O movimento espírita pós-pandemia

O movimento espírita pós-pandemia

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

No cenário atual de tragédia sanitária mundial, as afligentes situações de saúde corpórea e psíquica, as mortes muito próximas, os problemas educacionais e econômicos, o prolongado distanciamento social, caracterizam uma sensação de luto. Nessa longa pandemia há muitas transformações no mundo e no movimento e que ainda ocasionarão repercussões profundas.

O movimento espírita não está isento dos impactos dos graves problemas que se acumulam.

Os cenários induzem à necessidade de avaliação sobre a realidade do movimento espírita, providência inerente aos encarnados, como anotou Kardec: "[…] o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem."1 Os encarnados respondem pelos atos pessoais, os que envolvem a interação com a sociedade e as tarefas de gestão em instituições espíritas. Em um misto de experiências vividas, avaliações e de prospecção para um futuro próximo é necessário pensar-se como o movimento espírita se preparará para a construção de um mundo de regeneração e este não pode ser limitado a datas de início ou de término resultantes de elocubrações humanas. As palavras do Codificador em seu último discurso (novembro de 1868) contém colocações significativas: "O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas."2

O pensamento de Kardec transparece na primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, “Em nome do Evangelho”, dirigida aos participantes do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948).3 A partir da epígrafe “Para que todos sejam um” (João 17, 22), Emmanuel discorre sobre a ação de Jesus constituindo uma equipe de discípulos; convida “[…] que orientem no Evangelho quaisquer princípios de unificação, […] espírito de serviço e renunciação, de solidariedade e bondade pura que Jesus nos legou.” Situa o texto ao contexto: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora” e sugere: “unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação…”

Trata-se de parâmetro para se auferir as ações federativas e eventuais compatibilizações com as novas demandas do movimento espírita, dentro do dinâmico contexto social. As citações de Kardec e de Emmanuel são sugestivas para a superação da fase de excessivas normatizações e de práticas com ranços de preconceitos e discriminações, para se exercitar o laço moral e espiritual, em serviços de “amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício”.3

Torna-se imprescindível a avaliação das demandas do público alvo, nessa época de aflições, ansiedades e dúvidas, e, pensando-se na fase pós-pandemia. As conclusões do marcante “Projeto Convite ao Futuro – Diagnóstico e Prognóstico do Movimento Espírita Capixaba” (FEEES, 2019) devem ser analisadas de acordo com o novo horizonte social.

As experiências históricas danosas de institucionalização e hierarquização nas organizações religiosas devem subsidiar reflexões. A tradição de gestão diretiva e até autoritária que regeu muitas instituições religiosas deve ser substituída pela equipe participativa, com respeito à diversidade das condições das pessoas e das instituições.4 O arcabouço legal previsto na Constituição, e. no Código Civil para as associações e organizações religiosas determinam essas providências.

A proposta do Codificador sobre a "Comissão Central"2 pode inspirar a organização e o funcionamento de instituições vinculadas à união.

O trabalho federativo poderá ser agilizado e ampliado com ações virtuais, com redução de custos das locomoções e das grandes reuniões; deverá priorizar orientações aos centros para a atuação em encontros virtuais. Já há experiências de grandes encontros virtuais em substituição aos presenciais, que são onerosos. Nesses eventos deve-se rever a seleção de temas e de expositores. Faz falta o espaço para se tratar dos assuntos que afligem o movimento, evitando-se a pulverização de temas e a centralização em alguns expositores. Em todos Estados há valorosos lidadores com vivência suficiente para expor suas experiências num ambiente de diálogo e intercâmbio fraterno.

Para melhor atendimento à sociedade na nova fase será precisa a adequação das instituições no preparo de recursos humanos, e, de acordo com as normas para edificações: acesso, segurança e sanitárias. Na realidade, tudo é respeito à vida do ser espiritual reencarnado. A experiência com reuniões virtuais e o uso racional de espaços provocará a reavaliação sobre a necessidade de grandes sedes físicas.

As reuniões nos Centros serão simultaneamente presenciais e à distância, aperfeiçoando-se as experiências do distanciamento social. O mesmo é recomendado para as atividades de mocidade e de evangelização infantil. É imprescindível se conhecer a nova realidade dessas faixas etárias, seus contextos sócio-educacionais, interesses e necessidades. Na assistência social, o ideal será buscar-se a desvinculação de dependências financeiras de convênios governamentais, procurando-se adequar os objetivos e ações das instituições de acordo com suas condições e o contexto social onde se localizam.

No mercado livreiro, cresce a comercialização pela internet e o incremento dos e-books. Esses impactos e a busca por preços mais compatíveis com o público aumentam as dificuldades e a tendência de editoras e livrarias não se constituírem em fonte de subsistência para as instituições.

As experiências recentes de diálogos interreligiosos são importantes, com a participação de espíritas com conhecimento doutrinário, simplicidade e respeito ao pensamento das várias vertentes religiosas.

Destacamos o conceito de Emmanuel: “O Centro de Espiritismo Evangélico, por mais humilde, é sempre santuário de renovação mental em direção da vida superior. […] Um Centro Espírita é uma escola onde podemos aprender e ensinar, plantar o bem e recolher-lhe as graças, aprimorar-nos e aperfeiçoar os outros, na senda eterna.”3 Às indicações de “renovação mental”, somam-se os cuidados para se evitar o destaque para médiuns, dirigentes, expositores; com literaturas “da moda”, incompatíveis com os preceitos do Espiritismo, e, a ponderação de Kardec sobre a religiosidade.

Aí entram as situações das “perdas” de entes queridos, abalos emocionais e interrelacionados com os problemas espirituais. Nessa área, a experiência de atendimento fraterno pela internet, iniciada pela FEEES, deverá ser valorizada.

No conjunto de providências, advirá a ampliação da difusão do pensamento espírita. A certeza da imortalidade da alma e a apresentação dos ensinos de Jesus à luz do Espiritismo são temas fundamentais para se contribuir espiritualmente com a sociedade pós-pandemia e a transição para a regeneração.

No movimento e no centro, é momento para o acolhimento fraterno e a adoção de mensagem de consolo, apoio moral e de esperança espiritual; é momento de construção de caminhos novos e amplos, visando a futura regeneração!

Referências:

1) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. A gênese. Cap. Caráter da revelação espírita. Brasília: FEB.

2) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. Cap. O Espiritismo é uma religião?; Cap. Comissão Central. Revista espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB. 2005.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Emmanuel. Trajetória espiritual e atuação com Chico Xavier. Matão: O Clarim. 2020. 208p.

4) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: EME. 2018. 142p.

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

Extraído de:

A Senda, órgão da FEEES, Ano 99, No. 209, Maio-Junho de 2021, p. 5-6;

https://www.feees.org.br/wp-content/uploads/2021/05/revista-mai-jun-1.pdf (copie e cole).