Reflexões sobre união

Reflexões sobre união

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Nos últimos meses houve evocação dos 73 anos da realização 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, em São Paulo, e 72 anos da assinatura do “Pacto Áureo”, na sede da FEB, no Rio de Janeiro.

No 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, por iniciativa da então novel USE, com apoio dos Estados do Sul, foi realizado em São Paulo de 31 de outubro a 05 de novembro de 1948, tendo foco na unificação nos Estados e em nível nacional, e problemas doutrinários.

O comparecimento foi expressivo e bastante participativo, aprovando entre outras propostas: “que o espírito dominante em todos os trabalhos é o da unificação direcional do Espiritismo; que o Congresso lance aos espíritas do Brasil um manifesto sucinto e objetivo, divulgando os itens nele aprovados; promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; os entendimentos deverão ser feitos em torno da organização federativa de âmbito nacional; a entidade existente adaptada ao item anterior conserve sua autonomia social e patrimonial; o poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos e presidido pelo presidente da entidade referida.”1,2

Entre os marcos históricos desse Congresso que completa 73 anos, há a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, assinada por Emmanuel: “Em nome do Evangelho” (Pedro Leopoldo, 14/09/1948). Chico Xavier encaminhou aos organizadores com a justificativa de que ele, como convidado, não poderia comparecer.1,2,3

Eis uns trechos: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,3

A proposta da criação de um Conselho Superior do Espiritismo foi levada à consideração do presidente da FEB Wantuil de Freitas, que a recusou. No ano seguinte a USE apoiou o 2o Congresso da Confederação Espírita Panamericana, realizado pela Liga Espírita do Brasil no Rio de Janeiro. Durante esse evento, com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surgiu o encontro com a direção da FEB. Nessa inesperada reunião o presidente da FEB Wantuil de Freitas apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes aos 05/10/1949, “ad referendum” das Sociedades que representavam. A reunião depois foi intitulada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro e “Pacto Áureo” e gerou a criação do Conselho Federativo Nacional da FEB e a “Caravana da Fraternidade”.2,3 Foi um desdobramento parcial do Congresso de 1948 e, no contexto das dificuldades para a união, um documento possível para o momento, de inquestionável valor histórico, com repercussões, mas gerou também reações e decepções na época.2,3

Em uma análise acadêmica da primeira metade do Século XX, em tese de doutorado, Pedro Paulo Amorim efetivou “minuciosa pesquisa em fontes institucionais na busca da tentativa de construção da identidade espírita: Reformador, Mundo Espírita, O Clarim, Revista Internacional de Espiritismo, Revista Espírita do Brasil e o Almenara. […] pudemos destacar a atuação de quatro entre os principais intelectuais espíritas: Carlos Imbassahy, Leopoldo Machado, Deolindo Amorim e Herculano Pires”; enfatiza o “Pacto Áureo” e conclui que houve um “projeto homogeneizante da FEB em busca da pretendida hegemonia no interior do Campo Espírita Brasileiro”.4

Nessas sete décadas subsequentes ocorreram transformações no contexto do país, novas Constituições Federais, e o movimento espírita viveu grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificação de atuação. Em análise sobre o “Pacto Áureo”, comentamos no livro União dos espíritas. Para onde vamos? sobre a inadequação de seus itens: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”3

Em uma necessária adequação do “Pacto Áureo” é imprescindível a valorização das cinco obras básicas de Kardec, à vista de grande incoerência: as Federativas Estaduais são vinculadas ao CFN da FEB, com base no “Pacto Áureo” – que não se fundamenta nas cinco obras básicas -, por outro lado, orientam as instituições adesas a inserirem nos seus Estatutos artigo alusivo à fundamentação nas obras de Kardec. O lógico seria que o documento fundante e norteador do CFN da FEB faça alusão à base doutrinária do Espiritismo. Há detalhamentos adequados apenas à época da assinatura do “Pacto Áureo” e que deveriam ser coerentes com a realidade e necessidades atuais do movimento espírita.2,3

O entendimento de Kardec de que “o efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas"5, é reiterado em mensagens posteriores ao “Pacto Áureo”, de Emmanuel e Bezerra de Menezes.

Os conceitos de Allan Kardec, a mensagem pioneira de Emmanuel, como o todo os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita2, e as mensagens de Bezerra de Menezes, devem ser refletidos pelos dirigentes espíritas.

Referências:

1) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. Versão digital: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/anais_1_congresso.pdf

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Palestra das Comemorações dos 70 anos do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, São Paulo 20 e 21/10/2018. Acesso: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/palestra_70_anos.pdf

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Capivari: EME. 2018.

4) Amorim, Pedro Paulo. As tensões no campo espírita brasileiro em tempos de afirmação (primeira metade do Século XX). Tese (Doutorado em História Cultural). Universidade Federal de Santa Catarina. 2017.

5) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB.

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

(Síntese de artigo transcrito do jornal Dirigente Espírita, órgão da USE-SP, Novembro-Dezembro de 2021; versão digital disponível na página eletrônica da USE-SP).