O mal e a obediência à autoridade

O mal e a obediência à autoridade

Almir Del Prette (*)

“E disse Deus: Toma o seu filho, o seu único Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e oferece-o aí em holocausto sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar (…). E chegando ao local, Abraão amarrou Isaac e tomando o cutelo para imolar seu filho, quando um Anjo do Senhor o deteve” (Gênesis 22:1-24) (1)

“Eu percebo o significado trágico da bomba atômica (…). É uma responsabilidade terrível que chegou até nós (…). Agradecemos a Deus que veio a nós, em vez de ir para os nossos inimigos; e oramos para que Ele nos guie para usá-la em Seus caminhos e para Seus propósitos”. (2).

“Acione o choque, pois ele errou a resposta… outra vez… agora aumente a voltagem do choque… Isso, continue… A instrução do pesquisador foi dada de forma tranquila ao colaborador da pesquisa que, então, girava o botão aumentando a voltagem”. Registro resumido baseado nas publicações sobre a pesquisa conduzida por Stanley Milgran(3), sobre obediência a autoridade, dezesseis anos após o término da 2ª. guerra mundial. (3)

O primeiro registro acima consta da Bíblia (Gênesis), livro de várias religiões cristãs. A narrativa fornece indicações sobre a atribuição de uma tarefa a Abraão, por Deus. Abraão foi instruído a oferecer o filho em holocausto. A ordem não dava margem a dúvida, pois mencionava o nome Isaac (“único filho, Isaac a quem amas”), especificava também o local onde deveria ocorrer a execução (Moriá). Uma imensa parcela de religiosos defende que os relatos bíblicos se referem a acontecimentos reais e que, nesse trecho da Bíblia, Deus teria aparecido para Abraão e ordenado que este executasse seu filho.

O segundo registro é um recorte do discurso proferido por Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos, dirigido à nação poucos dias após as explosões das bombas atômica e de plutônio (9/8/1945), lançadas, respectivamente, sobre Hiroshima e Nagasaki. Os termos da ordem usada pelo presidente, transmitida ao alto comando, não foram divulgados na íntegra. Sabe-se que houve uma ordem dada pelo presidente, pois cabia a este, como autoridade suprema da nação, a tarefa de autorizar o uso dessas armas de grande poder destrutivo. Portanto, como se tratava de artefatos ainda não utilizados em uma guerra, cabia ao presidente a decisão de endereçar ao alto comando a ordem de voo para o lançamento das bombas. O alto comando, incontinenti, retransmite a ordem para a força-tarefa na pessoa do líder da missão (4). As informações repassadas à sociedade e o discurso de Truman tinham como objetivo principal justificar o emprego dessas armas de grande poder destrutivo em um país que estava próximo da rendição, considerando que as demais nações do eixo já haviam assinado a capitulação. A nação americana e o mundo precisavam de uma justificativa para esses ataques devastadores e, então, assessores convenceram o presidente que a melhor justificativa seria a de agradecer a Deus que havia guiado os passos dos americanos nessa direção. Dito de outra maneira, tomar Deus como parceiro, o que foi prontamente aceito por Truman.

O terceiro registro selecionado sobre o tema obediência-autoridade, curiosamente ocorreu 16 anos após o término da segunda guerra mundial e trata-se de uma investigação de laboratório conduzida por um pesquisador judeu, Stanley Milgran. Resumidamente, Milgran, perplexo com o que observou durante a guerra, pretendia investigar se cidadãos comuns, cumpridores de seus deveres na sociedade, obedeceriam a ordens de produzir dor em outros por meio de choques elétricos em voltagem crescente. A pesquisa foi conduzida na Universidade de Yale, mas também em ambientes não universitários. Os interessados em maiores detalhes poderão ter acesso à descrição do experimento em um estilo menos acadêmico no YouTube. Convém antecipar ao leitor que os participantes da pesquisa de Milgran julgavam aplicar choques em pessoas que participavam de um “experimento sobre aprendizagem”. Entretanto, os que “sofriam” choques eram membros da equipe de pesquisa e simulavam reações de desconforto, contudo nada sofriam. Os que “aplicavam os choques”, seguindo instruções poderiam se recusar a fazê-lo, porém, em sua maioria, continuaram “obedecendo”, como na passagem bíblica Abraão aceitara sacrificar o filho e os oficiais americanos a arrasarem as duas cidades japonesas quando o presidente Truman autorizou o uso das bombas.

O relato completo da pesquisa de Milgran mostra que os participantes assinaram o TCLA (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), que assegurava o direito a cada participante de abandonar a pesquisa a qualquer momento que desejasse, sem nenhuma consequência para si (3).

O primeiro registro foi retirado de um livro religioso e os outros dois de fontes laicas e permitem algumas digressões sobre obediência e autoridade. Poder-se-ia questionar a inclusão do primeiro registro, dada a sua fonte. De fato, uma vez que não se pode garantir como real o ocorrido com Abraão, o que justificaria sua inclusão aqui? Entretanto, ainda que isso possa nos surpreender produzir sofrimento a “mando de Deus” ainda tem sua atualidade e ao longo do tempo vem sendo usado como estratégia militar para obter adesões a missões suicidas pelos fiéis.

O leitor atento pode também refletir que esses relatos não são os únicos que ilustram o tema da obediência. Muitos outros casos poderiam ser incluídos para estudo como, por exemplo, o de Adolf Eichmann (4), carrasco nazista, capturado na Argentina sob a acusação de ter conduzido à morte centenas de milhares de judeus, obedecendo ordens de deportá-los em comboios para os campos de concentração, onde eram assassinados. Não obstante outros casos, os três registros selecionados exemplificam condições genéricas presentes nos que ordenam e nos que obedecem. Mesmo estando separados por períodos temporais e geográficos distintos e, portanto, não redutíveis culturalmente entre si, eles se assemelham nas características dos comportamentos de ordenar-obedecer e nos resultados previsíveis contidos no comportamento de obediência.

1. Obediência e autoridade

Ao longo da história a obediência desempenhou um papel importante na sobrevivência dos humanos e, também, de organismos não humanos, por exemplo de antropoides, como os gorilas. Pode-se dizer que é quase impossível viver em grupo sem mandantes e obedientes. Essa dualidade, quando produtiva ao grupo, resulta em normas, que podem gerar comportamentos desejáveis. Estudos antropológicos(5) mostram que as habilidades sociais foram fundamentais para a sobrevivência e expansão do homo sapiens no planeta. Entre essas habilidades sociais as subclasses ouvir, concordar e atender a pedido ou ordem estão presentes em grande parte das interações diádicas ou grupais.

2. Resultados do mando e da obediência

O mandar e o obedecer nem sempre produzem benéficos para a comunidade. Com muita frequência podem chegar a resultados negativos devastadores, subdividindo grupos (nós e eles) que atingem inocentes criando rivalidades. Podem também favorecer intrigas e conflitos, que por vezes se prolongam por gerações. Daí a importância das investigações de diferentes ciências sobre essa questão, como Antropologia, Psicologia, Sociologia, Educação etc. Hanna Arendt (6), que acompanhou o julgamento de Adolf Eichmann, ficou surpresa ao se deparar com um indivíduo comum e de aparência inofensiva. Após muita observação, propôs a categoria “banalidade do mal” para auxiliar na explicação desse fenômeno. Em outras palavras, quando muitas das ordens são aceitas acriticamente por certo contingente de pessoas é porque a banalização do mal está se generalizando. Na atualidade, o mando exercido por alguém de autoridade e a obediência por colaboradores e principalmente por indivíduos anônimos, vem ganhando uma dimensão preocupante. A difusão de ordens (mais ou menos disfarçadas) em vários canais da internet pode, em apenas algumas horas, produzir reações coletivas delirantes.

3. A quem e a que ordem obedecer?

Primeiramente podemos refletir sobre os efeitos prováveis das ordens que nos são endereçadas, com ajuda de algumas perguntas: O resultado de aceitar essa ordem traz benefícios ou malefícios para outrem? Os possíveis benefícios advindos são justos e não prejudicam a terceiros? Posterior ou simultaneamente a essas questões, outras podem ser úteis para a decisão: Quem é o mandante? Quem são os beneficiados pelo cumprimento da ordem? Quais as razões para executar a ordem? Quais os problemas advindos pela aceitação da ordem? Quais são as consequências pela recusa no cumprimento da ordem?

Esses itens, em nosso entender, deveriam fazer parte da educação familiar e escolar, adaptados na linguagem e dosados conforme a idade das crianças. Na família, desde cedo a criança pode aprender a quem ela deve se aproximar ou evitar, quais convites recusar, que empreendimentos e assuntos participar. O principal recurso educativo disponível, tanto na família como na escola, é o modelo. As crianças imitam pais, irmãos mais velhos, primos, amigos, tios, avós, professores, heróis fictícios, sem precisarem de instrução. Kardec (8) perguntou aos espíritos sobre o modelo dado por Deus aos homens, visando evidentemente o progresso espiritual. A resposta foi: Jesus.

Todos nós sabemos que quanto mais evolutivamente distante no progresso espiritual se encontra alguém, mais difícil é imitá-lo; contudo Jesus, jamais propôs tarefas impossíveis de serem realizadas. Um exemplo é o da parábola do bom samaritano(9), que certamente cada um de nós já observou alguém agindo de maneira semelhante ainda que em situação diferente.

4. Banalidade do bem

Na atual crise social que estamos vivendo, observa-se um fenômeno que tem chamado a atenção de alguns analistas da comunicação. Trata-se de uma feliz generalização de comportamentos solidários em diferentes comunidades, em sua maioria desassistidas pelo poder público. Pessoas que compram, organizam, preparam, transportam e entregam as “quentinhas” para aqueles que muitas vezes não têm mais alimento algum para enfrentar a fome. São muitos os “samaritanos” que se engajam nessa meritória tarefa. Nesses casos, a rapidez da comunicação via internet é uma ferramenta imprescindível e ao invés de grupos que trocam ordens, intrigas, maledicências, verificam-se intercâmbios no WhatsApp sobre horário de recolhimento do pão, do feijão, da inclusão de mais um pequeno comércio de carne, cujo proprietário também quer contribuir… E o movimento solidário crescente permite-nos a ousadia de sonhar com a banalização do bem, o oposto do que observou Arendt em seu estudo.

5. À guisa de conclusão:

conhece-te a ti mesmo Essa frase escrita no templo de Delfos em Atenas parece muito oportuna para o tema aqui abordado. Precisamos nos conhecer para verificar se: (

a) aceitamos ordens com conteúdo que nos instigam ao mal?;

(b) identificamos fakes e objetivos subjacentes à sua divulgação;

(c) atendemos ao convite de participar de grupos que se dedicam a dar roupagem nova a acontecimentos já ultrapassados?;

(d) nossa prática cultural, disfarçada ou explicita, permanece no código de Hamurabi, “olho por olho, dente por dente” ou já ensaiamos a prática da Regra Áurea, defendida por Jesus, “fazer ao outro o que gostaria que este nos fizesse”? Convém recordar ainda que Jesus esteve às voltas com questões semelhantes. O mestre desobedeceu a todas as normas culturais que se opunham às leis maiores (defesa da vida). Por exemplo, a prática de curar no sábado. Também, recusou atender pedidos abusivos quando um grupo de fariseus e saduceus pediram que exibisse algum sinal extraordinário (8).

Para finalizar convido o leitor para uma reflexão sobre o trecho do item CARACTERES DO HOMEM DE BEM:

“O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade na sua maior pureza…” (9)

Referências:

(1) Bíblia Sagrada (Gênesis). Edições Paulinas, 1990.

(2 e 4) Wikipédia (Consultas, 11/8 e 23/08/21). 

(3 e 5) Milgran, S. Behavioral study of obedience. Journal of abnormal and social Psychology (Vol. 67, 1963, Pág. 371-378).

(6) Harari, Y.N. Homo Deus. São Paulo. Amazon, 2018.

(7) Arendit, A. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo. Companhia das Letras, 1999.

(8) Mt,16, 1-4.

(9) Kardec, A. O Livro dos Espíritos. Instituto de Difusão Espírita. Araras (SP), 1998.

Nota do Autor:

Meus agradecimentos a Zilda A. P. Del Prette pela leitura deste texto e por suas sugestões.

(*) Professor da UFsCar – São Carlos (SP).

Transcrito de: O Consolador – Revista Semanal de Divulgação Espírita. Ano 15 – N° 744 – 24 de Outubro de 2021: http://www.oconsolador.com.br/ano15/744/principal.html

 

ELES TODOS TE OUVEM

ELES TODOS TE OUVEM

Irmão Saulo (*)

O item 21 do capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo é uma mensagem mediúnica do Sr. Sanson, dada em Paris em 1863, e tem por título “Perda de pessoas amadas e mortes prematuras”.

Como vemos nas reuniões com Chico Xavier as lições desse livro (**), que é sempre aberto ao acaso por um dos presentes, caem num tema referente à maior preocupação dos participantes. Sanson, ex-materialista que se converteu ao Espiritismo lendo O Livro dos Espíritos, foi companheiro constante de Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Na sua mensagem, como nesta de Emmanuel (**), Sanson adverte que os nossos mortos amados necessitam de nossos bons pensamentos, de nossas preces, mas não do nosso desespero que só serve para faze-los sofrer, e acentua:

“Mães, sabei que vossos filhos bem amados estão perto de vós”.

Emmanuel exclama: “Eles todos te ouvem o coração na Vida Superior”.

Ao longo de mais de um século os princípios espíritas se confirmaram e continuam a se confirmar através das mensagens dos Espíritos que sempre nos assistem.

Hoje a Parapsicologia, no capítulo das investigações sobre telepatia e ultimamente sobre as comunicações mediúnicas (fenômenos theta), comprovou cientificamente a relação mental entre vivos e mortos, referendando a comprovação já feita anteriormente pela Metapsíquica e pela Ciência Psíquica Inglesa.

Estamos todos na Terra para uma breve experiência de vida material, mas a nossa vida verdadeira é a espiritual. Os que partem antes de nós concluíram a sua tarefa e estão livres dos tormentos da vida terrena. Mas como nos amam, continuam ligados a nós pelo pensamento, pelo sentimento, pelo amor que nos dedicam.

Já não se trata mais de uma questão de crença, mas de uma certeza milhões de vezes comprovada. Precisamos compreender isso para não os perturbarmos na vida espiritual com o desespero do nosso amor egoísta. Eles vivem e nos esperam para o reencontro.

Texto transcrito de: Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano; Autores diversos. Na era do espírito. Cap. 13. São Bernardo do Campo: GEEM

(*) Pseudônimo de José Herculano Pires.

(**) Vide o texto de Emmanuel “Mortos amados”, desse mesmo capítulo de livro citado, em “Mensagens” dessa página eletrônica.

Manifestações de gratidão

Manifestações de gratidão

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Como primeira viagem doutrinária após o início da pandemia e em função da pré-estréia do filme “Benedita. Uma Heroína Invisível – O Legado da Superação" estivemos em nossa terra natal Araçatuba, com intensos compromissos doutrinários.

Esse filme tem vinculações conosco; seu enredo foi adaptação de nosso livro Benedita Fernandes. A dama da caridade, atualmente editado pela Cocriação, de Araçatuba; e, há alguns anos acompanhamos o idealismo de seu diretor, Sirlei Nogueira, no planejamento e na execução do filme com recente pré-estreia e lançamento comercial previsto para 2022.

Vários programas especiais sobre esse vulto histórico foram transmitidos pela “Estação Dama da Caridade Benedita Fernandes”, com canais no You Tube e no Facebook, coordenada por Sirlei Nogueira.

Benedita Fernandes, curada de uma obsessão, transformou-se em dedicada seareira, fundadora da primeira obra assistencial espírita na cidade e região nos idos de 1932. Desencarnou envolvida em ambiente de respeito e admiração da população de Araçatuba aos 09 de outubro de 1947. Daí a razão da pré-estreia do filme nessa data.

A primeira manifestação de gratidão é ao espírito homenageado, Benedita Fernandes. Ao longo de nossa existência sempre sentimos e recebemos informações sobre a atuação continuada e muito próxima dessa benfeitora espiritual e relatamos alguns episódios em nosso recente livro Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões, também editado pela Cocriação (2021).

Mas durante nossa recente visita a Araçatuba estivemos em atividades espíritas em algumas instituições. De lá mudamos há 32 anos, residindo em São Paulo, Brasília e retornando a São Paulo.

Na União Espírita Paz e Caridade e Abrigo Ismael que, respectivamente, completam 100 e 80 anos de fundação, onde nossa esposa Célia participou da fundação de Mocidade Espírita em 1965, também local de atuação de sua genitora Joana e do nosso tio Pedro Perri.

Em visita à Instituição Nosso Lar, fundada por Emília Santos e os irmãos Bebé e Rolandinho Perri Cefaly (nossa genitora e o tio), rememoramos o local onde iniciamos nossas atividades e em 1964 fundamos uma Mocidade Espírita. Atualmente, nosso irmão Paulo Sérgio Perri de Carvalho é o presidente da Instituição.

Também visitamos um trabalho novo na cidade, o Projeto Chico Xavier, implantado em bairro da periferia de Araçatuba, com atendimentos material e espiritual.

Nos encontros com pessoas na apresentação do filme e nas visitas às instituições citadas, reencontramos antigos companheiros de atuação espírita, e, em outros ambientes com ex-alunos, funcionários e ex-orientados nossos na Faculdade de Odontologia da UNESP.

A visita à terra natal, com reencontros familiares e amigos, chamou-nos atenção pelos sentimentos externados de amizade, fraternidade e também de gratidão.

Se cultivamos gratidão a Benedita Fernandes e a várias outras entidades espirituais vinculadas à cidade, por outro lado, depois de muito tempo fora da cidade natal, sem que imaginássemos percebemos manifestações de boas recordações e de afeto evocando os tempos e ações lá vivenciados.

Isso nos remete a alguns pensamentos motivadores:

“Dando sempre graças a Deus por tudo, em nome de Nosso Senhor Jesus-Cristo…” – Paulo ( Efésios, 5,20); “Senhor Jesus! Nós te agradecemos: […] por todos os demais tesouros de esperança e amor, alegria e paz de que nos enriqueces a existência, sê bendito, Senhor, ao mesmo tempo que te louvamos a Infinita Misericórdia, hoje e para sempre” – Emmanuel (Coragem, FCX, Ed.CEC)

(Foi dirigente espírita e docente de Faculdade em Araçatuba; ex-presidente da USE-SP e da FEB).

As origens revisitadas com intensidade

As origens revisitadas com intensidade

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Em função da pré-estréia do filme “Benedita. Uma Heroína Invisível – O Legado da Superação", em Araçatuba, visitamos nossa terra natal com intensos compromissos, juntamente com a esposa Célia, o filho Flávio e a amiga Carol.

A pré-estréia do filme sobre Benedita Fernandes contou com exibições no Teatro Paulo Alcides Jorge, entre os dias 9 e 14 de outubro. No hall havia uma exposição com telas artísticas sobre a homenageada e a reprodução da entrada de uma casinha de madeira, semelhante às elaboradas por Benedita nos anos 1920. O diretor do filme Sirlei Nogueira, atores, dirigentes espíritas, representantes dos produtores e da Prefeitura, prestigiaram o evento. Como autor do livro adotado como roteiro “Benedita Fernandes. A dama da caridade” (Ed.Cocriação, Araçatuba) também fizemos uma saudação no início das exibições.

Divaldo Pereira Franco, que participa como um dos depoentes no filme, anotou em mensagem sobre a pré-estréia: "Cesar, exulto de alegria com o filme da gloriosa irmã amada. Meus parabéns a você e todos. Estou acompanhando. Abraços a todos. Divaldo".

Comparecemos na TV Cidade – coligada da TV Gazeta de São Paulo para entrevista sobre o filme e nosso livro sobre Benedita em programa de Reggis Antonio.

A União Espírita Paz e Caridade e Abrigo Ismael que, respectivamente, completam 100 e 80 anos de fundação, contou com palestra nossa e o lançamento do livro “Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões” (Ed.Cocriação). Nessa instituição, nossa esposa Célia participou da fundação de Mocidade Espírita em 1965, também local de atuação de sua genitora Joana e do nosso tio Pedro Perri.

Era indispensável a visita à Instituição Nosso Lar, fundada por Emília Santos e os irmãos Bebé e Rolandinho Perri Cefaly (nossa genitora e o tio). Naquele local iniciamos nossas atividades e em 1964 fundamos uma Mocidade Espírita.

Visita significativa ocorreu ao Projeto Chico Xavier, implantado em bairro da periferia de Araçatuba, com atendimentos material e espiritual, coordenado por Ricardo dos Anjos, com apoio de Osvaldo Magro Filho e Maria Luzia Almeida Rosa. Juntamente com nossa esposa proferimos rápidas exposições evangélicas.

Em função da nossa obra “Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões” e acompanhado pelo editor Sirlei Nogueira, visitamos dois espaços de cultura da cidade: para uma entrevista na Academia Araçatubense de Letras, da qual fomos membro fundador; e, oferta desse livro sendo recepcionado pelo acadêmico presidente Arnon Gomes. Também ofertamos essa obra à Biblioteca Municipal Rubens do Amaral. Interessante foi a foto com a Bibliotecária defronte à tela de Benedita Fernandes, na galeria de vultos de Araçatuba.

A visita à terra natal, com reencontros familiares e primeira viagem doutrinária desde o início da pandemia, foi intensa e plenamente justificável.

(Foi dirigente espírita e docente de Faculdade em Araçatuba; ex-presidente da USE-SP e da FEB).

Filme sobre Benedita em pré-estréia 74 anos após sua partida

Filme sobre Benedita em pré-estréia 74 anos após sua partida

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A pioneira da assistencial social espírita na região de Araçatuba, Benedita Fernandes, completou sua existência física no dia 09 de outubro de 1947.

Considerada “louca”, foi curada por espíritas, pois seu desequilíbrio era obsessão espiritual. Em seguida, empreendeu um vasto trabalho assistencial em Araçatuba a partir da fundação da Associação das Senhoras Cristãs, em 1932.

Na elaboração de nosso livro Benedita Fernandes. A dama da caridade reunimos pesquisas e entrevistas. Foi lançado nas comemorações do Cinquentenário (1982) da instituição por ela fundada e atualmente é editado pela Cocriação. O espírito pode evidenciar sua sobrevivência e sua identidade. Em viagens para palestras, no Brasil e no exterior, recebemos informações sobre Benedita, sempre de forma espontânea e através de diferentes médiuns. As mensagens iniciais, psicografadas por Divaldo Pereira Franco, foram incluídas em nosso livro e em obras desse médium.

Benedita Fernandes é um espírito ativo, lúcido e benfazejo, agora conhecida nacionalmente!

Coincidindo com os 74 anos da desencarnação de Benedita Fernandes, entra na etapa de pré-estréia em Araçatuba, com o apoio da Secretaria da Educação da Prefeitura Municipal, o filme “Benedita: uma heroína invisível. O legado da superação”. Esse filme foi elaborado durante alguns anos, baseado principalmente no livro Benedita Fernandes. A dama da caridade, de nossa autoria (Ed.Cocriação/USE Regional de Araçatuba). O roteiro e direção é de Sirlei Nogueira (de Araçatuba); co-produção: Lalucci Filme e Cocriação Editora; direção de produção Samuel Lalucci. O filme conta com um clipe com música tema de Paula Zampp e maestro Mário Henrique, intérpretes Paula Zampp e Gabriel Rocha. No componente de documentário, há entrevistas e depoimentos de várias pessoas, como Divaldo Pereira Franco, Wagner Gomes da Paixão, Ana Jaicy Guimarães, Luiz Carlos Barros Costa e conosco. Na dramatização de diversos episódios da vida de Benedita atua como atriz principal Sílvia Teodoro.

A atriz Sílvia Teodoro, desencarnou com 54 anos de idade em Araçatuba no dia 19 de março deste ano; era dedicada ao teatro na cidade e região, formada em psicologia e espírita atuante.

O novo filme é um marco histórico para Araçatuba e para o movimento espírita em geral.

(Extraído do jornal Folha da Região, Araçatuba, 06/10/2021, p.2)

Atualidades sobre Kardec

Atualidades sobre Kardec

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O movimento espírita tradicionalmente evoca o Codificador Allan Kardec na passagem da data de seu nascimento – 3 de outubro de 1804 -, ocorrido em Lyon.

Atualmente sabe-se que Hippolyte Léon Denizard Rivail apenas nasceu na histórica cidade francesa e nunca lá residiu. Foi criado com a família de sua genitora em Bourg en Bresse e Saint Denis les Bourg, duas cidades do Departamento de Ain, próximas a Lyon. Já se esclareceu que seu genitor, Jean-Baptiste Antoine Rivail, não desapareceu em guerras napoleônicas, mas, após estas, constituiu outra família no oeste da França e desencarnou aos 75 anos em 1834. Rivail estudou em Yverdon com Pestalozzi e depois atuou como professor em Paris, casou-se com Amélie Boudet, destacada companheira como professora e depois nas lides espíritas. Ambos criaram e educaram uma menina chamada Jeanne Louise, provavelmente adotiva e que desencarnou bem jovem.

Após viver a experiência de professor, tradutor, interessado em temas emergentes na época como o magnetismo, entrou em contato com os fenômenos das chamadas “mesas girantes”. Em seguida, o ilustre professor onde veio a executar seu papel como Codificador do Espiritismo. Como intelectual, portador de uma dose de ceticismo, e visão de arguto observador, rapidamente superou a etapa inicial de envolvimento com os fenômenos e passou a centralizar sua atenção na análise do conteúdo das informações que emanavam dos chamativos fatos ou efeitos pois, necessariamente “haveriam de ter uma causa”…

A partir da publicação de O livro dos espíritos, rapidamente se sucedem outras obras, naturalmente, um desdobramento aprofundado e com sentido prático, a partir das quatro grandes partes da obra pioneira. Do conjunto se destacam aquelas que são consideradas as obras básicas do Espiritismo: O livro dos espíritos, O livro dos médiuns, O evangelho segundo o espiritismo, O céu e o inferno e A gênese. Simultaneamente, o lúcido Kardec, dá início à Revista espírita, funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e empreende viagens para intercâmbio com grupos espíritas nascentes pelo interior da França e da Bélgica.

Num prazo curto de tempo, com atividades múltiplas e muito intensas, Allan Kardec deu início à Doutrina, à imprensa, a uma instituição e a uma movimentação de intercâmbio e compartilhamento de ideias e de experiências. Todas essas ações fazendo juz à adjetivação “espírita”, no conceito por ele caracterizado.

Kardec realmente foi o começo!

A propósito da palavra e do enunciado acima citados, lembramos que neste ano completa-se 50 anos da aprovação inicial da “Campanha Comece pelo Começo”. Esta foi idealizada pelo publicitário muito dedicado ao Espiritismo Merhy Seba e tem por foco a valorização das obras da Codificação Espírita, de Allan Kardec. Historicamente, a Campanha “Comece pelo Começo” foi aprovada no final do ano de 1971 pelo Conselho Metropolitano Espírita da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (atual USE Regional de São Paulo). Este tinha como presidente, Ignácio Giovinne; vice-presidente Attílio Campanini; equipe da Divulgação do C.M.E. participavam: Merhy Seba, Agostinho Andreoletti, Aparecido Onofre Belvedere (atualmente em O Clarim, Matão), José Meciano, José Domingos, José do Prado, Lionel Motta e Zulmiro dos Santos. No início de 1972 essa Campanha já foi implementada em nível da Capital. Naquela época assistimos exposição de Merhy Seba sobre o tema na II Confraternização de Mocidades e Juventudes Espíritas do Estado de São Paulo (COMJESP), em Marília, em abril de 1972. A referida Campanha nos interessou porque à época éramos presidente da União Municipal Espírita de Araçatuba (atual USE Intermunicipal de Araçatuba) e reforçaria nossos esforços de divulgação.

Depois de aprovada pelo Conselho Deliberativo Estadual da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, a marcante Campanha foi lançada em nível estadual no ano de 1975, com a divulgação de cartazes e folderes definindo o objetivo da mesma e apresentando uma síntese sobre as obras de Kardec. Em nível nacional essa Campanha foi aprovada pelo Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, durante nossa gestão como presidente, em reunião de novembro de 2014.

À vista da proliferação de livros espíritas – e com a influência de vários modismos -, criando desfocagens sobre a literatura básica e nas ações a ela relacionadas, e também pelo fato de que muitos cursos se basearem em material apostilado, torna-se muito importante que os centros e o Movimento Espírita dêem prioridade para a divulgação e o estímulo à leitura e ao estudo das Obras Básicas do Espiritismo. No mês em que Allan Kardec é rememorado no movimento espírita, é oportuna a valorização ao estímulo pelo estudo de suas obras, ou seja, “comece pelo começo”!

Recentemente foram exibidos os filmes “Kardec”, nos cinemas, e, a série “Em busca de Kardec”, em TVs por assinatura e na TV Cultura. Nos últimos anos com a disponibilização por instituições oficiais da França de documentos digitalizados muitos detalhes estão vindo à tona e outros poderão ser acrescentados aos momentos pós-Kardec em Paris. As biografias clássicas de Kardec estão desatualizadas.

Em nosso país, os documentos que estavam em poder da família do dr. Canuto Abreu, estão sendo trabalhados na Fundação Espírita André Luiz, de São Paulo, e em convênio com pesquisadores do NUPES da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Na atualidade, há várias páginas eletrônicas que disponibilizam informações sobre a vida e obra de Allan Kardec, como: Autores Espíritas Clássicos; CSI Imagens e Registros Históricos do Espiritismo; ECK – Espiritismo com Kardec; GEAE – Grupo de Estudos Avançados Espíritas; Grupo Espírita Amélie Boudet; IPEAK – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec; Jornal de Estudos Espíritas; Kardecpedia; Liga de Pesquisadores do Espiritismo; NUPES – Núcleo de Pesquisa e Espiritualidade em Saúde da UFJF.

Bibliografia:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. Cap. 6.2. São Paulo: USE. 2016.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Caps. 2.16 e 5.11. Araçatuba: Cocriação. 2021.

3) Página eletrônica: https://www.allankardec.online/

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

A vida de Cairbar Schutel

A vida de Cairbar Schutel

Cairbar Schutel nasceu no Rio de Janeiro a 22 de setembro de 1868. Era filho de Antero de Souza Schutel e de D. Rita Tavares Schutel. Frequentou o Colégio D. Pedro II.

No Rio praticou em diversas farmácias e aos 17 anos veio para o Estado de São Paulo, exercendo sua profissão em Piracicaba, Araraquara e depois em Matão, onde residiu 42 anos.

Foi um dos fundadores de Matão e seu primeiro Prefeito, trabalhando incansavelmente pelo progresso desta localidade, onde militou na política por alguns anos. Matão deve-lhe relevantes serviços. Católico romano por tradição, Cairbar Schutel muito fez pelo brilho dessa religião, com a sinceridade que caracterizou Saulo de Tarso. Mas como essa religião não respondia às perguntas íntimas que Cairbar fazia com respeito ao seu falecido pai, procurou outras fontes de informação fora da Igreja.

Nesse tempo residiam em Matão seus amigos Calixto Prado e Quintiliano José Alves, que convidados por Cairbar Schutel, fizeram com ele sessões de tiptologia com a trípode pequena mesa com três pés). Foi então que, conhecendo que a vida continuava além do túmulo, estudou e abraçou o Espiritismo e dele se tornou um dos maiores propagandistas.

Seu trabalho logo começou a aparecer: Fundou em 15 de julho de1905, o Centro Espírita Amantes da Pobreza. Logo a seguir, a 15 de agosto desse ano, lançou à luz da publicidade O Clarim, em formato pequeno, que logo se ampliou, atingindo sua tiragem a 10.000 exemplares nos últimos anos. Além disso fazia propaganda da doutrina por meio de boletins e panfletos, fazendo ainda palestras doutrinárias nas cidades circunvizinhas, inclusive programas radiofônicos na antiga PRD-4 de Araraquara. Sua atividade não parou. Assim foi que, a 15 de fevereiro de 1925, fundou a Revista Internacional de Espiritismo dedicada aos estudos dos fenômenos anímicos e espíritas. Este mensário conta com a colaboração de eminentes mentalidades mundiais, circulando não só entre as suas congêneres.

Seu trabalho não se resumiu nessas duas publicações. Apareceram de sua brilhante pena, os seguintes livros: Espiritismo e Protestantismo, setembro de 1911; Histeria e Fenômenos Psíquicos, dezembro de 1911; O Diabo e a Igreja , dezembro de 1914; Médiuns e Mediunidades, agosto de 1923; Gênese da Alma, setembro de 1924; Materialismo e Espiritismo, dezembro de 1925; Fatos Espíritas e as Forças X…, maio de 1926; Parábolas e Ensinos de Jesus. janeiro de 1928; O Espírito do Cristianismo, fevereiro de 1930; A Vida no Outro Mundo , outubro de 1932; Vida e Atos dos Apóstolos, fevereiro de1933; Conferências Radiofônicas, setembro de 1937.

Cairbar não dava só a sua inteligência em proveito do seu próximo. Oferecia o seu coração socorrendo os pobres e os enfermos com grande dedicação. Após curta enfermidade faleceu em Matão, dia 30 de janeiro de 1938, às 16:15 horas, o "Bandeirante do Espiritismo"- Cairbar Schutel.

Extraído de: www.oclarim.com.br

Madalena havia sido prostituta?

Madalena havia sido mesmo prostituta, qual o problema?

André Ricardo de Souza (*)

Maria Madalena ou Maria de Mandala, esta uma antiga vila próxima de Cafarnaum, tem a trajetória mais enigmática e controversa da história do cristianismo.Não por acaso, foi abordada em vários livros e filmes, além de uma popular série televisiva.

Sua peculiaridade se deve ao fato de o Papa Gregório I (Gregório Magno, 540-604) ter feito determinada confusão. Afirmou ele, em 591, que Madalena seria tanto a mulher anônima que, dentro da casa do fariseu Simão, na cidade de Naim, lavou em lágrimas, ungiu com perfume e secou com os seus cabelos os pés de Jesus (Lucas 7, 33-50), quanto Maria, a irmã de Marta e Lázaro, que fez algo semelhante na cidade de Betânia, porém sem prantos e com um perfume mais caro,conforme:Mateus 26, 6-13; Marcos 14,3-9 e João 12,1-8 (Tomaso, 2020).

A partir da pregação daquele pontífice em prol do valor do arrependimento, Madalena, passou a ser reconhecida como prostituta convertida ou “pecadora arrependida”, deixando de ter o título de “apóstola dos apóstolos”, algo que seria retomado somente em 2016 pelo Papa Francisco. É bastante veemente e frequente a negação de que Madalena foi prostituta.

No meio espírita, é comum a acusação à Igreja Católica pela deturpação ocorrida da imagem daquela que acompanhou Jesus na crucificação e foi a primeira a avistá-lo, já ressuscitado, sofrendo desconfiança dos apóstolos, também pelo baixo valor então atribuído à palavra das mulheres em geral.

Mas no livro Boa Nova, o espírito Humberto de Campos (2013, p. 127-128) explicita que a apóstola havia sido efetivamente não só prostituta, mas também a mulher sofredora retratada apenas no Evangelho de Lucas:

"Maria de Magdala ouvira as pregações do Evangelho do Reino, não longe da vila principesca onde vivia entregue a prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tomara-se de admiração pelo Messias. (…) Decorrida uma noite de grandes meditações e antes do famoso banquete em Naim, onde ela ungira publicamente os pés de Jesus com os bálsamos perfumados de seu afeto, notou-se que uma barca tranquila conduzia a pecadora a Cafarnaum. Dispusera-se a procurar o Messias, após muitas hesitações. Como a receberia o Senhor, na residência de Simão? Seus conterrâneos nunca lhe haviam perdoado o abandono do lar e a vida de aventuras. Para todos, ela era a mulher perdida, que teria de encontrar a lapidação na praça pública."

Ali na casa de Simão Pedro – que lançou sobre ela um “olhar glacial, quase denotando desprezo” – Madalena ouviu de Jesus algo profundamente marcante que o apóstolo reproduziria, mais tarde, em sua primeira epístola: “o amor cobre a multidão de pecados” (1 Pedro, 4:8).

E Humberto de Campos (2013, p. 132-133), complementa sobre ela:

"Humilde e sozinha, resistiu a todas as propostas condenáveis que a solicitavam para uma nova queda de sentimento. Sem recursos para viver, trabalhou pela própria manutenção, em Magdala e Dalmanuta (…) Certo dia, um grupo de leprosos veio a Dalmanuta. Procediam da Idumeia aqueles infelizes, cansados e tristes, em supremo abandono. Perguntavam por Jesus Nazareno, mas todas as portas se lhes fechavam. Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada, com amplo direito de empregar a sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes transmitiu as palavras de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do Evangelho."

E foi em Dalmanuta que Paulo de Tarso a conheceu enquanto ele voltava a Jerusalém, após converter-se, reunindo relatos sobre a vida de Jesus, conforme o livro Paulo e Estêvão (2013, p.466). Como sabemos, o ex-rabino – que havia sido responsável pela execução de Estêvão e outros cristãos deixou de ser grande pecador para se tornar um dos maiores servidores do Cristo na história. E tanto ele quanto Madalena foram desacreditados inicialmente pelos apóstolos quando anunciaram seus respectivos encontros espirituais com o mestre divino.Importante ainda lembrar que na referida obra de Emmanuel (2013, p. 466) e de modo coerente com Jesus, o convertido de Damasco se contrapõe à hipocrisia frequente na avaliação da conduta feminina: “Irmãos, é indispensável compreender que a derrocada moral da mulher, quase sempre, vem da prostituição do homem”.

Verifica-se, portanto, que Gregório I não estava de todo enganado. E quanto às prostitutas, que, hoje, recebem, em alguns lugares, auxílio da católica Pastoral da Mulher Marginalizada, nós observamos uma arraigada discriminação, algo que é manifestado na indignação quando se refere ao caso de Maria Madalena. Por que ela não poderia ter sido uma meretriz? Qual o problema disso? Por que ainda depreciar, indiretamente, tanto as prostitutas? Precisamos reconhecer honestamente todos os nossos preconceitos.Cabe, por fim, lembrar que o mais importante, de fato, não é o que fomos, mas sim o que nos tornamos. Ao olhar para ela, assim como para Paulo de Tarso e para Públio Lêntulo, o senador romano retratado no livro Há dois mil anos,de Emmanuel – tendo sido uma reencarnação dele – Jesus não viu a meretriz obsediada, o assassino perseguidor e o patrício orgulhoso, mas sim seres humanos, além demissionários da luz que eles viriam se tornar. Tanto quanto pudermos sem ingenuidade, mas com a firme humildade, procuremos sempre ver nossos irmãos marginalizados com os olhos verdadeiramente cristãos.

Referências bibliográficas:

TOMMASO, Wilma Steagall. Maria Madalena: história, tradição e lendas. São Paulo, Paulus, 2020.

XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo espírito Emmanuel. 45ª edição. Brasília, FEB, 2013.

_______. Há dois mil anos. Pelo espírito Emmanuel. 46ª edição. Rio de Janeiro. FEB, 2009.

_______. Boa nova. Pelo espírito Humberto de Campos. 37ª edição. Brasília, FEB, 2013.

 

(*) Professor de sociologia da UFSCar, colaborador do paulistano Núcleo Espírita Coração de Jesus e autor do e-book: A veracidade e conexões da obra Paulo e Estêvão; gratuitamente disponível em (copie e cole): http://www.oconsolador.com.br/editora/evoc.htm

Chico Xavier e os ensinos de Jesus no cinquentenário “Pinga-Fogo”

Mensagem de Jesus: do monte e às antenas

Chico Xavier e os ensinos de Jesus no cinquentenário “Pinga-Fogo”

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Nos dias 27 e 28 de julho de 1971, era transmitido ao vivo o histórico programa “Pínga-Fogo”, tendo Chico Xavier como entrevistado, na antiga TV Tupi de São Paulo.

O evento televisivo alcançou altíssimos índices de audiência e se transformou em um marco da difusão do pensamento espírita. Coroou os esforços do repórter investigativo Saulo Gomes e além dele atuaram como entrevistadores: João de Scantimburgo, Helle Alves, Reali Júnior, José Herculano Pires contando com o jornalista Almyr Guimarães como coordenador.1

Com simplicidade, desenvoltura e sempre se referindo ao apoio espiritual de Emmanuel, Chico Xavier atendeu a questões dos mais variados matizes do conhecimento e, várias delas, sendo foco de polêmicas na época. As respostas inspiradas e prudentes de Chico Xavier foram preditivas quando as analisamos após 50 anos do histórico programa, o que já tivemos oportunidade de comentar em outras matérias.2,3

À vista da época conturbada que vivemos, são oportunos alguns realces das manifestações de Chico Xavier, fazendo-se um cotejo com fundamentos ético-morais dos ensinos de Jesus. E aí, sem dúvida, o Sermão da Montanha contém a síntese das propostas de Jesus, sendo considerado o “coração do Evangelho”. O interessante é que o citado “Sermão” foi proferido sobre um lugar de destaque, registrado como um monte, para que o Mestre fosse visto e a mensagem fosse mais audível. Dezenove séculos depois, a imagem e a voz do médium Chico Xavier foram amplamente propagadas pelas antenas transmissoras de TV. Isso posto, estabelecemos uma rápida relação entre as palavras de Chico Xavier e a fundamentação notadamente no Sermão da Montanha4. Eis uns trechos significativos1:

FCX: “Nós, os espíritas evangélicos, nos detemos no Novo Testamento para compreender a essência dos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo e daqueles que o sucederam, os apóstolos da causa evangélica.” Jesus: “Não penseis que vim destruir a lei os profetas; não vim destruir, mas cumprir. […] tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas.”

FCX: “[…] estamos subordinados ao critério de Nosso Senhor Jesus Cristo que estabelece aquele princípio ‘dê a Deus o que é de Deus e a César o que é de César’, isto é, aquilo que pertence ao mundo superior da nossa mente, as realizações com Deus, que constituem o progresso e o aprimoramento de nossa alma e aquilo que nós devemos aos poderes constituídos do mundo que nos orientam e que administram os nossos interesses.” Jesus: “[…] quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita. […] Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; […] Seja o vosso falar; Sim, sim; não, não.”

FCX: “[…] a vinculação do amor não terminará nunca porque o amor é a presença de Deus. O amor continuará a nos unir, uns aos outros, para sempre e nós nos amaremos cada vez mais. Agora, vamos educar o amor porque não temos sabido amar uns aos outros conforme Jesus nos amou.” Jesus: “Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus, […] Vós sois a luz do mundo…” Tema palpitante na época, pouco depois de astronautas terem descido na Lua, surgem perguntas sobre vida extraterrestre.

FCX: “[…] vamos compreender que fazemos parte de uma só família universal, que não somos o único mundo criado por Deus. O próprio Jesus a quem reverenciamos como Nosso Senhor e mestre, disse: ”Há muitas moradas na casa de meu pai.” A essa questão torna-se explícito o registro do evangelista João sobre afirmações de Jesus: “Não se turbe o vosso coração. — Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse, já eu vo-lo teria dito, pois me vou para vos preparar o lugar.”4

Há vários trechos das respostas de Chico Xavier que merecem nossa reflexão na atualidade. Todavia, em momentos que muito se fala em “época de transição” e são nítidas as expectativas entre os espíritas a propósito da transformação de nosso habitat planetário em mundo de regeneração, há uma manifestação extremamente ponderada do notável médium quando instado a responder sobre os progressos da Civilização.

FCX: “[…] Será o preço da paz. Se pudermos nos suportar uns aos outros, amar uns aos outros, seguindo os preceitos de Jesus, até que essa era prevaleça, provavelmente no próximo milênio, não sabemos se no princípio, se nos meados ou se no fim. O terceiro milênio nos promete maravilhas, mas se o homem, filho e herdeiro de Deus, também se mostrar digno dessas concessões. Senão vamos aguentar nós todos, talvez com as estacas zero ou quase zero para recomeçar tudo de novo.” Jesus: “[…] buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, […] Eu, porém vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem; […] Sede vós, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.”

Além do valor histórico de ter exposto amplamente o pensamento espírita junto à mídia, o cinquentenário programa “Pinga-Fogo” reúne comentários e análises judiciosas do médium Chico Xavier.

Os textos e gravações que registram essa entrevista devem merecer atenção por parte da seara espírita.

Bibliografia:

1. Gomes, Saulo (Org.). Pinga-fogo com Chico Xavier. Catanduva: Intervidas. 2010. 269p.

2. Carvalho, Antonio Cesar Perri. 50 anos depois dos “Pinga-Fogos”. Revista internacional de espiritismo. Ano XCVI. N.6. Julho de 2021. P.300-302.

3. Carvalho, Antonio Cesar Perri. 50 anos do “Pinga-Fogo”: a superação de temas polêmicos na atualidade. Revista internacional de espiritismo. Ano XCVI. N.7. Agosto de 2021. P. 348-349.

4. Versículos sobre o Sermão da Montanha (Mateus, 5-7) e de João (14, 1 a 3).

Extraído de:

Revista internacional de espiritismo. Ano XCVI. N.7. Setembro de 2021.

Setembro amarelo e a valorização da vida

Setembro amarelo e a valorização da vida

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O chamado “Setembro Amarelo” é uma campanha de prevenção ao suicídio que visa à conscientização da população sobre esse grave problema e formas de evitá-lo.

Na literatura espírita há muitas informações sobre as conseqüências da prática do suicídio, desde os registros pioneiros sobre estados de alma incluídos por Allan Kardec no livro O céu e o inferno, lançado no ano de 1865.

Todavia, os conceitos alicerçados na certeza de que somos espíritos reencarnados e em processo de educação surgem desde a obra pioneira de Kardec O livro dos espíritos. Já se definia: “Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? – O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal” (questão 880). Assim, oferece condições para se compreender a oportunidade da vida corpórea e a razão para o cultivo dos valores espirituais.

Nos livros psicografados há inúmeros comentários sobre o tema assinados por milhares de espíritos, como André Luiz, sobre o valor da vida corpórea: “O corpo é o primeiro empréstimo recebido pelo Espírito trazido à carne” (Vieira, W. Conduta espírita, cap. 34. FEB); e também “A reencarnação é o meio, a educação divina é o fim” (Xavier, F.C. Missionários da luz, cap. 12. FEB). A partir dessas fundamentações espirituais, torna-se interessante considerarmos o que representa o Espírito nos contextos íntimo e social; o equilíbrio entre corpo/espírito e melhores condições de vida.  Essa última também inclui, evidentemente, o respeito e a valorização da vida corpórea.

No livro Em louvor à vida (Ed. LEAL), que elaboramos em parceria com o médium Divaldo Pereira Franco, com base em textos espirituais de nosso tio Lourival Perri Chefaly, destacamos um trecho: “Saúde e doença – binômio do corpo e da mente – são conquistas do ser, que deve aprender e optar por aquela que melhor condiz com as aspirações evolutivas, desde que a harmonia ideal será alcançada, através do respeito à primeira ou mediante a vigência da segunda.” Evidentemente que aí se incluem as causas e a profilaxia dos vários problemas que caracterizam desrespeito à vida. Ou seja, as medidas preventivas para se evitar quaisquer formas de interrupção da vida, incluindo o suicídio, o aborto, a eutanásia, e, sendo sempre importante o diagnóstico médico precoce de doenças, evitando-se que elas sejam reconhecidas em situações tardias e danosas.

No contexto da literatura espírita, sobre a questão do suicídio, ocupa lugar de destaque o livro Memórias de um suicida, da médium Yvonne do Amaral Pereira. Na Introdução dessa obra, a notável médium comenta: “Daí em diante, ora em sessões normalmente organizadas, […] dava-me apontamentos, noticiário periódico, escrito ou verbal, ensaios literários, verdadeira reportagem relativa a casos de suicídio e suas tristes consequências no Além-Túmulo, na época verdadeiramente atordoadores para mim.” E assim se desenrolam as narrativas sobre o atendimento de espíritos suicidas atendimento pela colônia espiritual Instituto Maria de Nazaré.

Por oportuno, no mês de Setembro, que é chamado de amarelo, a cor que lembra o Sol, verão, prosperidade, felicidade e desperta a criatividade, é interessante a utilização da temática no meio espírita.

Daí a importância dos estudos, palestras e seminários que possam chamar atenção para a defesa da vida, no sentido de se valorizar a existência corpórea e o processo de educação espiritual.

(Foi dirigente espírita em Araçatuba; presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e da Federação Espírita Brasileira).