Significado da palavra “consolador”

Significado da palavra “consolador”

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O capítulo VI de O evangelho segundo o espiritismo – O Cristo Consolador – contém transcrição de versículos de João que têm muita significação para a compreensão da missão do Espiritismo em nossos tempos:

“Se me amais, guardai os meus mandamentos; e Eu rogarei a meu Pai e Ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito” (João, 14:15 a 17 e 26).1,2

A palavra chave “consolador” merece algumas considerações sobre seu significado. Mas, há substituições deste verbete em diversas versões do Novo Testamento.

Bíblia adotada por Kardec

Ao se referir aos textos do Evangelho, na Introdução de O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec esclarece: “Nas citações, conservamos o que é útil ao desenvolvimento da ideia, pondo de lado unicamente o que se não prende ao assunto. Além disso, respeitamos escrupulosamente a tradução de Sacy, assim como a divisão em versículos.”1

Cabem algumas informações sobre o citado tradutor e seu trabalho. Louis-Isaac Lemaistre de Sacy (1613 – 1684) foi um sacerdote, teólogo e humanista de Port-Royal, mais conhecido por sua tradução da Bíblia, a chamada Bíblia de Port-Royal. O convento de Port Royal, localizado próximo de Paris, tornou-se conhecido pela contribuição ao desenvolvimento cultural, reunindo muitos religiosos intelectuais, como Pascal. Lemaistre de Sacy deu continuidade e completou a tradução iniciada por seu irmão Antoine Le Maistre, falecido em 1658. A tradução foi feita da Vulgata, a Bíblia traduzida para o latim por Jerônimo, na passagem do século IV para o século V. A tradução da Bíblia para o francês era uma necessidade para se garantir a inteligibilidade deste texto ao homem comum. A tradução da Bíblia de Sacy tornou-se a mais difundida na França, desde o século XVIII, com sucessivas reedições inclusive contemporâneas de Kardec, no século XIX. Aí já fica clara a razão da escolha do Codificador pela versão bíblica de Sacy.

Opções à palavra “consolador” e seus significados

A tradução de Sacy foi feita a partir da versão em latim – a Vulgata – e, como esta adota textos do Novo Testamento, originalmente redigidos em grego, torna-se interessante comentar-se o emprego da palavra “consolador” ou de seus substitutos a partir de traduções deste idioma original. O pesquisador bíblico Russell Norman Champlin faz pormenorizado estudo de O Novo Testamento, baseando-se fundamentalmente na literatura bíblica na língua inglesa, mas também cita João Ferreira Almeida. Champlin emprega a palavra “ajudador” e faz uma série de observações: “A tradução para o português João Ferreira Almeida diz Consolador, concorda com outras traduções, como King James, João Ferreira Almeida Revista e Corrigido e Imprensa Bíblica Brasileira; mas há outras traduções, como a inglesa Revised Standard Version que dizem “Conselheiro”; a tradução Charles B. Williams diz “Ajudador”, com o que concorda a tradução inglesa Goodspeed. Já a tradução inglesa New English Bible diz “Advogado”, concordando com a palavra original em muitas traduções”.3

Várias “Bíblias de Estudo” disponíveis em português, como adotam o texto bíblico Almeida Revista e Corrigido, empregam a palavra “consolador”. Já a tradicional “Bíblia de Estudo” da Editora Ave Maria, muito utilizada nos ambientes católicos, utilizada a palavra “parácleto”. Traduções recentes, do grego para o português, trazem alguns esclarecimentos sobre a citada palavra chave empregada pelo evangelista João. Na tradução de O Novo Testamento, Haroldo Dutra Dias emprega a palavra “Parácleto” e em nota de rodapé, esclarece: “alguém chamado ou enviado para prestar auxílio, consolar, confortar; defensor do réu (advogado); intercessor; alguém que exorta, instrui”.4

O especialista em idioma grego e tradutor da Bíblia do grego para o português Frederico Lourenço no citado versículo de João, emprega a palavra “auxiliador” e justifica em nota de rodapé: “[…] ‘outro auxiliador’: o sentido da palavra paráklêtos (“parácleto”) mistura a idéia de auxílio com a de advocacia; o espírito santo é o auxiliador mas também advogado e conselheiro da Humanidade”.5

Papel do Consolador

A mensagem de Cristo sobreviveu ao longo dos séculos e, em nossos dias, há o esforço para a implantação e a difusão da mensagem do “Consolador Prometido” pelo Mestre e de acordo com O evangelho segundo o espiritismo, vivemos a época do “Consolador Prometido”.6 Allan Kardec define claramente seu papel: “[…] realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da Lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.”1

No capítulo já citado de O evangelho segundo o espiritismo, o Codificador inclui quatro mensagens do Espírito da Verdade, como Instruções dos Espíritos. Destas, destacamos alguns trechos1:

“Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram.” “[…] os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem-amados meus.” “Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem”.

Entendemos que no texto do Codificador ficam claras as significações das várias traduções da palavra grega “paracleto”: auxiliador, ajudador, advogado, conselheiro, confortador, ou seja, no conjunto: um esclarecedor consolador.

Referências:

1. Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Ribeiro, Guillon. Cap. Introdução e VI. Brasília: FEB.

2. Le nouveau testament de Notre-Seigneur Jésus-Christ. Trad.Le Maistre de Sacy. Bruxelles: La Société Biblique Britannique et Éstrangère. 1846.

3. Champlin, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado: versículo por versículo. Vol. 2. São Paulo: Hagnos. 2014. p. 691.

4. O novo testamento. Trad. Dias, Haroldo Dutra. 1.ed. Brasília: FEB, 2013. p. 446-447.

5. Bíblia, Novo Testamento: os quatro Evangelhos. Vol.I. Trad. Lourenço, Frederico. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras. 2017. P. 387.

6. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais: aspectos históricos e visão espírita. Matão: O Clarim. 2018.

(*) Artigo do autor, publicado na Revista Internacional de Espiritismo, em 2018.