O filme “Napoleão” – repercussões e visão espiritual

O filme “Napoleão” – repercussões e visão espiritual

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O filme “Napoleão” exibido nos cinemas brasileiros desde 23 de novembro, tem provocado continuados comentários nas redes sociais sobre a história do vulto. Dirigido por Ridley Scott, o filme é um olhar original sobre Napoleão Bonaparte, com foco na sua vida pessoal e relações com a esposa Josephine, mas desfilando lances da trajetória militar e política de glórias até a derrota e exílio na ilha de Santa Helena.

Há muitas nuances importantes e destacadas de Napoleão, em geral lembrado apenas como conquistador da Europa.

Esse contexto nos reavivou as leituras sobre alguns momentos da vida do grande vulto europeu do século XIX, relacionados com o Brasil, que não foram objeto do filme, e sobre a pouco divulgada ótica espiritual.

Em seguida à Revolução Francesa, com os desatinos do período do “terror”, emergiu o personagem militar e político Napoleão Bonaparte para reorganizar a nação. Ele se preocupava em restaurar a autoestima e um melhor estado de espírito do cidadão. Foi o responsável por estabelecer uma nova maneira de relacionamento com a Igreja Católica, até então tida como oficial. A Concordata de 1801, celebrada entre Napoleão e o Papa Pio VII, foi um acordo que visava a restauração da Igreja Católica na França pós-revolução. Como Imperador favoreceu um novo Código Civil e preocupou-se com a educação, com estímulo à Escola Normal (formação de professores) e a Escola Politécnica (engenharia, ciências e tecnologia).

Destacamos que o Brasil Império se formou, indiretamente, devido a Napoleão Bonaparte que provocou a fuga da família real portuguesa para o Brasil. Com a sede do Império português fixada no Rio de Janeiro e, na sequência, com a independência proclamada por Dom Pedro, evitou-se a divisão do Brasil em três províncias, conforme um projeto existente na época, o que ocorreu com as colônias espanholas da América do Sul, gerando diversas repúblicas.

Há especulações que teria havido um plano frustrado de correligionários franceses de resgatar o imperador exilado na ilha de Santa Helena, em pleno Oceano Atlântico, e trazê-lo inicialmente para o Brasil.

Interessantes são fatos post mortem gerando outra influência de Napoleão.

Curiosamente, o corpo de Napoleão ficou durante algum tempo a bordo de uma fragata francesa ancorada na Baía da Guanabara, nos idos de 1840.1 O fato é relatado em biografia sobre o príncipe Dom João de Orléans e Bragança (1916-2005), bisneto de Dom Pedro II. O biógrafo comenta que Francisco de Orléans, o príncipe de Joinville, filho do rei da França Luís Felipe de Orléans, atendendo determinação do pai viajou para a ilha de Santa Helena para repatriar os restos mortais do Imperador falecido em 1821. Em função dos ventos, a fragata na vinda e na volta dirigiu-se ao Rio de Janeiro. Nesse retorno de Santa Helena, o príncipe casou-se no Rio de Janeiro com a princesa Francisca de Bragança, irmã do jovem imperador D. Pedro II. Como dote, a princesa recebeu algumas terras que, adotando o nome do marido, depois originou a designação da cidade de Joinville, em Santa Catarina.

Assim, passando pelo porto do Rio de Janeiro, o corpo de Napoleão foi levado para a França e ocorreram as solenes exéquias em Paris e foi erigido o histórico mausoléu em Les Invalides. Aliás, tivemos oportunidade de visitar o local histórico.

Anos depois essa irmã de Pedro II indicava um sobrinho Orléans para se casar com a princesa Isabel, o Conde D’Eu. Desse consórcio desenvolveu-se a família real brasileira.

Outro detalhe, é que a primeira esposa de Napoleão – a Imperatriz Josephine -, resultante de seu primeiro consórcio teve uma neta, Amélia Leuchtenberg, que se casou com o viúvo Dom Pedro I, tornando-se Imperatriz consorte do Brasil (1829-1831). O curioso é que seus restos mortais foram trasladados para o Brasil em 1982 e jazem na Cripta Imperial do Monumento à Independência do Brasil, em São Paulo, juntamente com os restos de Pedro I e da Imperatriz Leopoldina.

No final do século XIX foram adotadas no Brasil as experiências francesas de Escolas Normal e Politécnica, a tradição militar notadamente na cavalaria, e houve influências do Código Civil francês.

Por outro lado, torna-se interessante uma visão espiritual com os comentários de Emmanuel:

“[…] atribuições de missionário, foi Napoleão Bonaparte, filho de obscura família corsa, chamado às culminâncias do poder. O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Árcole e de Rívoli, com a paz de Campoformio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o pensamento. […] Sua história está igualmente cheia de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de general manteve-se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no seio de outros povos. […] Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças; mas, no Além, seu coração sentiu melhor a amplitude das suas obras, considerando providencial a pouca piedade da Inglaterra que o exilou em Sta. Helena após o seu pedido de amparo e proteção. Santa Helena representou para o seu espírito o prólogo das mais dolorosas e mais tristes meditações, na vida do Infinito.”2

O espírito Humberto de Campos (Irmão X), relata uma reunião no mundo espiritual que teria acontecido em 1799, quando o então 1o Consul Napoleão – “César ontem” -, legiões dos Césares, vultos do Império Romano, guerreiros das Gálias, vários paladinos da cultura, teriam se encontrado no mundo espiritual com o espírito daquele que reencarnaria como Allan Kardec.

Napoleão teria sido advertido:

“Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder. Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte… Lembra-te de que o sofrimento do povo francês perseguido pelos flagelos da guerra civil…” Nesse encontro espiritual era anunciado: “Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra”.3

Com base na informação de Emmanuel que Napoleão viveu em Santa Helena “as tristes meditações, na vida do Infinito” e “no Além, seu coração sentiu melhor a amplitude das suas obras” torna-se cabível o raciocínio espírita sobre a Justiça Divina e não o antigo, vinculado a condenações.

Sabe-se que a misericórdia Divina, com base no espiritismo, oferece oportunidades de arrependimento e muitos vultos que se equivocaram tiveram reencarnações intermediárias de expiações e provas para prosseguir na trajetória de regeneração espiritual. Muitos vultos da História que cometeram enganos prosseguem em processos de refazimento de rotas no nosso mundo.

Na leitura de vários romances, notadamente os históricos assinados por Emmanuel, pode-se inferir que vários se encontram em processos de ajustes espirituais nas terras do chamado mundo novo.

Por isso, provavelmente, o espírito notabilizado como Napoleão permaneceria bem distante dos cenários das marcantes lutas e, quem sabe, como muitos outros, não estaria em novos testes educativos nas plagas “lá embaixo da linha do Equador” (expressão que já escutei de um francês) onde ele provocou influências a distância e que seus restos mortais ficaram passageiramente atracados?

Em realidade, “cada individualidade, na prova, como na redenção, como na glória divina, tem uma função definida de trabalho e elevação dos seus próprios valores”.2

Referências:

1) Gueiros, José Alberto. História de um príncipe. Cap. VII. Rio de Janeiro: Record. 1997.

2) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Cap. XXII e VIII. Brasília: FEB.

3) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Irmão X. Cartas e crônicas. Cap. 28. Brasília: FEB.