condenado e sacrificado Jan Huss (1415), precursor do movimento reformista.

Com mais crises e como reação ao crescente movimento da Reforma, surge o Concílio de Trento (1545-1563), o mais prolongado da história da Igreja Católica, ao longo de cinco papados, e o que emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas: criou o Index Librorum Prohibitorum; reorganizou a Inquisição; melhorou grau de eficiência dos papas: igreja romana e clerical; orientou os fervores populares; iniciou os tempos modernos com o catecismo e os pastores; na visão da Igreja, produziu resultados benéficos, duradouros e profundos sobre a fé e a disciplina.1

Com outro salto, chegamos ao Concílio Vaticano I (1869-1870), liderado por Pio IX, extremamente conservador e que combateu a Maçonaria, Espiritismo e muitos movimentos políticos. As posições defensivas não foram superadas porque o Papa se fixava nos “adversários de Deus” e que “tudo querem subverter”, gerando cisões, e alguns saíram antes de terminar. Superou o eurocentrismo e é considerado um evento de passagem entre os Concílios de Trento e o Vaticano II.1 Em 1870 Pio IX edita o decreto da infalibilidade papal, que assinalou a decadência e a ausência de autoridade do Vaticano, face a evolução científica, filosófica e religiosa da Humanidade.

O último Concílio, Vaticano II (1962-1965), convocado por João XXIII e concluído por Paulo VI, definiu novos rumos, com ênfase pastoral, sem imposição de normas rígidas e sanções disciplinares; reavivou o retorno às fontes primeiras do Cristianismo; surgiu a expressão e ação conhecida como “ecumenismo”.1

Para concluirmos essa síntese sobre alguns concílios cabem algumas reflexões espíritas. Deve-se evitar paixões e reprimendas, distanciando-se coma a compreensão da atualidade, do julgamento de episódios passados. Como espíritos reencarnados, é importante lembrarmos a origem humana das deturpações do cristianismo.2 Sobre isto considera Schutel: “[…] de conformidade com a parábola que lembra os maus obreiros que a devastam, nota-se que da semente lançada pelo Senhor, nenhuma se perdeu, e, a despeito do mau, trata dos servidores de que resultou o quase aniquilamento das vinhas…”6

Como reflexão para o movimento espírita, além das considerações de Emmanuel já transcritas, recorremos ao Codificador: "O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas“.7

Referências:

1) Alberigo, Giuseppe (Org.). Trad. Almeida, José Maria. História dos concílios ecumênicos. São Paulo: Paulus.

2) Eusébio de Cesareia. Trad. Monjas do Mosteiro de Maria de Cristo. História eclesiástica. Coleção Patrística vol. 15. São Paulo: Paulus.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais. Análise histórica e visão espírita. Matão: O Clarim.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Brasília: FEB.

5) Pires, José Herculano. Revisão do cristianismo. Cap.9. São Paulo: Paideia.

6) Schutel, Cairbar. O espírito do cristianismo. Cap. Prefácio. Matão: O Clarim.

7) Kardec, Allan. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868.

Nota da Redação: Antipapa é aquele que reclama o título de Papa e é elevado ao papado por trâmites não canônicos, em oposição a um Papa legitimamente eleito, ou durante algum período em que o título esteja vago.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional.

***

Os 21 concílios ecumênicos da história da Igreja:

1. Niceia I – 20/5 a 25/7 de 325 Papa: Silvestre I (314-335)

2. Constantinopla I – maio a junho de 381 Papa: Dâmaso I (366-384)

3. Éfeso – 22/6 a 17/7 de 431 Papa: Celestino I (422-432)

4. Caledônia – 08/10 a 1/11 de 451 Papa: Leão I, O Grande (440-461)

5. Constantinopla II – 05/5 a 2/7 de 553 Papa: Virgílio (537-555)

6. Constantinopla III – 07/11 de 680 a 16/9 de 681 Papas: Ágato (678-681) e Leão II (682-683)

7. Niceia II – 24/9 a 23/10 de 787 Papa: Adriano I (772-795)

8. Constantinopla IV – 05/10 de 869 a 28/2 de 870 Papas: Nicolau I (858-867) e Adriano II (867-872)

9. Latrão I -18/3 a 06/4 de 1123 Papa: Calixto II (1119-1124)

10. Latrão II – abril de 1139 Papa: Inocêncio II (1130-1143)

11. Latrão III – 5 a 19 de março de 1179 Papa: Alexandre III (1159-1181)

12. Latrão IV – 11 a 30 de novembro de 1215 Papa: Inocêncio III (1198-1216)

13. Lyon I – 28/6 a 17/7 de 1245 Papa: Inocêncio IV (1243-1254)

14. Lyon II – 07/5 a 17/7 de 1274 Papa: Gregório X (1271-1276)

15. Vienne (França) – 16/10 de 1311 a 6/5 de 1312 Papa: Clemente V (1305-1314)

16. Constança – 5/11 de 1414 a 22/4 de 1418 Papas: situação de vários antipapas

17. Basileia-Ferrara-Florença – 1431-1445 Papa: Eugênio IV (1431-1447)

18. Latrão V – 10/5/1512 a 16/3/1517 Papas: Júlio II (1503-1413) e Leão X (1513-1521)

19. Trento – 13/12/1545 a 4/12/1563 (em três períodos) Papas: Paulo II (1534-1549); Júlio III (1550-1555) e Pio IV (1559-1565)

20. Vaticano I – 8/12/1869 a 18/7/1870 Papa: Pio IX (1846-1878)

21. Vaticano II – 11/10/1962 a 07/12/1965 Papas: João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978)

Extraído de: Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIV. N. 4. Maio de 2019. P. 200-202.

Mês de homenagens a Chico Xavier e suas obras

Mês de homenagens a Chico Xavier e suas obras

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Chico Xavier nasceu aos 2 de abril de 1910, em Pedro Leopoldo (MG) e neste ano por uma série de coincidências cumprimos no mês de seu nascimento um grande roteiro de viagens, palestras e lançamento de livro alusivo ao médium.

O livro Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões, de nossa autoria, e editado conjuntamente pela EME e USE-SP veio a lume na passagem de março para abril, o que ensejou uma série de eventos de lançamento da obra e de palestras alusivas ao homenageado.

Atendemos a convites de cidades paulistas, a começar da Capital, onde comparecemos em dois centros cujas fundações foram estimuladas por Chico Xavier: o “Batuíra” e o “União”. Também no Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa Espírita, onde desenvolvemos reuniões de estudo. No interior paulista, atuamos em Piracicaba; na Feira do Livro e em Centros de São José do Rio Preto, inclusive no mais antigo o “Allan Kardec”; Fernandópolis; Biriguí; Guararapes; em Rubiácea, inaugurando nova sede do Centro; e no “Luz e Fraternidade” de Araçatuba, onde há 47 anos atrás fomos um dos fundadores.

Na sequência atendemos a convites do Estado do Rio de Janeiro, em São Gonçalo, onde o “Batuíra” atende comunidade da periferia; em Niterói, no “Irmã Rosa”, o mais antigo da cidade, com 98 anos; neste local, estava de passagem e recebemos a visita de Pierre Etienne Jay, que traduziu livros de Chico para francês, nos tempos em que o CEI editava muitos livros. Na cidade do Rio de Janeiro, comparecemos em locais extremos como Barra da Tijuca – no bem frequentado CEJA-, e o bairro da Tijuca, e de permeio, Copacabana.

Destacamos que na Tijuca, fizemos palestra no Grupo Espírita Regeneração, fundado por Bezerra de Menezes, há 128 anos; e, como parte das comemorações dos 90 anos da Congregação Espírita Francisco de Paula, atuamos no seminário “Legado de Chico Xavier para a Humanidade”, onde o companheiro Carlos Alberto Braga Costa (Belo Horizonte, MG) também desenvolveu tema sobre seu livro em lançamento “Chico Xavier – do calvário à redenção" (Ed.EME).

Em algumas cidades proferimos mais de uma palestra. Assim, em abril, além de outras palestras variadas, especificamente, proferimos vinte palestras sobre temas do livro sobre Chico e lançando-o em centros de tamanhos variados em várias cidades dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em todos locais notamos o bom trabalho junto às bases, que são os centros espíritas, e companheiros receptivos aos temas abordados. Com satisfação encontramos muitos confrades que conviveram ou visitaram o notável médium, com destaque para o casal Galves que eram anfitriões de Chico em São Paulo.

O nosso recente esforço concentrado relacionado com a vida e obra de Chico Xavier, até superou aquele outro em que atuamos no ano de 2010 por ocasião do Centenário de Chico Xavier. Essa divulgação temática é para nós uma forma de demonstrarmos nossa gratidão e reconhecimento ao muito que usufruímos não apenas das obras, mas também do feliz privilégio das contínuas visitas que empreendemos, juntamente com a esposa, durante mais de 20 anos ao notável médium nos dois centros em que ele atuou em Uberaba e no C.E. União, de São Paulo. Inclusive, essa foi a motivação para elaborarmos o novo livro que traz também de forma inédita, a apreciação de episódios que vivemos durante o período de 16 anos após a desencarnação de Chico.

Em síntese, entendemos que se faz necessário o chamamento: para a valorização do estudo das obras de Allan Kardec e de Chico Xavier; para a coerência entre tais obras; para a humildade e dedicação de Chico; para a simplicidade do cristianismo primitivo; para se repensar o formalismo e alguns focos em aparências, vigentes na atualidade.

Para concluir, transcrevemos frase de nosso livro, proferida por Chico nos idos de 1977: “Sou sempre um Chico Xavier lutando para criar um Chico Xavier renovado em Jesus e, pelo que vejo, está muito longe de aparecer como espero e preciso…”

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do CEI.

A fraternidade no diálogo espiritual

A fraternidade no diálogo espiritual

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O Grupo Espírita Casa do Caminho, de São Paulo, tem promovido estudos continuados em que o seminário “papel dos esclarecedores nos grupos mediúnicos” tem sido repetido e aprofundado.

Trata-se de tema que deve merecer muita atenção nesses grupos dos centros espíritas.

O tema nos remete, de início, a Chico Xavier que atuou no Centro Espírita Luiz Gonzaga desde a fundação em 1927 até sua mudança para Uberaba, no início de 1959. Nesse local atendeu semanalmente muitos milhares de pessoas que o procuravam sedentos de consolo e esclarecimento espiritual. A partir desses diálogos com Chico Xavier com as pessoas, sempre solícito e fraternal, iniciava-se um atendimento que, sem dúvida, envolvia o tratamento espiritual dos encarnados e dos desencarnados que eram por eles atraídos. Alguns desses espíritos eram encaminhados para postos de acolhimento do Mundo Espiritual, outros eram envolvidos na esfera de atendimento do próprio Centro em função de suas reuniões. Nas reuniões mediúnicas Chico Xavier atuava não apenas como médium de espíritos esclarecidos e orientadores, mas também para manifestação de espíritos enfermiços. Ademais, um grupo de colaboradores do Centro Espírita Luiz Gonzaga, incluindo Chico Xavier, constituíu o Grupo Meimei, voltado ao atendimento de espíritos enfermiços.

O inesquecível médium mineiro transmitiu a Arnaldo Rocha, que era o coordenador desse Grupo, algumas recomendações: “[…] porque se deve dialogar com os Espíritos sem qualquer ideia de doutrinação. […] transmitiu-me as orientações iniciais de Emmanuel: nunca discutir com a entidade comunicante e nem falar que ela já ‘morreu’…”1

De início, a compreensão e a tradição religiosa do espírito comunicante deve ser respeitada. Entre muitos exemplos há a série de cartas familiares de espírito que desencarnou convicto das tradições do judaísmo.2,3

Há muitas obras que tratam da prática do diálogo com os espíritos enfermiços. Iremos nos restringir apenas a alguns, resultantes da mediunidade de Chico Xavier. Entre estes, Instruções psicofônicas, que é resultado das transcrições das gravações do já citado Grupo Meimei, coordenado por Arnaldo Rocha. Deste livro e da entrevista com Arnaldo destacamos a mensagem de Emmanuel: “Sem o carinho e a receptividade do coração, sofreremos o império do desespero. Sem o devotamento e a decisão do braço, padeceremos a inércia. Contudo, para que o trio funcione com eficiência, são necessários três requisitos na máquina de ação em que se expressam: Confiança. Boa-vontade. Harmonia.”4

Em outra obra que relaciona a prática mediúnica com a moral ensinada por Jesus, Emmanuel orienta: “Cultivar o tato psicológico, evitando atitudes ou palavras violentas, mas fugindo da doçura sistemática que anestesia a mente sem renová-la.”5

A essa altura cabem dois comentários sintéticos do espírito Emmanuel sobre o atendimento de espíritos enfermiços: “[…] com a mediunidade esclarecida, é fácil aliviá-los e socorrê-los.”5 “[…] Reunamo-nos nas bases a que nos referimos, sob a inspiração do Cristo, Nosso Mestre e Senhor, e as nossas reuniões mediúnicas serão sempre um santuário de caridade e um celeiro de luz. ”4

Os livros do Espírito André Luiz, conhecidos como série Nosso Lar, esclarecem magistralmente os processos de libertação espiritual. Todavia, em Desobsessão estão disponíveis várias recomendações práticas para uma reunião: “O médium de incorporação, como também o médium esclarecedor, não podem esquecer, em circunstância alguma, que a entidade perturbada se encontra, para eles, na situação de um doente ante o enfermeiro. […] O esclarecimento não será, todavia, longo em demasia”.6

Deve ficar claro que os espíritos citados em vários locais empregam as expressões: espíritos enfermiços; como parentes nossos enfermos; doente ante o enfermeiro… O membro da equipe mediúnica que atua como dialogador tem um papel muito importante e os orientadores espirituais comparam-no a um enfermeiro ante um doente, referindo-se aos espíritos necessitados, como enfermiços, como se fossem parentes nossos enfermos… Ou seja, o tom da fraternidade deve prevalecer no diálogo com os espíritos necessitados de acolhimento, apoio e esclarecimento.

A resultante dos esclarecimentos espirituais nos remete a um episódio significativo. No dia 2 de abril de 2010, exatamente no dia do Centenário de nascimento de Chico Xavier, houve a inauguração do Memorial do Luiz Gonzaga, anexo a centro de mesmo nome, em Pedro Leopoldo, a terra natal do médium. Na oportunidade representamos o presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB) e estavam presentes representantes da Municipalidade, Banda da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, dirigentes da União Espírita Mineira (UEM), Arnaldo Rocha, Oceano Vieira de Melo, Terezinha de Oliveira (de Campinas), parentes e amigos de Chico Xavier. No final da cerimônia assistimos a um fato inesquecível e emocionante: o mestre de cerimônias solicitou que abrissem uns engradados cobertos, que se encontravam cheios de pombas, e estas iniciaram voos. Em comentário do cerimonial, fez-se uma comparação ao voo livre das pombas, em um belo bailado aéreo: “[…] a libertação das almas iluminadas pelo Evangelho à luz do Espiritismo, que por aqui estiveram, ao se desprenderem do corpo físico”.3

Essa frase é muito marcante! O exemplo no bem persistente de Chico Xavier, o seu amor em ação, fizeram dele um valoroso intermediário para a libertação de almas.

Referências:

1) Livros pioneiros obtidos de gravações de psicofonias. Reformador. Ano 129. N.2.190. Setembro de 2011. P. 329-331.

2) Xavier, Francisco Cândido; Muszkat, Roberto; Muszkat, David. Quando se pretende falar da vida. São Bernardo do Campo: GEEM. 1983.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier. O homem, a obra e repercussões. Cap. 2.7. Capivari: Ed. EME. 2019.

4) Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Instruções psicofônicas. Cap. 59. Rio de Janeiro. FEB.

5) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Seara dos médiuns. Cap. 55. FEB.

6) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito André Luiz. Desobsessão. Cap. 37. FEB.

Transcrito de:

Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIV. N.3. Abril de 2019. P.140-141.

O incêndio da Notre Dame de Paris

O incêndio da Notre Dame de Paris

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Em roteiro de palestras pela região com lançamento de nosso recentíssimo livro Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões, na noite do dia 15 de abril, fomos repentinamente motivados a alterar parte do conteúdo de nossa palestra na Sociedade Espírita Allan Kardec, em Biriguí.

No final da tarde ficamos impactados pelo trágico incêndio na Catedral Notre Dame de Paris. Em apresentação prévia à palestra no evento em Biriguí, a cantora Jéssica, entoou belas músicas incluindo a belíssima “Ave Maria”.

Repentinamente começamos a pensar no papel histórico do grande monumento parisiense que, traduzindo o nome da Catedral, é “Nossa Senhora”. Em rápidos momentos fomos imaginando a alteração da palestra, mas vinculando com obras de Chico Xavier. O tema central seria preservado, em função do conteúdo de nosso livro em lançamento.

De passagem citamos episódios históricos ligados àquela Catedral de Paris. Popularizada pelo corcunda de Notre Dame; ambiente de canonização de Joanna D’Arc, do desrespeito no “período do Terror” com a entronização da “deusa Razão”, da coroação do imperador Napoleão… E focalizamos citações à Notre Dame na obra psicográfica de Chico Xavier.

Iniciamos com referência ao romance histórico Renúncia (Cap.2), do espírito Emmanuel, psicografado por Chico Xavier, onde há registros sobre a personagem principal do enredo transcorrido no século XVII, cantando na Notre Dame de Paris, para obter recursos ao pequeno e doente jovem familiar: “Alcíone andou muitos quilômetros de ruas e praças, estudando o local adequado à iniciativa. Algo cansada, parou junto ao templo de Nossa Senhora e entrou. Descansou longamente em preces fervorosas, lembrando que não haveria melhor local para o empreendimento que o adro daquela casa consagrada à Mãe Santíssima. […] Alcíone começou a cantar, mas, com tanta harmonia e sentimento, que dir-se-ia um anjo baixado à Terra para transmitir aos homens as suaves belezas do crepúsculo. Em breves instantes, transeuntes, clérigos, fidalgos e gente do povo formavam em torno compacta assistência. Cada canção era aplaudida freneticamente.”

No livro A caminho da luz, análise espiritual de nosso processo civilizatório, o espírito Emmanuel comenta os excessos ocorridos durante a Revolução francesa e ao período do Terror, como “teatro de trágicos acontecimentos”. E refere-se ao contexto da época do nascimento de Allan Kardec: “dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se imperador, obrigando o papa Pio VII a coroá-lo na igreja de Notre Dame, em Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804…”

Em obras psicográficas de Chico Xavier há citações sempre muito respeitosas a Maria, a mãe de Jesus. Há um livro Maria, mãe de Jesus, que é uma antologia com mensagens e preces transcritas de obras de Francisco Cândido Xavier e Yvonne Pereira.

O incêndio provoca impactos pois se trata de edificação com cerca de 900 anos de história. Todavia, não nos esqueçamos que além da simbologia do templo tradicional, deve-se meditar sobre a excelência do conceito de templo do espírito, da pessoa como “casa espiritual” e da lembrança de que esta inclui o cultivo de orações e de esforços pela prática do bem, em qualquer lugar.

= O autor foi dirigente em Araçatuba e é ex-presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e da Federação Espírita Brasileira.

Observação: no dia do incêndio citado, o autor proferiu palestra em Biriguí (SP) e inseriu este conteúdo ao abordar as obras de Chico Xavier. Artigo publicado no jornal “Folha da Região”, de Araçatuba, no dia 17/4/2019, pág.2.

Desafio do momento

União…

Desafio do momento

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Há muitas mensagens espirituais com conceitos e recomendações sobre união e unificação. Mas cabe aos encarnados a responsabilidade pelas ações e a análise sobre como está sendo praticada a união:

"[…] o que caracteriza a revelação espírita é o fato de sua origem ser divina, de a iniciativa pertencer aos Espíritos e de sua elaboração ser fruto do trabalho do homem.”1

Nessas condições são oportunas algumas devem merecer reflexões. Em mensagem pioneira, Emmanuel associa a prática da união com a vivência do Evangelho:

“Compreendendo a responsabilidade da grande assembleia de colaboradores do Espiritismo brasileiro, formulamos votos ardentes para que orientem no Evangelho quaisquer princípios de unificação, em torno dos quais entrelaçam esperanças.”2

Em 1975 Bezerra de Menezes aponta o foco e o envolvimento real:

“Mantenhamos unidos, em Jesus, para edificar e acender Kardec no caminho de nossas vidas, porque unicamente assim, agindo com a fraternidade e progredindo com o discernimento, é que conseguiremos obter os valores que nos erguerão na existência em degraus libertadores de paz e ascensão.”2

Nesses termos, devemos olhar para dentro de nossa seara com o objetivo de sentirmos os eventuais desafios: as obras da Codificação são a base das práticas? Como está o respeito ao próximo mais próximo? Como estão organizadas e como funcionam as instituições espíritas? Quais valores definem as indicações de companheiros para assumirem os encargos e cargos nas instituições? Em que ambiente se processam as escolhas de dirigentes nas instituições? Como os dirigentes e colaboradores de um centro interagem com os pares de outros centros? Como são tratadas as eventuais dificuldades e enganos doutrinários de instituições congêneres? Os líderes, expositores e médiuns são vistos com deslumbramento, como superiores ou mais evoluídos? Os temas da atualidade ou novos são tratados no ambiente espírita?

Cada questão deve ser refletida e sugerimos a analogia com as colocações de Emmanuel:

“O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] se faz impraticável a redenção do Todo, sem o burilamento das partes, unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…”2

No “mundo conturbado” de nossos dias – que se caracteriza por polêmicas, crescimentos, transformações e adequações-, e, na intimidade do espírita são perceptíveis sentimentos predominantes de união? Sem estas condições torna-se muito difícil a ideia de unificação entre sociedades espíritas. A palavra unificação pode significar “padronização”, ideia completamente antagônica aos princípios de união, por isso Emmanuel destacou “burilamento das partes” e união “no mesmo roteiro”.

A unificação no sentido de convergência e somatória de esforços é possível dentro da diversidade de situações, fundamentando-se no Codificador. Kardec define:

"O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral […], e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas."3

Referências:

1) Kardec, Allan. Trad. Imbassahy, Carlos de Brito. A gênese. 1.ed. Cap. 1. São Paulo: FEAL. 2018.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Cap. 5. Capivari: Ed.EME. 2018.

3) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB. 2005.

(*) Ex-presidente da FEB e da USE-SP.

(Extraído de: Revista Senda, FEEES, N.196, Ano 97, mar.-abr.2019, p.9)

A REGENERAÇÃO NÃO É PALINGENESIA, É SÓ NESTA

A REGENERAÇÃO NÃO É PALINGENESIA, É SÓ NESTA

José Reis Chaves (*)

Vamos novamente ao assunto da reencarnação que, na Bíblia em grego, a língua original do Novo Testamento, aparece com o seu sinônimo “palingenesia”, que passou para o português com a mesma palavra ou “ipsis litteris”.

Por isso, insisto para que os queridos leitores dessa coluna consultem essa palavra palingenesia nos dicionários de português, em que verão que ela significa de fato retorno à vida, novo nascimento. E àqueles que conhecem a Língua Grega, recomendo também que a consultem nos dicionários gregos.

Segundo as estatísticas atuais, são mais de setenta e cinco por cento da população mundial que creem na reencarnação, independente de religião. E todas as crenças têm adeptos dela, inclusive o Islamismo, como se pode ver no Alcorão (Surate II, 26, e Surate XVII, 52; e o Sufismo).

Muitos falam que a palavra reencarnação não está na Bíblia. De fato não. Mas isso porque ela só foi criada por Kardec, na segunda metade do século dezenove, enquanto que os últimos escritos bíblicos datam do final do século um. A reencarnação ou palingenesia está sim, pois, na Bíblia em várias partes. (Para saber mais, recomendo meu livro A Reencarnação na Bíblia e na Ciência, lançado também em Inglês.) E a palingenesia pertenceu ao cristianismo até o Segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla em 553, quando foi retirada por influência do imperador Justiniano e sua esposa Teodora.

Dissemos numa coluna anterior que a palingenesia é o elo de ligação entre todas as religiões, exatamente porque ela conta com adeptos em todas as religiões. Mas não disse que é o único elo!

Vou citar apenas dois exemplos bíblicos da palingenesia: Jesus falava sobre a volta de Elias para preparar, como precursor, a vinda do Messias: “Então os discípulos entenderam que Jesus lhes tinha falado sobre João Batista”. (Mateus 17: 13). Ainda no Evangelho é dito: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E se se o quereis reconhecer, ele mesmo é o Elias que estava para vir. Quem tem ouvidos para escutar, que escute!” (Mateus 11: 13, 14 e 15). Tem, pois, que ser mesmo, como se diz, muito cara de pau, para negar que João Batista é reencarnação de Elias!

Que os tradutores da Bíblia, adversários da reencarnação, corrijam, portanto, seu erro de tradução da palavra bíblica palingenesia por regeneração, entre eles: Tito 3: 5, com o propósito claro de ocultar as várias vidas terrenas constantes da Bíblia. E não é Deus e Jesus que nos regeneram, pois Eles respeitam o nosso livre-arbítrio. Somos nós mesmos, através da vivência do Evangelho que nos regeneramos.

E é no período da palingenesia que ocorre a nossa lenta regeneração (evolução).

A regeneração, pois, apenas está na palingenesia, que não é a própria regeneração!

(*) coluna do jornal O Tempo, de Belo Horizonte.

Chico Xavier – O homem amor

Chico Xavier – O homem amor

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Pela passagem da efeméride do nascimento de Chico Xavier – dia 2 de abril – naturalmente nos recordamos de episódios marcantes do grande médium.

Coincidentemente, neste momento, vem a lume nossa obra Chico Xavier. O homem, a obra e as repercussões.1

Desta obra, destacamos alguns trechos em que transcrevemos:

“Profundo admirador da vida e da obra de Chico Xavier nesses anos após sua desencarnação vivemos momentos excepcionais acompanhando fatos históricos e repercussões relacionadas com o médium que consideramos um “divisor de águas no movimento espírita brasileiro”. Nas condições de diretor e presidente da Federação Espírita Brasileira e membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional tivemos empenho em valorizar os exemplos de vida e os livros psicográficos de Chico Xavier em vários níveis de atuação e de trabalhar pela divulgação e estudo de seus livros. Os episódios e comentários relacionados com fatos que vivenciamos após a desencarnação de Chico Xavier estão fundamentados não apenas na nossa visão, mas são localizáveis nas publicações, como livros e periódicos espíritas do período do ano de 2002 até nossos dias.

Como preparativos para as comemorações do Centenário de nascimento de Chico Xavier e depois em desdobramentos desta efeméride, tivemos oportunidade de conviver com os ambientes em que Chico atuou em Pedro Leopoldo e em Uberaba, conhecer vários de seus colaboradores e de entrevistá-los para a revista Reformador e para a elaboração do livro em que atuamos como um dos organizadores: Depoimentos sobre Chico Xavier (FEB, 2010). Na fase do citado Centenário e durante nosso período na presidência da FEB, Pedro Leopoldo ganhou um grande destaque no movimento espírita, sediando inúmeros eventos.

Até nossos dias, as belas e ricas lembranças do médium, oriúndas das visitas constantes que fazíamos à Comunhão Espírita Cristã e ao Grupo Espírita da Prece, são muito vivas em nossa memória. Pelo conjunto de momentos próximos ao Chico e vivenciando as repercussões de sua ação benfazeja, sentimo-nos privilegiado e com o forte compromisso de divulgar e estimular a valorização da história de vida e da magnífica obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier.

Passados mais de 16 anos após a partida de Chico Xavier para o mundo espiritual, seus exemplos e obras psicográficas prosseguem bem vivos no seio não apenas da seara espírita, mas junto à população brasileira. Há muitas frases que identificam a maneira de ser de Chico Xavier.

Reproduzimos uma que externa também as reações do médium frente às críticas e momentos difíceis que soube superar em sua longa existência:

“A Doutrina é de paz… Emmanuel tem me ensinado a não perder tempo discutindo. Tudo passa… As pessoas pensam o que querem a meu respeito – pensam e falam. Estou apenas tentando cumprir com o meu dever de médium. […] Devo prosseguir trabalhando. […] Já saio da cama com muito serviço, e é assim o dia todo. Lamento os companheiros que ainda não descobriram a alegria de viver de espírito desarmado. Depois, eles se queixam de depressão, falta de fé… Graças a Deus, nunca briguei com ninguém…”2

Ao refletirmos sobre a vida e a obra do notável vulto espírita e do Brasil e as repercussões que se ampliam vêm à nossa mente o fato belíssimo que assistimos nas comemorações dos 100 anos de seu nascimento, defronte ao Centro Espírita Luiz Gonzaga, em Pedro Leopoldo: o voo em autêntico bailado das pombas brancas e cinzentas. É inimaginável o quanto Chico Xavier e suas obras fizeram pela “[…] libertação das almas iluminadas pelo Evangelho à luz do Espiritismo, que por aqui estiveram, ao se desprenderem do corpo físico”, e, complementamos com a multidão incalculável de encarnados enlaçados pelo acolhimento fraterno, pelo consolo e pelos esclarecimentos de que ele foi protagonista exemplar.

Embora, certamente, não fosse o desejo do médium, sempre simples e humilde, as repercussões de sua vida e as homenagens de que é alvo representam o reconhecimento à história de vida de um homem voltado ao bem, do ‘homem amor’!”

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier. O homem, a obra e as repercussões. Capivari/São Paulo: EME/USE-SP. 2019. 224p.

2) Agenda Chico Xavier 2019. Capivari: Ed.EME. 2018.

(*) – Ex-presidente da FEB e da USE-SP; ex-membro da Comissão Executiva do CEI.