Pacto Áureo – e agora depois de 70 anos?

Pacto Áureo – e agora depois de 70 anos?

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

De início são cabíveis algumas informações históricas suscintas, pois a maioria dos espíritas podem não ter conhecimento.

O documento que agora completa 70 anos foi assinado na chamada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, aos 5 de outubro de 1949 na sede da FEB, embora tenha sido uma reunião de quase duas dezenas de pessoas. O evento depois foi designado como “Pacto Áureo”. Esta reunião propriamente dita não estava programada e ocorreu simultaneamente a um Congresso Espírita Pan Americano que acontecia no Rio de Janeiro, e que contava com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estes dirigentes tinham propostas emanadas do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, ocorrido em 1948 em São Paulo.

Houve uma negociação para serem recebidos pelo presidente da FEB Wantuil de Freitas. No transcorrer da imprevista reunião o presidente da FEB apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes “ad referendum” das Sociedades que representavam. Foi um momento marcante dentro do cenário das dificuldades da época para a união. Claramente foi o documento possível para o momento. No retorno a seus Estados, alguns dos líderes foram questionados, principalmente em São Paulo porque o documento assinado diferia em muito das propostas aprovadas em plenário no Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. O Pacto Áureo criou o Conselho Federativo Nacional da FEB e depois a “Caravana da Fraternidade”.1,2

Nas evocações históricas e festivas alusivas ao Pacto Áureo, não se faz uma análise sobre o texto, levando-se em consideração o contexto em que foi elaborado, a experiência vivida nesse ínterim e realizando-se um cotejo com a realidade atual do movimento espírita de nosso país. O valor histórico do Pacto Áureo é inquestionável, é um marco, mas nessas sete décadas ocorreram inúmeras e profundas transformações no contexto social e político de nosso país, e, o movimento espírita brasileiro viveu um grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificações de atuação.

Atualmente há necessidade de uma análise desse documento histórico que apresenta a falta de atualidade de seus itens e mantém detalhamentos provavelmente adequados apenas àqueles momentos da assinatura. Depois de analisar detidamente o “Pacto Áureo” item a item em nosso livro União dos espíritas. Para onde vamos? concluímos: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”1

Destacamos que o Pacto Áureo não se fundamenta nas Obras Básicas do Codificador, e, sem nenhum juízo de nossa parte à obra, explicita apenas o livro Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho. Em nosso livro acima citado consideramos as hipóteses que determinaram tal opção por parte do proponente, o presidente da FEB. A primeira questão a ser levantada é sobre o Artigo 1o do “Pacto Áureo”: “Cabe aos Espíritas do Brasil porem em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo.”1

Há necessidade de se citar e valorizar as cinco obras básicas do Codificador!

Então fica flagrante uma incoerência, pois as Federativas Estaduais são vinculadas ao Conselho Federativo Nacional da FEB, com base no “Pacto Áureo” e que não se fundamenta nas cinco Obras Básicas, mas, por outro lado, recomendam ou exigem em seus Estados que nos Estatutos dos centros espíritas adesos exista uma cláusula referente às Obras Básicas de Kardec:

“O Centro Espírita… fundado em… , neste Estatuto designado ‘Centro’, é uma organização religiosa, com duração indeterminada e sede na cidade de… , no endereço… , e que tem por objeto e fins: I – o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação Espírita.”1

Entendemos que dava existir coerência entre a vinculação federativa formal em nível nacional e as recomendações para as bases. Há outros itens do Pacto Áureo que não são do real conhecimento dos dirigentes de centros espíritas e que precisam ser substituídos, e que podem – ao pé da letra – dar margem a situações e até a condutas centralizadoras e interferencionistas.

Atualmente, a tradicional redação do Pacto Áureo é incoerente com os conceitos de união e de unificação que a Espiritualidade tem expressado ao longo das últimas décadas. O espírito Bezerra de Menezes é sempre muito enfático na valorização de Kardec. Haja vista a marcante mensagem “Unificação”, psicografada por Chico Xavier em 1963, e sempre reproduzida na seara espírita.1,2,3

Em mensagem pioneira sobre o tema e dirigida aos participantes do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948), destacou Emmanuel: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] se faz impraticável a redenção do Todo, sem o burilamento das partes, unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…”2

Mas Kardec tem palavras magistrais em seu último discurso: "O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral […], e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas."4

Consideramos o septuagenário “Pacto Áureo” um documento histórico, mas o mundo e o movimento espírita estão em outros tempos…

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018. 144p.

2) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. 191p. Edição em versão digital no site da USE: www.usesp.org.br; em Documentos/Documentação histórica.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Desafio do momento. Revista Senda, FEEES, N.196, Ano 97, mar.-abr.2019, p.9.

4) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB. 2005.

(*) – Foi presidente da USE-SP e da FEB.