UNIÃO – MAIS DE UM SÉCULO DE EXPERIÊNCIAS

UNIÃO – MAIS DE UM SÉCULO DE EXPERIÊNCIAS

O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O presente artigo sintetiza nossa palestra na abertura do Encontro Comemorativo dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 20/10/2018).1

Bezerra de Menezes alimentou o ideal de união. Após sua desencarnação (11/04/1900) surgem marcantes ações do presidente Leopoldo Cirne (gestão 1900-1913), eficiente administrador e impulsionador da divulgação das obras do Codificador.1,2

Cirne reformulou os estatutos da FEB, em assembleia realizada em 05/11/1901, retirando os poderes discricionários concedidos a Bezerra, pois este assumiu em época de crise no ano de 1895, e eliminando a cláusula que recomendava o estudo das obras de J.B. Roustaing. Cirne considerava que esta cláusula prejudicava a união da família espírita em torno da FEB.1,3

Leopoldo Cirne promoveu o I Congresso Espírita, em homenagem ao Centenário de nascimento de Allan Kardec, com a participação de mais de duas mil pessoas, de 1o a 3/10/1904, quando apresentou o trabalho Bases da Organização Espírita, que passou a orientar a ação de união dos espíritas, estimular a fundação de Federações Estaduais e filiar diretamente os centros. A nosso ver este é o marco dos esforços institucionais iniciais de união. Em 1904, existiam apenas duas federativas: a do Paraná e a do Amazonas.2,3

A primeira entidade federativa paulista, a União Espírita do Estado de São Paulo, fundada por Antônio Gonçalves da Silva – Batuíra, em 24/5/1908, foi inspirada no documento Bases da Organização Espírita.1 Com a saída de Cirne da FEB em fevereiro de 1914 ocorreram revisões e um certo retrocesso em relação às ações do citado presidente. Distanciado de instituições, Cirne defendia Kardec como ponto de união e lamentava que muitas lideranças não estariam compreendendo uma nova fase do movimento espírita.2,3

Em face das crescentes insatisfações desenvolveu-se um movimento para se discutir o Espiritismo no Brasil e efetivou-se o Congresso Constituinte Espírita Nacional em março de 1926, no Rio de Janeiro, criando-se uma federativa nacional, a Liga Espírita do Brasil, tendo como órgão máximo a Assembleia Espírita do Brasil.1,2

Naquela época ocorria intensa movimentação no Estado de São Paulo, com experiências no interior: aos 15/03/1931, em reunião realizada em São Carlos (SP) Cairbar Schutel fundou a Associação Espírita de Propaganda do Estado de São Paulo, com finalidade claramente federativa, contando com representantes de 83 instituições4; Benedita Fernandes, aos 30/08/1942 criou a União Espírita Regional da Noroeste em Araçatuba (SP).5

Na Capital formaram-se quatro instituições federativas: Sinagoga Espírita Nova Jerusalém, União Federativa Espírita Paulista, Federação Espírita do Estado de São Paulo e Liga Espírita do Estado de São Paulo. Nesse contexto, aconteceu o 1o Congresso Espírita do Estado de São Paulo, realizado em São Paulo de 1o a 5/6/1947, com a presença de 551 instituições. As entidades patrocinadoras acima citadas abriram mão da ação federativa e foi criada a União Social Espírita; depois denominada União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, a única federativa fundada como decisão plenária de um Congresso Estadual.1,6,7

O ano de 1948 registrou importantes eventos jovens: a Concentração de Mocidades Espíritas do Brasil Central e Estado de São Paulo – COMBESP, reunindo jovens de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e depois o Distrito Federal (Brasília); um certame autônomo que foi um celeiro para formação de expositores e lideranças e repetido anualmente em rodízio por várias cidades destes Estados até 1966.1,2 Liderado por Leopoldo Machado, de Nova Iguaçú (RJ), foi realizado o 1o Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (Rio de Janeiro, 17 a 25/7/1948), constituindo-se o Conselho Consultivo de Mocidades Espíritas do Brasil.1,2

A essa altura já se planejava por idealistas da USE-SP a realização do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. Ocorreu em São Paulo de 31/10 a 5/11/1948, com apoio e atuação de dirigentes das Federações Espíritas do Rio Grande do Sul, Paraná e a Catarinense; União Espírita Mineira; Liga Espírita do Brasil; Conselho Consultivo das Mocidades Espíritas do Brasil; Lar de Jesus de Nova Iguaçú (RJ); Centro Espírita de Cuiabá; pessoas com procurações de instituições de Sergipe, Bahia, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte e várias lideranças.1,7

Para esse evento foi destinada a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, “Em nome do Evangelho”, por Emmanuel, dirigida aos seus participantes e organizadores. O último parágrafo é marcante: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,7

A Comissão de Teses do Congresso, entre outros itens, concluiu: “Promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; […] O poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos.”1,7

A proposta não foi recepcionada pelo presidente da FEB. Por ocasião do 2o Congresso da Confederação Espírita Pan-americana, realizado pela Liga Espírita do Brasil em outubro de 1949, no Rio de Janeiro, compareceram líderes de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pará, e do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), e, repentinamente ocorreram entendimentos com o presidente da FEB, Wantuil de Freitas. Alguns líderes que participavam deste Congresso compareceram à sede da FEB, para uma reunião com seu presidente e diretores. Após reiterarem a proposta para uma Confederação ou Conselho Superior do Espiritismo, novamente rejeitada por Wantuil de Freitas e por diretores da FEB, este apresentou outra proposição com dezoito itens, com os princípios para a união e unificação do Movimento Espírita, e com detalhamentos complementares para o funcionamento do Acordo. Houve aceitação da proposta pelos presentes.1,2,7 Esse Acordo foi registrado como Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, também chamado “Acordo de Cavalheiros” e cognominado por Lins de Vasconcellos como “Pacto Áureo”.2

Com base nesse “Pacto” foi instalado em 1o/1/1950 o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira (CFN), dirigido pelo presidente da FEB e que vem funcionando ininterruptamente, com representantes das federativas de todos Estados.1,2 Ainda em 1950, efetivou-se a “Caravana da Fraternidade” com a finalidade de divulgar os objetivos da unificação e colher adesões de onze estados do Norte e do Nordeste ao “Pacto Áureo”. Era integrada por representantes de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; depois juntando-se um representante de Pernambuco. Ao final visitaram Chico Xavier, em Pedro Leopoldo (MG), e receberam duas mensagens psicográficas. Leopoldo Machado fez todos registros, publicados na forma de livro: A caravana da fraternidade.1,2

Vários anos depois, Carlos Jordão da Silva relembrou os bastidores do “Pacto Áureo” em entrevista para o Anuário Espírita 1974: “Após as reuniões do Congresso Pan-americano e recolhidos todos os participantes das delegações em seus respectivos hotéis, cerca de uma hora da manhã, resolvemos sair para tomar um pouco de ar e dirigimo-nos para determinada praça próxima ao nosso hotel e para a nossa surpresa todas as delegações foram chegando ao mesmo local, como que convocadas por forças invisíveis. Achamos graça por ter o Plano Espiritual nos reunido daquela forma e aquela hora da madrugada e ali mesmo marcamos uma reunido para as 8 horas da manhã, no Hotel Serrador, onde estávamos hospedados, eu e minha Senhora, e, realizada tal reunido, incumbiu-se Artur Lins de Vasconcellos Lopes a tarefa de aproximar-se da FEB para promover o encontro.”1,2,7

Ao analisar, item a item, o “Pacto Áureo” em nosso livro União dos espíritas1,2 concluímos que o “Pacto” deve ser revisto pois seu texto está superado, devendo-se citar explicitamente a fundamentação em todas obras básicas de Allan Kardec e eliminar vários itens operacionais que podem ter sido adequados para os momentos iniciais, mas atualmente não são aceitáveis. Em nosso entendimento e experiência, o “Pacto Áureo” é importante referencial histórico, mas deve ser revisto para aplicação mais adequada, considerando-se o contexto atual do movimento espírita, os textos sobre o tema alinhavados pioneiramente pelo Codificador e outros de autoria dos espíritos Bezerra e Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier.2

Ao finalizar, cabe a reflexão com que encerramos o livro União dos espíritas2, tendo como sub-título: Para onde vamos?

Referências:

1) Palestra – 70 anos do CBUE e Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. Arquivos digitais no site: www.usesp.org.br (em Documentos/Documentação histórica).

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018.

3) Cirne, Leopoldo. Antichristo. Senhor do Mundo. 1.ed. 2a Parte. Rio de Janeiro: Bedeschi. 1935. Edição digital: http://luzespirita.org.br/leitura/pdf/L163.pdf

4) Monteiro, Eduardo Carvalho; Garcia, Wilson. Cairbar Schutel – o bandeirante do Espiritismo. Matão: O Clarim. 1986.

5) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Benedita Fernandes – a dama da caridade. Araçatuba: Ed.Cocriação/USE Regional de Araçatuba. 2017.

6) Anais do 1o Congresso Espírita do Estado de São Paulo. São Paulo: USE. 1947.

7) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE – 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997.

— O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

 

(Transcrito de: Revista Internacional de Espiritismo. Matão, Setembro de 2019.P. 404-406).