Reflexões sobre união

Reflexões sobre união

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Nos últimos meses houve evocação dos 73 anos da realização 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, em São Paulo, e 72 anos da assinatura do “Pacto Áureo”, na sede da FEB, no Rio de Janeiro.

No 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, por iniciativa da então novel USE, com apoio dos Estados do Sul, foi realizado em São Paulo de 31 de outubro a 05 de novembro de 1948, tendo foco na unificação nos Estados e em nível nacional, e problemas doutrinários.

O comparecimento foi expressivo e bastante participativo, aprovando entre outras propostas: “que o espírito dominante em todos os trabalhos é o da unificação direcional do Espiritismo; que o Congresso lance aos espíritas do Brasil um manifesto sucinto e objetivo, divulgando os itens nele aprovados; promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; os entendimentos deverão ser feitos em torno da organização federativa de âmbito nacional; a entidade existente adaptada ao item anterior conserve sua autonomia social e patrimonial; o poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos e presidido pelo presidente da entidade referida.”1,2

Entre os marcos históricos desse Congresso que completa 73 anos, há a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, assinada por Emmanuel: “Em nome do Evangelho” (Pedro Leopoldo, 14/09/1948). Chico Xavier encaminhou aos organizadores com a justificativa de que ele, como convidado, não poderia comparecer.1,2,3

Eis uns trechos: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,3

A proposta da criação de um Conselho Superior do Espiritismo foi levada à consideração do presidente da FEB Wantuil de Freitas, que a recusou. No ano seguinte a USE apoiou o 2o Congresso da Confederação Espírita Panamericana, realizado pela Liga Espírita do Brasil no Rio de Janeiro. Durante esse evento, com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surgiu o encontro com a direção da FEB. Nessa inesperada reunião o presidente da FEB Wantuil de Freitas apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes aos 05/10/1949, “ad referendum” das Sociedades que representavam. A reunião depois foi intitulada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro e “Pacto Áureo” e gerou a criação do Conselho Federativo Nacional da FEB e a “Caravana da Fraternidade”.2,3 Foi um desdobramento parcial do Congresso de 1948 e, no contexto das dificuldades para a união, um documento possível para o momento, de inquestionável valor histórico, com repercussões, mas gerou também reações e decepções na época.2,3

Em uma análise acadêmica da primeira metade do Século XX, em tese de doutorado, Pedro Paulo Amorim efetivou “minuciosa pesquisa em fontes institucionais na busca da tentativa de construção da identidade espírita: Reformador, Mundo Espírita, O Clarim, Revista Internacional de Espiritismo, Revista Espírita do Brasil e o Almenara. […] pudemos destacar a atuação de quatro entre os principais intelectuais espíritas: Carlos Imbassahy, Leopoldo Machado, Deolindo Amorim e Herculano Pires”; enfatiza o “Pacto Áureo” e conclui que houve um “projeto homogeneizante da FEB em busca da pretendida hegemonia no interior do Campo Espírita Brasileiro”.4

Nessas sete décadas subsequentes ocorreram transformações no contexto do país, novas Constituições Federais, e o movimento espírita viveu grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificação de atuação. Em análise sobre o “Pacto Áureo”, comentamos no livro União dos espíritas. Para onde vamos? sobre a inadequação de seus itens: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”3

Em uma necessária adequação do “Pacto Áureo” é imprescindível a valorização das cinco obras básicas de Kardec, à vista de grande incoerência: as Federativas Estaduais são vinculadas ao CFN da FEB, com base no “Pacto Áureo” – que não se fundamenta nas cinco obras básicas -, por outro lado, orientam as instituições adesas a inserirem nos seus Estatutos artigo alusivo à fundamentação nas obras de Kardec. O lógico seria que o documento fundante e norteador do CFN da FEB faça alusão à base doutrinária do Espiritismo. Há detalhamentos adequados apenas à época da assinatura do “Pacto Áureo” e que deveriam ser coerentes com a realidade e necessidades atuais do movimento espírita.2,3

O entendimento de Kardec de que “o efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas"5, é reiterado em mensagens posteriores ao “Pacto Áureo”, de Emmanuel e Bezerra de Menezes.

Os conceitos de Allan Kardec, a mensagem pioneira de Emmanuel, como o todo os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita2, e as mensagens de Bezerra de Menezes, devem ser refletidos pelos dirigentes espíritas.

Referências:

1) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. Versão digital: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/anais_1_congresso.pdf

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Palestra das Comemorações dos 70 anos do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, São Paulo 20 e 21/10/2018. Acesso: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/palestra_70_anos.pdf

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Capivari: EME. 2018.

4) Amorim, Pedro Paulo. As tensões no campo espírita brasileiro em tempos de afirmação (primeira metade do Século XX). Tese (Doutorado em História Cultural). Universidade Federal de Santa Catarina. 2017.

5) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB.

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

(Síntese de artigo transcrito do jornal Dirigente Espírita, órgão da USE-SP, Novembro-Dezembro de 2021; versão digital disponível na página eletrônica da USE-SP).

O sonho do Museu de São Paulo

O sonho do Museu de São Paulo

                                           

Jornal Dirigente Espírita, USE-SP, Nov.-Dez. 1997 | Casal Elza/Paulo Toledo Machado, Perri e Nestor – Museu de São Paulo – Abril de 2013

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Como representante de órgão da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, da cidade de Araçatuba, frequentamos durante muitos anos o Conselho Deliberativo Estadual dessa Entidade Federativa. Depois integramos a Comissão Executiva, inclusive como presidente.

Nessas reuniões de caráter estadual conhecemos dr. Paulo Toledo Machado, sempre atuante e entusiasmado com seu projeto para criar um Museu Espírita para São Paulo. Esclarecendo que sempre houve doação monetária e de imóveis dele próprio e também com contribuições do movimento espírita paulista. A origem de tudo foi o Lar da Família Universal. Este editou várias obras inclusive a edição histórica da 1ª edição de O Livro dos Espíritos, bi-língue, traduzida pelo dr. Canuto Abreu. Também criou o Museu do Livro Espírita e o Instituto de Cultura Espírita de São Paulo.

Finalmente, Paulo Toledo Machado concretizou seu sonho e foi inaugurado o Museu Espírita de São Paulo, com uma série de eventos entre 18 e 25 de abril de 1997. Como um dos dirigentes da USE-SP estivemos presentes ao evento, em bela e ampla sede pertencente à mantenedora Instituto de Cultura Espírita de São Paulo, sito à rua Guaricanga, 357, no bairro da Lapa da capital paulista. O acervo incluía obras raras de primeiras edições de Kardec, um grande acervo bibliográfico com mais de 3.000 títulos, incluindo anais, boletins, anuários, jornais e revistas; também obras de arte (1).

Depois da virada do século, Nestor João Masotti, paulista de origem e ex-presidente da USE-SP iniciou conversações com Paulo Toledo Machado, com o objetivo de iniciar estudos para o Conselho Espírita Internacional (CEI) assumir o Museu Espírita de São Paulo. Nesses diálogos atuaram vários espíritas de São Paulo, inclusive Oceano Vieira de Melo, e foi estabelecido contato com familiares do dr. Silvino Canuto Abreu, detentores de documentos e manuscritos originais de Allan Kardec. Nestor chegou a informar sobre esse projeto em reunião do CEI.

Algum tempo depois, Nestor Masotti, presidente da FEB, mudou o rumo do projeto e caminhou no sentido da Federação Espírita Brasileira assumir o citado Museu. Foram prolongados diálogos, com encaminhamentos objetivos nos primeiros meses de 2012, inclusive com Assembleias das duas instituições envolvidas.

Em maio de 2012 assumimos a presidência interina da FEB, face o afastamento por enfermidade do presidente Nestor, concluímos as providências entre FEB e o Instituto de Cultura Espírita de São Paulo, mantenedor do Museu. Assinamos a escritura como presidente interino da FEB, em Cartório localizado na região do espigão da Avenida Paulista, recebendo em doação para a FEB quatro imóveis e ainda um numerário de posse do Instituto.

De imediato, constituímos uma Comissão com integrantes da diretoria da FEB, a presidente da USE-SP Júlia Nezu e membros do Instituto de Cultura Espírita, definindo-se Oceano Vieira de Melo como coordenador das providências para as reformas físicas, adequações legais e do acervo.

No dia 18 de abril de 2013, na sede do Museu Espírita de São Paulo, ocorreu a cerimônia para se assinalar publicamente a sua transferência à FEB. Houve a presença de muitos convidados de São Paulo, a presidente Júlia Nezu e dirigentes da USE-SP, Lian Abreu Duarte, Oceano Vieira de Melo, e, nós na condição de presidente da FEB comparecemos com três diretores da mesma. Na oportunidade foram homenageados os fundadores e ex-dirigentes, o casal Elza Mazonnetto Machado e Paulo Toledo Machado. Como homenageado especial convidamos o ex-presidente Nestor, que se encontrava em tratamento domiciliar em São Paulo e que apesar de debilitado, encontrava-se em melhores condições e compareceu junto com sua esposa. A cerimônia foi gravada e transformada em DVD pela Versátil Vídeo Spirite. (2,3)

No mesmo ano foi iniciada a reforma das dependências físicas do Museu e um trabalho de conservação e organização do acervo, com coordenação de Oceano Vieira de Melo, com recursos advindos do antigo Instituto de Cultura Espírita de São Paulo. (3)

No ano seguinte foi destinada uma sala para albergar o Instituto Canuto Abreu e para lá foram deslocados mobiliários históricos e a biblioteca do mesmo. Seu neto Lian Duarte tomou as providências com base em convênio que assinamos com Lian de Abreu Duarte durante o Conselho Federativo Nacional da FEB, em Brasília, em novembro de 2013, para a FEB receber os documentos de Kardec, trazidos há décadas por Silvino Canuto de Abreu (4) e que seriam localizados no futuro Instituto Canuto de Abreu a ser instalado junto ao Museu Espírita de São Paulo.

De nossa parte e da equipe constituída em São Paulo havia grande entusiasmo pelas providências em andamento. Todavia, em março de 2015 fomos desincumbidos da gestão da FEB. A partir daí não recebemos mais notícias.

A impactante informação recebemos em evento público no dia 26 de maio de 2018, como um dos convidados da Fundação Espírita André Luiz-FEAL, em evento no Centro Espírita Nosso Lar, em São Paulo, pois, naquela oportunidade apresentaram o recém criado Centro de Documentação e Obras Raras da FEAL e o “Projeto Cartas de Kardec”, inaugurando o Instituto Canuto Abreu junto à FEAL. Aí soubemos que face a descompassos Lian Abreu Duarte passou oficialmente a guarda do acervo do Instituto Canuto Abreu para a FEAL, retirando-os das dependências da sala do Museu onde estavam depositados. (3, 5)

Nosso relato sobre uma etapa da história do Museu Espírita de São Paulo, encerra-se por aqui, enaltecendo o ideal dos fundadores; com homenagens ao casal Elza e Paulo Toledo Machado, Nestor João Masotti, Júlia Nezu, Oceano Vieira de Melo e Lian de Abreu Duarte.

Fontes:

1) Museu inédito. Dirigente espírita. Órgão da USE. Ano VIII. N.43. Novembro-Dezembro de 1997. P.16.

2) FEB assume Museu Espírita de São Paulo. Reformador. Ano 131. N.2211. Junho de 2013. P.234.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Cap. 5.12. Araçatuba: Cocriação. 2021.

4) Inaugurações de Espaços iniciam as comemorações dos 130 anos da FEB. Reformador. Ano 132. N.2218. Janeiro de 2014. P. 47-51.

5) FEAL recebe acervo do Instituto Canuto Abreu. Consulta em: http://grupochicoxavier.com.br/feal-recebe-acervo-do-instituto-canuto-abreu/

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB, e, membro da Comissão Executiva do CEI.

O mal e a obediência à autoridade

O mal e a obediência à autoridade

Almir Del Prette (*)

“E disse Deus: Toma o seu filho, o seu único Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e oferece-o aí em holocausto sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar (…). E chegando ao local, Abraão amarrou Isaac e tomando o cutelo para imolar seu filho, quando um Anjo do Senhor o deteve” (Gênesis 22:1-24) (1)

“Eu percebo o significado trágico da bomba atômica (…). É uma responsabilidade terrível que chegou até nós (…). Agradecemos a Deus que veio a nós, em vez de ir para os nossos inimigos; e oramos para que Ele nos guie para usá-la em Seus caminhos e para Seus propósitos”. (2).

“Acione o choque, pois ele errou a resposta… outra vez… agora aumente a voltagem do choque… Isso, continue… A instrução do pesquisador foi dada de forma tranquila ao colaborador da pesquisa que, então, girava o botão aumentando a voltagem”. Registro resumido baseado nas publicações sobre a pesquisa conduzida por Stanley Milgran(3), sobre obediência a autoridade, dezesseis anos após o término da 2ª. guerra mundial. (3)

O primeiro registro acima consta da Bíblia (Gênesis), livro de várias religiões cristãs. A narrativa fornece indicações sobre a atribuição de uma tarefa a Abraão, por Deus. Abraão foi instruído a oferecer o filho em holocausto. A ordem não dava margem a dúvida, pois mencionava o nome Isaac (“único filho, Isaac a quem amas”), especificava também o local onde deveria ocorrer a execução (Moriá). Uma imensa parcela de religiosos defende que os relatos bíblicos se referem a acontecimentos reais e que, nesse trecho da Bíblia, Deus teria aparecido para Abraão e ordenado que este executasse seu filho.

O segundo registro é um recorte do discurso proferido por Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos, dirigido à nação poucos dias após as explosões das bombas atômica e de plutônio (9/8/1945), lançadas, respectivamente, sobre Hiroshima e Nagasaki. Os termos da ordem usada pelo presidente, transmitida ao alto comando, não foram divulgados na íntegra. Sabe-se que houve uma ordem dada pelo presidente, pois cabia a este, como autoridade suprema da nação, a tarefa de autorizar o uso dessas armas de grande poder destrutivo. Portanto, como se tratava de artefatos ainda não utilizados em uma guerra, cabia ao presidente a decisão de endereçar ao alto comando a ordem de voo para o lançamento das bombas. O alto comando, incontinenti, retransmite a ordem para a força-tarefa na pessoa do líder da missão (4). As informações repassadas à sociedade e o discurso de Truman tinham como objetivo principal justificar o emprego dessas armas de grande poder destrutivo em um país que estava próximo da rendição, considerando que as demais nações do eixo já haviam assinado a capitulação. A nação americana e o mundo precisavam de uma justificativa para esses ataques devastadores e, então, assessores convenceram o presidente que a melhor justificativa seria a de agradecer a Deus que havia guiado os passos dos americanos nessa direção. Dito de outra maneira, tomar Deus como parceiro, o que foi prontamente aceito por Truman.

O terceiro registro selecionado sobre o tema obediência-autoridade, curiosamente ocorreu 16 anos após o término da segunda guerra mundial e trata-se de uma investigação de laboratório conduzida por um pesquisador judeu, Stanley Milgran. Resumidamente, Milgran, perplexo com o que observou durante a guerra, pretendia investigar se cidadãos comuns, cumpridores de seus deveres na sociedade, obedeceriam a ordens de produzir dor em outros por meio de choques elétricos em voltagem crescente. A pesquisa foi conduzida na Universidade de Yale, mas também em ambientes não universitários. Os interessados em maiores detalhes poderão ter acesso à descrição do experimento em um estilo menos acadêmico no YouTube. Convém antecipar ao leitor que os participantes da pesquisa de Milgran julgavam aplicar choques em pessoas que participavam de um “experimento sobre aprendizagem”. Entretanto, os que “sofriam” choques eram membros da equipe de pesquisa e simulavam reações de desconforto, contudo nada sofriam. Os que “aplicavam os choques”, seguindo instruções poderiam se recusar a fazê-lo, porém, em sua maioria, continuaram “obedecendo”, como na passagem bíblica Abraão aceitara sacrificar o filho e os oficiais americanos a arrasarem as duas cidades japonesas quando o presidente Truman autorizou o uso das bombas.

O relato completo da pesquisa de Milgran mostra que os participantes assinaram o TCLA (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), que assegurava o direito a cada participante de abandonar a pesquisa a qualquer momento que desejasse, sem nenhuma consequência para si (3).

O primeiro registro foi retirado de um livro religioso e os outros dois de fontes laicas e permitem algumas digressões sobre obediência e autoridade. Poder-se-ia questionar a inclusão do primeiro registro, dada a sua fonte. De fato, uma vez que não se pode garantir como real o ocorrido com Abraão, o que justificaria sua inclusão aqui? Entretanto, ainda que isso possa nos surpreender produzir sofrimento a “mando de Deus” ainda tem sua atualidade e ao longo do tempo vem sendo usado como estratégia militar para obter adesões a missões suicidas pelos fiéis.

O leitor atento pode também refletir que esses relatos não são os únicos que ilustram o tema da obediência. Muitos outros casos poderiam ser incluídos para estudo como, por exemplo, o de Adolf Eichmann (4), carrasco nazista, capturado na Argentina sob a acusação de ter conduzido à morte centenas de milhares de judeus, obedecendo ordens de deportá-los em comboios para os campos de concentração, onde eram assassinados. Não obstante outros casos, os três registros selecionados exemplificam condições genéricas presentes nos que ordenam e nos que obedecem. Mesmo estando separados por períodos temporais e geográficos distintos e, portanto, não redutíveis culturalmente entre si, eles se assemelham nas características dos comportamentos de ordenar-obedecer e nos resultados previsíveis contidos no comportamento de obediência.

1. Obediência e autoridade

Ao longo da história a obediência desempenhou um papel importante na sobrevivência dos humanos e, também, de organismos não humanos, por exemplo de antropoides, como os gorilas. Pode-se dizer que é quase impossível viver em grupo sem mandantes e obedientes. Essa dualidade, quando produtiva ao grupo, resulta em normas, que podem gerar comportamentos desejáveis. Estudos antropológicos(5) mostram que as habilidades sociais foram fundamentais para a sobrevivência e expansão do homo sapiens no planeta. Entre essas habilidades sociais as subclasses ouvir, concordar e atender a pedido ou ordem estão presentes em grande parte das interações diádicas ou grupais.

2. Resultados do mando e da obediência

O mandar e o obedecer nem sempre produzem benéficos para a comunidade. Com muita frequência podem chegar a resultados negativos devastadores, subdividindo grupos (nós e eles) que atingem inocentes criando rivalidades. Podem também favorecer intrigas e conflitos, que por vezes se prolongam por gerações. Daí a importância das investigações de diferentes ciências sobre essa questão, como Antropologia, Psicologia, Sociologia, Educação etc. Hanna Arendt (6), que acompanhou o julgamento de Adolf Eichmann, ficou surpresa ao se deparar com um indivíduo comum e de aparência inofensiva. Após muita observação, propôs a categoria “banalidade do mal” para auxiliar na explicação desse fenômeno. Em outras palavras, quando muitas das ordens são aceitas acriticamente por certo contingente de pessoas é porque a banalização do mal está se generalizando. Na atualidade, o mando exercido por alguém de autoridade e a obediência por colaboradores e principalmente por indivíduos anônimos, vem ganhando uma dimensão preocupante. A difusão de ordens (mais ou menos disfarçadas) em vários canais da internet pode, em apenas algumas horas, produzir reações coletivas delirantes.

3. A quem e a que ordem obedecer?

Primeiramente podemos refletir sobre os efeitos prováveis das ordens que nos são endereçadas, com ajuda de algumas perguntas: O resultado de aceitar essa ordem traz benefícios ou malefícios para outrem? Os possíveis benefícios advindos são justos e não prejudicam a terceiros? Posterior ou simultaneamente a essas questões, outras podem ser úteis para a decisão: Quem é o mandante? Quem são os beneficiados pelo cumprimento da ordem? Quais as razões para executar a ordem? Quais os problemas advindos pela aceitação da ordem? Quais são as consequências pela recusa no cumprimento da ordem?

Esses itens, em nosso entender, deveriam fazer parte da educação familiar e escolar, adaptados na linguagem e dosados conforme a idade das crianças. Na família, desde cedo a criança pode aprender a quem ela deve se aproximar ou evitar, quais convites recusar, que empreendimentos e assuntos participar. O principal recurso educativo disponível, tanto na família como na escola, é o modelo. As crianças imitam pais, irmãos mais velhos, primos, amigos, tios, avós, professores, heróis fictícios, sem precisarem de instrução. Kardec (8) perguntou aos espíritos sobre o modelo dado por Deus aos homens, visando evidentemente o progresso espiritual. A resposta foi: Jesus.

Todos nós sabemos que quanto mais evolutivamente distante no progresso espiritual se encontra alguém, mais difícil é imitá-lo; contudo Jesus, jamais propôs tarefas impossíveis de serem realizadas. Um exemplo é o da parábola do bom samaritano(9), que certamente cada um de nós já observou alguém agindo de maneira semelhante ainda que em situação diferente.

4. Banalidade do bem

Na atual crise social que estamos vivendo, observa-se um fenômeno que tem chamado a atenção de alguns analistas da comunicação. Trata-se de uma feliz generalização de comportamentos solidários em diferentes comunidades, em sua maioria desassistidas pelo poder público. Pessoas que compram, organizam, preparam, transportam e entregam as “quentinhas” para aqueles que muitas vezes não têm mais alimento algum para enfrentar a fome. São muitos os “samaritanos” que se engajam nessa meritória tarefa. Nesses casos, a rapidez da comunicação via internet é uma ferramenta imprescindível e ao invés de grupos que trocam ordens, intrigas, maledicências, verificam-se intercâmbios no WhatsApp sobre horário de recolhimento do pão, do feijão, da inclusão de mais um pequeno comércio de carne, cujo proprietário também quer contribuir… E o movimento solidário crescente permite-nos a ousadia de sonhar com a banalização do bem, o oposto do que observou Arendt em seu estudo.

5. À guisa de conclusão:

conhece-te a ti mesmo Essa frase escrita no templo de Delfos em Atenas parece muito oportuna para o tema aqui abordado. Precisamos nos conhecer para verificar se: (

a) aceitamos ordens com conteúdo que nos instigam ao mal?;

(b) identificamos fakes e objetivos subjacentes à sua divulgação;

(c) atendemos ao convite de participar de grupos que se dedicam a dar roupagem nova a acontecimentos já ultrapassados?;

(d) nossa prática cultural, disfarçada ou explicita, permanece no código de Hamurabi, “olho por olho, dente por dente” ou já ensaiamos a prática da Regra Áurea, defendida por Jesus, “fazer ao outro o que gostaria que este nos fizesse”? Convém recordar ainda que Jesus esteve às voltas com questões semelhantes. O mestre desobedeceu a todas as normas culturais que se opunham às leis maiores (defesa da vida). Por exemplo, a prática de curar no sábado. Também, recusou atender pedidos abusivos quando um grupo de fariseus e saduceus pediram que exibisse algum sinal extraordinário (8).

Para finalizar convido o leitor para uma reflexão sobre o trecho do item CARACTERES DO HOMEM DE BEM:

“O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade na sua maior pureza…” (9)

Referências:

(1) Bíblia Sagrada (Gênesis). Edições Paulinas, 1990.

(2 e 4) Wikipédia (Consultas, 11/8 e 23/08/21). 

(3 e 5) Milgran, S. Behavioral study of obedience. Journal of abnormal and social Psychology (Vol. 67, 1963, Pág. 371-378).

(6) Harari, Y.N. Homo Deus. São Paulo. Amazon, 2018.

(7) Arendit, A. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo. Companhia das Letras, 1999.

(8) Mt,16, 1-4.

(9) Kardec, A. O Livro dos Espíritos. Instituto de Difusão Espírita. Araras (SP), 1998.

Nota do Autor:

Meus agradecimentos a Zilda A. P. Del Prette pela leitura deste texto e por suas sugestões.

(*) Professor da UFsCar – São Carlos (SP).

Transcrito de: O Consolador – Revista Semanal de Divulgação Espírita. Ano 15 – N° 744 – 24 de Outubro de 2021: http://www.oconsolador.com.br/ano15/744/principal.html

 

ELES TODOS TE OUVEM

ELES TODOS TE OUVEM

Irmão Saulo (*)

O item 21 do capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo é uma mensagem mediúnica do Sr. Sanson, dada em Paris em 1863, e tem por título “Perda de pessoas amadas e mortes prematuras”.

Como vemos nas reuniões com Chico Xavier as lições desse livro (**), que é sempre aberto ao acaso por um dos presentes, caem num tema referente à maior preocupação dos participantes. Sanson, ex-materialista que se converteu ao Espiritismo lendo O Livro dos Espíritos, foi companheiro constante de Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Na sua mensagem, como nesta de Emmanuel (**), Sanson adverte que os nossos mortos amados necessitam de nossos bons pensamentos, de nossas preces, mas não do nosso desespero que só serve para faze-los sofrer, e acentua:

“Mães, sabei que vossos filhos bem amados estão perto de vós”.

Emmanuel exclama: “Eles todos te ouvem o coração na Vida Superior”.

Ao longo de mais de um século os princípios espíritas se confirmaram e continuam a se confirmar através das mensagens dos Espíritos que sempre nos assistem.

Hoje a Parapsicologia, no capítulo das investigações sobre telepatia e ultimamente sobre as comunicações mediúnicas (fenômenos theta), comprovou cientificamente a relação mental entre vivos e mortos, referendando a comprovação já feita anteriormente pela Metapsíquica e pela Ciência Psíquica Inglesa.

Estamos todos na Terra para uma breve experiência de vida material, mas a nossa vida verdadeira é a espiritual. Os que partem antes de nós concluíram a sua tarefa e estão livres dos tormentos da vida terrena. Mas como nos amam, continuam ligados a nós pelo pensamento, pelo sentimento, pelo amor que nos dedicam.

Já não se trata mais de uma questão de crença, mas de uma certeza milhões de vezes comprovada. Precisamos compreender isso para não os perturbarmos na vida espiritual com o desespero do nosso amor egoísta. Eles vivem e nos esperam para o reencontro.

Texto transcrito de: Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano; Autores diversos. Na era do espírito. Cap. 13. São Bernardo do Campo: GEEM

(*) Pseudônimo de José Herculano Pires.

(**) Vide o texto de Emmanuel “Mortos amados”, desse mesmo capítulo de livro citado, em “Mensagens” dessa página eletrônica.

Manifestações de gratidão

Manifestações de gratidão

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Como primeira viagem doutrinária após o início da pandemia e em função da pré-estréia do filme “Benedita. Uma Heroína Invisível – O Legado da Superação" estivemos em nossa terra natal Araçatuba, com intensos compromissos doutrinários.

Esse filme tem vinculações conosco; seu enredo foi adaptação de nosso livro Benedita Fernandes. A dama da caridade, atualmente editado pela Cocriação, de Araçatuba; e, há alguns anos acompanhamos o idealismo de seu diretor, Sirlei Nogueira, no planejamento e na execução do filme com recente pré-estreia e lançamento comercial previsto para 2022.

Vários programas especiais sobre esse vulto histórico foram transmitidos pela “Estação Dama da Caridade Benedita Fernandes”, com canais no You Tube e no Facebook, coordenada por Sirlei Nogueira.

Benedita Fernandes, curada de uma obsessão, transformou-se em dedicada seareira, fundadora da primeira obra assistencial espírita na cidade e região nos idos de 1932. Desencarnou envolvida em ambiente de respeito e admiração da população de Araçatuba aos 09 de outubro de 1947. Daí a razão da pré-estreia do filme nessa data.

A primeira manifestação de gratidão é ao espírito homenageado, Benedita Fernandes. Ao longo de nossa existência sempre sentimos e recebemos informações sobre a atuação continuada e muito próxima dessa benfeitora espiritual e relatamos alguns episódios em nosso recente livro Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões, também editado pela Cocriação (2021).

Mas durante nossa recente visita a Araçatuba estivemos em atividades espíritas em algumas instituições. De lá mudamos há 32 anos, residindo em São Paulo, Brasília e retornando a São Paulo.

Na União Espírita Paz e Caridade e Abrigo Ismael que, respectivamente, completam 100 e 80 anos de fundação, onde nossa esposa Célia participou da fundação de Mocidade Espírita em 1965, também local de atuação de sua genitora Joana e do nosso tio Pedro Perri.

Em visita à Instituição Nosso Lar, fundada por Emília Santos e os irmãos Bebé e Rolandinho Perri Cefaly (nossa genitora e o tio), rememoramos o local onde iniciamos nossas atividades e em 1964 fundamos uma Mocidade Espírita. Atualmente, nosso irmão Paulo Sérgio Perri de Carvalho é o presidente da Instituição.

Também visitamos um trabalho novo na cidade, o Projeto Chico Xavier, implantado em bairro da periferia de Araçatuba, com atendimentos material e espiritual.

Nos encontros com pessoas na apresentação do filme e nas visitas às instituições citadas, reencontramos antigos companheiros de atuação espírita, e, em outros ambientes com ex-alunos, funcionários e ex-orientados nossos na Faculdade de Odontologia da UNESP.

A visita à terra natal, com reencontros familiares e amigos, chamou-nos atenção pelos sentimentos externados de amizade, fraternidade e também de gratidão.

Se cultivamos gratidão a Benedita Fernandes e a várias outras entidades espirituais vinculadas à cidade, por outro lado, depois de muito tempo fora da cidade natal, sem que imaginássemos percebemos manifestações de boas recordações e de afeto evocando os tempos e ações lá vivenciados.

Isso nos remete a alguns pensamentos motivadores:

“Dando sempre graças a Deus por tudo, em nome de Nosso Senhor Jesus-Cristo…” – Paulo ( Efésios, 5,20); “Senhor Jesus! Nós te agradecemos: […] por todos os demais tesouros de esperança e amor, alegria e paz de que nos enriqueces a existência, sê bendito, Senhor, ao mesmo tempo que te louvamos a Infinita Misericórdia, hoje e para sempre” – Emmanuel (Coragem, FCX, Ed.CEC)

(Foi dirigente espírita e docente de Faculdade em Araçatuba; ex-presidente da USE-SP e da FEB).

As origens revisitadas com intensidade

As origens revisitadas com intensidade

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Em função da pré-estréia do filme “Benedita. Uma Heroína Invisível – O Legado da Superação", em Araçatuba, visitamos nossa terra natal com intensos compromissos, juntamente com a esposa Célia, o filho Flávio e a amiga Carol.

A pré-estréia do filme sobre Benedita Fernandes contou com exibições no Teatro Paulo Alcides Jorge, entre os dias 9 e 14 de outubro. No hall havia uma exposição com telas artísticas sobre a homenageada e a reprodução da entrada de uma casinha de madeira, semelhante às elaboradas por Benedita nos anos 1920. O diretor do filme Sirlei Nogueira, atores, dirigentes espíritas, representantes dos produtores e da Prefeitura, prestigiaram o evento. Como autor do livro adotado como roteiro “Benedita Fernandes. A dama da caridade” (Ed.Cocriação, Araçatuba) também fizemos uma saudação no início das exibições.

Divaldo Pereira Franco, que participa como um dos depoentes no filme, anotou em mensagem sobre a pré-estréia: "Cesar, exulto de alegria com o filme da gloriosa irmã amada. Meus parabéns a você e todos. Estou acompanhando. Abraços a todos. Divaldo".

Comparecemos na TV Cidade – coligada da TV Gazeta de São Paulo para entrevista sobre o filme e nosso livro sobre Benedita em programa de Reggis Antonio.

A União Espírita Paz e Caridade e Abrigo Ismael que, respectivamente, completam 100 e 80 anos de fundação, contou com palestra nossa e o lançamento do livro “Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões” (Ed.Cocriação). Nessa instituição, nossa esposa Célia participou da fundação de Mocidade Espírita em 1965, também local de atuação de sua genitora Joana e do nosso tio Pedro Perri.

Era indispensável a visita à Instituição Nosso Lar, fundada por Emília Santos e os irmãos Bebé e Rolandinho Perri Cefaly (nossa genitora e o tio). Naquele local iniciamos nossas atividades e em 1964 fundamos uma Mocidade Espírita.

Visita significativa ocorreu ao Projeto Chico Xavier, implantado em bairro da periferia de Araçatuba, com atendimentos material e espiritual, coordenado por Ricardo dos Anjos, com apoio de Osvaldo Magro Filho e Maria Luzia Almeida Rosa. Juntamente com nossa esposa proferimos rápidas exposições evangélicas.

Em função da nossa obra “Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões” e acompanhado pelo editor Sirlei Nogueira, visitamos dois espaços de cultura da cidade: para uma entrevista na Academia Araçatubense de Letras, da qual fomos membro fundador; e, oferta desse livro sendo recepcionado pelo acadêmico presidente Arnon Gomes. Também ofertamos essa obra à Biblioteca Municipal Rubens do Amaral. Interessante foi a foto com a Bibliotecária defronte à tela de Benedita Fernandes, na galeria de vultos de Araçatuba.

A visita à terra natal, com reencontros familiares e primeira viagem doutrinária desde o início da pandemia, foi intensa e plenamente justificável.

(Foi dirigente espírita e docente de Faculdade em Araçatuba; ex-presidente da USE-SP e da FEB).

Filme sobre Benedita em pré-estréia 74 anos após sua partida

Filme sobre Benedita em pré-estréia 74 anos após sua partida

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A pioneira da assistencial social espírita na região de Araçatuba, Benedita Fernandes, completou sua existência física no dia 09 de outubro de 1947.

Considerada “louca”, foi curada por espíritas, pois seu desequilíbrio era obsessão espiritual. Em seguida, empreendeu um vasto trabalho assistencial em Araçatuba a partir da fundação da Associação das Senhoras Cristãs, em 1932.

Na elaboração de nosso livro Benedita Fernandes. A dama da caridade reunimos pesquisas e entrevistas. Foi lançado nas comemorações do Cinquentenário (1982) da instituição por ela fundada e atualmente é editado pela Cocriação. O espírito pode evidenciar sua sobrevivência e sua identidade. Em viagens para palestras, no Brasil e no exterior, recebemos informações sobre Benedita, sempre de forma espontânea e através de diferentes médiuns. As mensagens iniciais, psicografadas por Divaldo Pereira Franco, foram incluídas em nosso livro e em obras desse médium.

Benedita Fernandes é um espírito ativo, lúcido e benfazejo, agora conhecida nacionalmente!

Coincidindo com os 74 anos da desencarnação de Benedita Fernandes, entra na etapa de pré-estréia em Araçatuba, com o apoio da Secretaria da Educação da Prefeitura Municipal, o filme “Benedita: uma heroína invisível. O legado da superação”. Esse filme foi elaborado durante alguns anos, baseado principalmente no livro Benedita Fernandes. A dama da caridade, de nossa autoria (Ed.Cocriação/USE Regional de Araçatuba). O roteiro e direção é de Sirlei Nogueira (de Araçatuba); co-produção: Lalucci Filme e Cocriação Editora; direção de produção Samuel Lalucci. O filme conta com um clipe com música tema de Paula Zampp e maestro Mário Henrique, intérpretes Paula Zampp e Gabriel Rocha. No componente de documentário, há entrevistas e depoimentos de várias pessoas, como Divaldo Pereira Franco, Wagner Gomes da Paixão, Ana Jaicy Guimarães, Luiz Carlos Barros Costa e conosco. Na dramatização de diversos episódios da vida de Benedita atua como atriz principal Sílvia Teodoro.

A atriz Sílvia Teodoro, desencarnou com 54 anos de idade em Araçatuba no dia 19 de março deste ano; era dedicada ao teatro na cidade e região, formada em psicologia e espírita atuante.

O novo filme é um marco histórico para Araçatuba e para o movimento espírita em geral.

(Extraído do jornal Folha da Região, Araçatuba, 06/10/2021, p.2)

Atualidades sobre Kardec

Atualidades sobre Kardec

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O movimento espírita tradicionalmente evoca o Codificador Allan Kardec na passagem da data de seu nascimento – 3 de outubro de 1804 -, ocorrido em Lyon.

Atualmente sabe-se que Hippolyte Léon Denizard Rivail apenas nasceu na histórica cidade francesa e nunca lá residiu. Foi criado com a família de sua genitora em Bourg en Bresse e Saint Denis les Bourg, duas cidades do Departamento de Ain, próximas a Lyon. Já se esclareceu que seu genitor, Jean-Baptiste Antoine Rivail, não desapareceu em guerras napoleônicas, mas, após estas, constituiu outra família no oeste da França e desencarnou aos 75 anos em 1834. Rivail estudou em Yverdon com Pestalozzi e depois atuou como professor em Paris, casou-se com Amélie Boudet, destacada companheira como professora e depois nas lides espíritas. Ambos criaram e educaram uma menina chamada Jeanne Louise, provavelmente adotiva e que desencarnou bem jovem.

Após viver a experiência de professor, tradutor, interessado em temas emergentes na época como o magnetismo, entrou em contato com os fenômenos das chamadas “mesas girantes”. Em seguida, o ilustre professor onde veio a executar seu papel como Codificador do Espiritismo. Como intelectual, portador de uma dose de ceticismo, e visão de arguto observador, rapidamente superou a etapa inicial de envolvimento com os fenômenos e passou a centralizar sua atenção na análise do conteúdo das informações que emanavam dos chamativos fatos ou efeitos pois, necessariamente “haveriam de ter uma causa”…

A partir da publicação de O livro dos espíritos, rapidamente se sucedem outras obras, naturalmente, um desdobramento aprofundado e com sentido prático, a partir das quatro grandes partes da obra pioneira. Do conjunto se destacam aquelas que são consideradas as obras básicas do Espiritismo: O livro dos espíritos, O livro dos médiuns, O evangelho segundo o espiritismo, O céu e o inferno e A gênese. Simultaneamente, o lúcido Kardec, dá início à Revista espírita, funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e empreende viagens para intercâmbio com grupos espíritas nascentes pelo interior da França e da Bélgica.

Num prazo curto de tempo, com atividades múltiplas e muito intensas, Allan Kardec deu início à Doutrina, à imprensa, a uma instituição e a uma movimentação de intercâmbio e compartilhamento de ideias e de experiências. Todas essas ações fazendo juz à adjetivação “espírita”, no conceito por ele caracterizado.

Kardec realmente foi o começo!

A propósito da palavra e do enunciado acima citados, lembramos que neste ano completa-se 50 anos da aprovação inicial da “Campanha Comece pelo Começo”. Esta foi idealizada pelo publicitário muito dedicado ao Espiritismo Merhy Seba e tem por foco a valorização das obras da Codificação Espírita, de Allan Kardec. Historicamente, a Campanha “Comece pelo Começo” foi aprovada no final do ano de 1971 pelo Conselho Metropolitano Espírita da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (atual USE Regional de São Paulo). Este tinha como presidente, Ignácio Giovinne; vice-presidente Attílio Campanini; equipe da Divulgação do C.M.E. participavam: Merhy Seba, Agostinho Andreoletti, Aparecido Onofre Belvedere (atualmente em O Clarim, Matão), José Meciano, José Domingos, José do Prado, Lionel Motta e Zulmiro dos Santos. No início de 1972 essa Campanha já foi implementada em nível da Capital. Naquela época assistimos exposição de Merhy Seba sobre o tema na II Confraternização de Mocidades e Juventudes Espíritas do Estado de São Paulo (COMJESP), em Marília, em abril de 1972. A referida Campanha nos interessou porque à época éramos presidente da União Municipal Espírita de Araçatuba (atual USE Intermunicipal de Araçatuba) e reforçaria nossos esforços de divulgação.

Depois de aprovada pelo Conselho Deliberativo Estadual da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, a marcante Campanha foi lançada em nível estadual no ano de 1975, com a divulgação de cartazes e folderes definindo o objetivo da mesma e apresentando uma síntese sobre as obras de Kardec. Em nível nacional essa Campanha foi aprovada pelo Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, durante nossa gestão como presidente, em reunião de novembro de 2014.

À vista da proliferação de livros espíritas – e com a influência de vários modismos -, criando desfocagens sobre a literatura básica e nas ações a ela relacionadas, e também pelo fato de que muitos cursos se basearem em material apostilado, torna-se muito importante que os centros e o Movimento Espírita dêem prioridade para a divulgação e o estímulo à leitura e ao estudo das Obras Básicas do Espiritismo. No mês em que Allan Kardec é rememorado no movimento espírita, é oportuna a valorização ao estímulo pelo estudo de suas obras, ou seja, “comece pelo começo”!

Recentemente foram exibidos os filmes “Kardec”, nos cinemas, e, a série “Em busca de Kardec”, em TVs por assinatura e na TV Cultura. Nos últimos anos com a disponibilização por instituições oficiais da França de documentos digitalizados muitos detalhes estão vindo à tona e outros poderão ser acrescentados aos momentos pós-Kardec em Paris. As biografias clássicas de Kardec estão desatualizadas.

Em nosso país, os documentos que estavam em poder da família do dr. Canuto Abreu, estão sendo trabalhados na Fundação Espírita André Luiz, de São Paulo, e em convênio com pesquisadores do NUPES da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Na atualidade, há várias páginas eletrônicas que disponibilizam informações sobre a vida e obra de Allan Kardec, como: Autores Espíritas Clássicos; CSI Imagens e Registros Históricos do Espiritismo; ECK – Espiritismo com Kardec; GEAE – Grupo de Estudos Avançados Espíritas; Grupo Espírita Amélie Boudet; IPEAK – Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec; Jornal de Estudos Espíritas; Kardecpedia; Liga de Pesquisadores do Espiritismo; NUPES – Núcleo de Pesquisa e Espiritualidade em Saúde da UFJF.

Bibliografia:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. Cap. 6.2. São Paulo: USE. 2016.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Caps. 2.16 e 5.11. Araçatuba: Cocriação. 2021.

3) Página eletrônica: https://www.allankardec.online/

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

A vida de Cairbar Schutel

A vida de Cairbar Schutel

Cairbar Schutel nasceu no Rio de Janeiro a 22 de setembro de 1868. Era filho de Antero de Souza Schutel e de D. Rita Tavares Schutel. Frequentou o Colégio D. Pedro II.

No Rio praticou em diversas farmácias e aos 17 anos veio para o Estado de São Paulo, exercendo sua profissão em Piracicaba, Araraquara e depois em Matão, onde residiu 42 anos.

Foi um dos fundadores de Matão e seu primeiro Prefeito, trabalhando incansavelmente pelo progresso desta localidade, onde militou na política por alguns anos. Matão deve-lhe relevantes serviços. Católico romano por tradição, Cairbar Schutel muito fez pelo brilho dessa religião, com a sinceridade que caracterizou Saulo de Tarso. Mas como essa religião não respondia às perguntas íntimas que Cairbar fazia com respeito ao seu falecido pai, procurou outras fontes de informação fora da Igreja.

Nesse tempo residiam em Matão seus amigos Calixto Prado e Quintiliano José Alves, que convidados por Cairbar Schutel, fizeram com ele sessões de tiptologia com a trípode pequena mesa com três pés). Foi então que, conhecendo que a vida continuava além do túmulo, estudou e abraçou o Espiritismo e dele se tornou um dos maiores propagandistas.

Seu trabalho logo começou a aparecer: Fundou em 15 de julho de1905, o Centro Espírita Amantes da Pobreza. Logo a seguir, a 15 de agosto desse ano, lançou à luz da publicidade O Clarim, em formato pequeno, que logo se ampliou, atingindo sua tiragem a 10.000 exemplares nos últimos anos. Além disso fazia propaganda da doutrina por meio de boletins e panfletos, fazendo ainda palestras doutrinárias nas cidades circunvizinhas, inclusive programas radiofônicos na antiga PRD-4 de Araraquara. Sua atividade não parou. Assim foi que, a 15 de fevereiro de 1925, fundou a Revista Internacional de Espiritismo dedicada aos estudos dos fenômenos anímicos e espíritas. Este mensário conta com a colaboração de eminentes mentalidades mundiais, circulando não só entre as suas congêneres.

Seu trabalho não se resumiu nessas duas publicações. Apareceram de sua brilhante pena, os seguintes livros: Espiritismo e Protestantismo, setembro de 1911; Histeria e Fenômenos Psíquicos, dezembro de 1911; O Diabo e a Igreja , dezembro de 1914; Médiuns e Mediunidades, agosto de 1923; Gênese da Alma, setembro de 1924; Materialismo e Espiritismo, dezembro de 1925; Fatos Espíritas e as Forças X…, maio de 1926; Parábolas e Ensinos de Jesus. janeiro de 1928; O Espírito do Cristianismo, fevereiro de 1930; A Vida no Outro Mundo , outubro de 1932; Vida e Atos dos Apóstolos, fevereiro de1933; Conferências Radiofônicas, setembro de 1937.

Cairbar não dava só a sua inteligência em proveito do seu próximo. Oferecia o seu coração socorrendo os pobres e os enfermos com grande dedicação. Após curta enfermidade faleceu em Matão, dia 30 de janeiro de 1938, às 16:15 horas, o "Bandeirante do Espiritismo"- Cairbar Schutel.

Extraído de: www.oclarim.com.br

Madalena havia sido prostituta?

Madalena havia sido mesmo prostituta, qual o problema?

André Ricardo de Souza (*)

Maria Madalena ou Maria de Mandala, esta uma antiga vila próxima de Cafarnaum, tem a trajetória mais enigmática e controversa da história do cristianismo.Não por acaso, foi abordada em vários livros e filmes, além de uma popular série televisiva.

Sua peculiaridade se deve ao fato de o Papa Gregório I (Gregório Magno, 540-604) ter feito determinada confusão. Afirmou ele, em 591, que Madalena seria tanto a mulher anônima que, dentro da casa do fariseu Simão, na cidade de Naim, lavou em lágrimas, ungiu com perfume e secou com os seus cabelos os pés de Jesus (Lucas 7, 33-50), quanto Maria, a irmã de Marta e Lázaro, que fez algo semelhante na cidade de Betânia, porém sem prantos e com um perfume mais caro,conforme:Mateus 26, 6-13; Marcos 14,3-9 e João 12,1-8 (Tomaso, 2020).

A partir da pregação daquele pontífice em prol do valor do arrependimento, Madalena, passou a ser reconhecida como prostituta convertida ou “pecadora arrependida”, deixando de ter o título de “apóstola dos apóstolos”, algo que seria retomado somente em 2016 pelo Papa Francisco. É bastante veemente e frequente a negação de que Madalena foi prostituta.

No meio espírita, é comum a acusação à Igreja Católica pela deturpação ocorrida da imagem daquela que acompanhou Jesus na crucificação e foi a primeira a avistá-lo, já ressuscitado, sofrendo desconfiança dos apóstolos, também pelo baixo valor então atribuído à palavra das mulheres em geral.

Mas no livro Boa Nova, o espírito Humberto de Campos (2013, p. 127-128) explicita que a apóstola havia sido efetivamente não só prostituta, mas também a mulher sofredora retratada apenas no Evangelho de Lucas:

"Maria de Magdala ouvira as pregações do Evangelho do Reino, não longe da vila principesca onde vivia entregue a prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tomara-se de admiração pelo Messias. (…) Decorrida uma noite de grandes meditações e antes do famoso banquete em Naim, onde ela ungira publicamente os pés de Jesus com os bálsamos perfumados de seu afeto, notou-se que uma barca tranquila conduzia a pecadora a Cafarnaum. Dispusera-se a procurar o Messias, após muitas hesitações. Como a receberia o Senhor, na residência de Simão? Seus conterrâneos nunca lhe haviam perdoado o abandono do lar e a vida de aventuras. Para todos, ela era a mulher perdida, que teria de encontrar a lapidação na praça pública."

Ali na casa de Simão Pedro – que lançou sobre ela um “olhar glacial, quase denotando desprezo” – Madalena ouviu de Jesus algo profundamente marcante que o apóstolo reproduziria, mais tarde, em sua primeira epístola: “o amor cobre a multidão de pecados” (1 Pedro, 4:8).

E Humberto de Campos (2013, p. 132-133), complementa sobre ela:

"Humilde e sozinha, resistiu a todas as propostas condenáveis que a solicitavam para uma nova queda de sentimento. Sem recursos para viver, trabalhou pela própria manutenção, em Magdala e Dalmanuta (…) Certo dia, um grupo de leprosos veio a Dalmanuta. Procediam da Idumeia aqueles infelizes, cansados e tristes, em supremo abandono. Perguntavam por Jesus Nazareno, mas todas as portas se lhes fechavam. Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada, com amplo direito de empregar a sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes transmitiu as palavras de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do Evangelho."

E foi em Dalmanuta que Paulo de Tarso a conheceu enquanto ele voltava a Jerusalém, após converter-se, reunindo relatos sobre a vida de Jesus, conforme o livro Paulo e Estêvão (2013, p.466). Como sabemos, o ex-rabino – que havia sido responsável pela execução de Estêvão e outros cristãos deixou de ser grande pecador para se tornar um dos maiores servidores do Cristo na história. E tanto ele quanto Madalena foram desacreditados inicialmente pelos apóstolos quando anunciaram seus respectivos encontros espirituais com o mestre divino.Importante ainda lembrar que na referida obra de Emmanuel (2013, p. 466) e de modo coerente com Jesus, o convertido de Damasco se contrapõe à hipocrisia frequente na avaliação da conduta feminina: “Irmãos, é indispensável compreender que a derrocada moral da mulher, quase sempre, vem da prostituição do homem”.

Verifica-se, portanto, que Gregório I não estava de todo enganado. E quanto às prostitutas, que, hoje, recebem, em alguns lugares, auxílio da católica Pastoral da Mulher Marginalizada, nós observamos uma arraigada discriminação, algo que é manifestado na indignação quando se refere ao caso de Maria Madalena. Por que ela não poderia ter sido uma meretriz? Qual o problema disso? Por que ainda depreciar, indiretamente, tanto as prostitutas? Precisamos reconhecer honestamente todos os nossos preconceitos.Cabe, por fim, lembrar que o mais importante, de fato, não é o que fomos, mas sim o que nos tornamos. Ao olhar para ela, assim como para Paulo de Tarso e para Públio Lêntulo, o senador romano retratado no livro Há dois mil anos,de Emmanuel – tendo sido uma reencarnação dele – Jesus não viu a meretriz obsediada, o assassino perseguidor e o patrício orgulhoso, mas sim seres humanos, além demissionários da luz que eles viriam se tornar. Tanto quanto pudermos sem ingenuidade, mas com a firme humildade, procuremos sempre ver nossos irmãos marginalizados com os olhos verdadeiramente cristãos.

Referências bibliográficas:

TOMMASO, Wilma Steagall. Maria Madalena: história, tradição e lendas. São Paulo, Paulus, 2020.

XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo espírito Emmanuel. 45ª edição. Brasília, FEB, 2013.

_______. Há dois mil anos. Pelo espírito Emmanuel. 46ª edição. Rio de Janeiro. FEB, 2009.

_______. Boa nova. Pelo espírito Humberto de Campos. 37ª edição. Brasília, FEB, 2013.

 

(*) Professor de sociologia da UFSCar, colaborador do paulistano Núcleo Espírita Coração de Jesus e autor do e-book: A veracidade e conexões da obra Paulo e Estêvão; gratuitamente disponível em (copie e cole): http://www.oconsolador.com.br/editora/evoc.htm