Junto aos simples e fracos

Junto aos simples e fracos

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Ao longo de nossa existência tivemos contato com algumas realidades mais próximas de situações de vida das pessoas que vivem na periferia de grandes cidades.

Em atividade junto a um centro espírita que atua em bairro da capital federal e que presta apoio a famílias carentes, integramos a equipe que visita lares. Várias situações dramáticas vieram à tona. Entre elas, em visita a um casebre extremamente precário, próximo a uma ribanceira – e, paradoxalmente, com vista a distância para um belo bairro da cidade – vários dramas estavam presentes. A senhora responsável pela família, já com mais de 40 anos, estava grávida. Relatou que a gestação era resultante de violência sexual, mas que ela se recusou a praticar o aborto porque entendia que a criança não tinha nada a haver com a triste ocorrência. Um de seus filhos foi levado à força para o Estado de origem de ex-companheiro. O casal de filhos adolescentes, que conhecemos, também já tinham sido vítimas de violência sexual.

A impunidade de tanta tragédia se oculta pela localização da “moradia” e de seus “vigilantes”… Além do apoio material e moral, o grupo espírita visitante prestava também apoio espiritual. Ao se abrir O Evangelho segundo o Espiritismo – e que coincidência – foi lida a página “Os infortúnios ocultos” (Cap.XIII), seguida de uma prece.

Há uns tempos atrás, em outro momento totalmente distinto, precisamos comparecer a um órgão previdenciário. Foi difícil e tivemos que esperar o encerramento de uma greve. Esta era motivada por desatenções à situação salarial dos funcionários. Devido à sobrecarga de demandas após a conclusão da greve somente conseguimos agendar um comparecimento mais próximo no tempo, em agência de bairro periférico. Ao chegarmos ao local, enquanto aguardávamos nosso atendimento, observávamos o público presente: que tristeza! Pessoas idosas, doentes, com deficiências de locomoção; mães com crianças no colo e nas mãos… A aparência geral era sugestiva de vida extremamente difícil. E o detalhe extra, pois imaginávamos o óbvio, de que os presentes ali chegaram vencendo ainda distâncias grandes a pé ou de ônibus.

De outra feita, em outro ambiente, nos saguões de hospitais, observamos a situação terrível dos usuários da assistência de saúde estatal e a brutal diferença dos que tem garantia financeira ou de um razoável plano de saúde. Estes, em poucos minutos, passam pela burocracia do atendimento inicial e já tem acesso até a exames e tratamentos sofisticados.

Nesses três “flashes” vivenciados em poucos meses – um autêntico “choque de realidades” – provocaram-nos profundas reflexões.

Evidentemente que passamos a pensar no papel dos espíritas junto ao meio social.

As ações espíritas em convívio mais próximo com a comunidade, tanto na atividade doutrinária como na assistencial, nos fez retroceder no tempo – há sessenta anos -, quando nos períodos de adolescência e juventude labutávamos com nossa família na Instituição Nosso Lar – que vimos nascer – localizada num então bairro periférico da cidade de Araçatuba (SP): apoio e visita a famílias, “campanha do quilo”, distribuição de sopa, evangelização muito simples para crianças, reuniões públicas sobre Evangelho e com passes, e, os jovens participando de todas essas ações. E, sem dúvida, as informações sobre o trabalho pioneiro de Benedita Fernandes – a dama da caridade -, naquela cidade.

Mesmo considerando as alterações que o país e o movimento espírita sofreram nesse período de tempo, há necessidade de se refletir sobre a atuação dos espíritas junto aos segmentos mais simples de nossa população. E há componentes agravados pela maior violência e pela disseminação das drogas.

Os centros espíritas – que são a base do movimento espírita –, local onde as ações se corporificam, devem merecer atenção de seus dirigentes promovendo estudos, análises e diálogos, sobre as demandas da cidade ou dos bairros de uma cidade, sobre a adequação dos planos de trabalho – atendendo todas as faixas etárias e sociais – à efetiva realidade em que se encontram inseridos.

Em momentos preditos como o do “Consolador Prometido” são sugestivas as ações dos primeiros agrupamentos cristãos, registradas por Emmanuel nos livros Paulo e Estêvão, 50 anos depois e em Ave, Cristo! O registro do ex-doutor da Lei é muito oportuno, ao se tornar homem do povo como o apóstolo Paulo: "Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele" (I Coríntios 9,22-23).

Com essas anotações reiteramos as preocupações já externadas em artigos que divulgamos na imprensa espírita e em livros nossos1, onde registramos experiências espíritas notáveis em ambientes simples em algumas situações no Brasil, incluindo o exemplo de Chico Xavier, e no exterior.

Referências:

1. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. 1.ed. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.

O marco histórico do Centro de Cultura e Documentação

O marco histórico do Centro de Cultura e Documentação

    


Antonio Cesar Perri de Carvalho

O Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo Eduardo Carvalho Monteiro – CCDPE, localizado no bairro Planalto Paulista, em São Paulo, comemorou 18 anos de fundação na manhã do dia 07 de agosto.
O CCDPE é uma associação científica, cultural, sem fins econômicos, que objetiva conservar e colocar à disposição do público, livros, documentos, fitas de áudio e vídeo, DVD, CD, jornais, revistas, microfilmes, objetos, quadros, etc. de valor histórico, pertencentes ao acervo cultural espírita. Inclusive tem editado livros nas linhas de pesquisa e de biografia.
A sede própria do CCDPE estava lotada de pessoas vinculadas, pesquisadores e colaboradores, e visitantes.
A presidente Júlia Nezu fez apresentação audiovisual focalizando o fundador e primeiro presidente Eduardo Carvalho Monteiro, que viveu em São Paulo (1950-2005) e é a origem principal do precioso acervo; fez também uma retrospectiva das ações do Centro até nossos dias. Houve homenagem aos fundadores e integrantes da primeira diretoria que estavam presentes e também a dirigentes da USE-SP atualmente integrados ao CCDPE e presentes no evento: a atual presidente Rosana Gaspar e os ex-presidentes Cesar Perri, Júlia Nezu e Aparecido Orlando.
Na oportunidade, Adair Ribeiro Júnior, colaborador do CCDPE e coordenador do AKOL doou e entregou tela original sobre Kardec adquirida em Paris. Houve uma Mini Exposição Kardec, mostra de obras raras e visita ao acervo do Centro.
Em seguida houve um almoço mediante adesão.
Recentemente, o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo Eduardo Carvalho Monteiro, de São Paulo, disponibilizou uma mostra de seus documentos e acervos, no Congresso Estadual da USE-SP, nos dias 24 a 26 de junho. Houve apresentação de uma linha do tempo sobre o Espiritismo na França e contexto mundial (1857 a 1915), fotos, pôster, livros raros, documentos e manuscritos de Kardec. As equipes do acervo e de pesquisas, com coordenação de Pedro Nakano, organizaram e acompanharam a mostra. Houve parceria de “Allan Kardec On Line” (AKOL), com atuação de Adair Ribeiro Júnior e Carlos Seth, que também colaboram com o CCDPE. Entre os visitantes, Washington Luiz Nogueira Fernandes, doador de significativo acervo.
O acervo de livros, documentos, etc, pertencentes ao CCDPE tem recebido doações de vários acervos de escritores e colecionadores. Com a coordenação de Pedro Nakano, alguns pesquisadores e colaboradores do CCDPE, uns presenciais e outros à distância, estão atuando nessa organização. Algumas reuniões de estudo da instituição tem sido efetivadas de forma virtual.
Vários livros com interface acadêmica e biografias tem sido editados pelo Centro.
Pessoalmente tivemos muitos contatos com Eduardo Carvalho Monteiro, notadamente no período em que exercemos a presidência da USE-SP na década de 1990. Naquela época o designamos responsável pelo Projeto Pró-Memória da USE-SP que foi montado nas dependências do Instituto Espírita de Educação, em utilização pela USE. Eduardo é autor de dezenas de livros sobre pesquisas de vultos e fatos espíritas e também sobre maçonaria. Em várias atividades estivemos juntos na seara espírita e eventos maçônicos.
Na época de fundação do CCDPE residíamos em Brasília. Mas nos primeiros anos do funcionamento viemos na condição de diretor da FEB juntamente com a esposa Célia para acompanhar evento sobre educação e evangelização promovido pela USE, que acontecia no Centro, e com atuação de nossa amiga Adalgiza Balieiro.
Logo depois, dentro de programa que coordenávamos da secretaria geral do Conselho Federativo Nacional da FEB, o CCDPE sediou um seminário com apoio da USE-SP sobre preparação de dirigentes espíritas.
Após nossas desincumbências da FEB e retorno de residência em São Paulo, passamos a colaborar com o CCDPE com oferta de cursos presenciais e, com a pandemia, passaram a ser virtuais.
Em junho de 2021, o CCDPE sediou também transmitido pela internet, o lançamento de nosso livro “Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões” (Ed.Cocriação, Araçatuba).
O CCDPE tem sido local de convergência de estudiosos e pesquisadores do Espiritismo e também um local acolhedor e fraterno. É um marco na história do Espiritismo em São Paulo.
Há um vídeo elaborado por Ery Lopes, sobre o CCDPE (copie e cole):

http://grupochicoxavier.com.br/o-extraordinario-acervo-do-ccdpe-sp/

Benedita Fernandes em “Diálogos de corpo e alma” em São Paulo

Benedita Fernandes em “Diálogos de corpo e alma” em São Paulo

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A exposição paulistana “Diálogos de Corpo e Alma”, no Centro Cultural Correios de São Paulo, focaliza a cura através da arte, da espiritualidade e da ciência com mostras de diversos artistas, que vão desde a pintura, escultura, instalações e videoarte.

Os promotores informam: “A mostra se expande através de salas temáticas que apresentarão diferentes caminhos da cura. A cura através da ciência enfatiza o trabalho do dr. Sérgio Felipe de Oliveira, médico e pesquisador, renomado estudioso da glândula pineal, que desbravou caminhos desconhecidos, curando diversos pacientes através de suas descobertas revolucionárias. O processo da arte e a utilização de animais como instrumentos auxiliares nas terapias, surge com o inovador trabalho da psiquiatra Nise da Silveira e aspectos da vida de vários personagens. A história de Benedita Fernandes (A Dama da Caridade) filha de escravos libertos que dedicou sua vida pelo bem social na primeira metade do século 20 no interior de São Paulo) interpretada em tela e co, aspectos espirituais relevantes (independentes de religião)”.

A artista plástica Lesiane Lazzarotti Ogg, criadora da exposição, vem realizando coletivas similares e a curadoria é do artista Luiz Badia.

A exposição foi iniciada no dia 21 de junho e se encerrará no dia 12 de agosto no Centro Cultural Correios de São Paulo, um prédio centenário belíssimo e bem conservado, localizado no centro antigo de São Paulo, no Vale do Anhangabaú esquina com a Av. São João. A visita é gratuita.

Uma área grande – Arte, Cura e Espiritualidade – é dedicada a Benedita Fernandes com registros de momentos da pioneira da assistência social espírita em Araçatuba, onde fundou a Associação das Senhoras Cristãs aos 06/03/1932. Há telas de vários artistas e vídeo sobre o vulto e a reprodução de uma casinha de madeira, típica do trabalho inicial de Benedita, atendendo na época, os chamados “loucos”. Benedita, curada por espíritas de obsessão passou a se dedicar ao atendimento de doentes mentais e crianças abandonadas. Assim surgiu o Sanatório, depois Hospital Psiquiátrico Espírita Benedita Fernandes, mais recentemente desdobrado em vários CAPS – Centro de Atenção Psicossocial em Araçatuba.

Essas informações se encontram em nosso livro: “Benedita Fernandes. A dama da caridade” (Ed.Cocriação, Araçatuba), e no filme que o utiliza como enredo “Benedita, uma heroína invisível. O legado da Superação”, produzido por Sirlei Nogueira, que teve uma pré-estreia em Araçatuba e será lançado em cinemas.

Sirlei Nogueira compareceu na abertura da Exposição e Ismael Gobbo, originário de Araçatuba e editor do Boletim de Notícias do Movimento Espírita, também a visitou.

Entre as várias telas, elaboradas por diversos artistas, a intitulada “Cáritas”, de Sandra Nunes, está exposta juntamente com a frase: “O antídoto para qualquer tipo de violência é sempre o amor, tal como o estímulo aos estados agressivos decorre do egoísmo” (de Benedita, psicografia de Divaldo Pereira Franco, de nosso livro acima já citado).

Como autor da biografia sobre Benedita sentimos alegria e emoção ao visitar a Exposição no centro capital paulista, com destaque à mulher afro-descendente, inculta, simples e despojada que superou incontáveis dificuldades e se tornou um vulto marcante no movimento espírita e na história dos hospitais psiquiátricos espíritas do Estado de São Paulo.

(*) – Foi dirigente em Araçatuba, ex-presidente da FEB e da USE-SP.

Publicado no Boletim de Notícias do Movimento Espírita, dia 04/08/2022.

Juventude – alertas sobre contextos sociais e espirituais

Juventude – alertas sobre contextos sociais e espirituais

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Como vivemos intensamente o período das mocidades espíritas e a partir delas iniciamos nossa trajetória espírita, podemos fazer uma reflexão que envolve várias décadas de vivência e observações.1

A nossa visão atual é que tem havido evidente diminuição na existência e atuação do segmento jovem no movimento espírita. Desde o auge das ações dos jovens espíritas no Brasil, entre os anos 1950 e 1960, muitos fatores influíram na sociedade e com reflexos no movimento espírita.

Dados estatísticos do Brasil, até quando foi realizado o Censo Nacional, em 2010, evidenciam que, entre os segmentos religiosos, a faixa etária jovem cresce bem menos entre os espíritas. No período em que estávamos como um dos responsáveis pelo Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira estimulamos a discussão e houve uma decisão no ano de 2010 de que “o tema juventude espírita deve ser amplamente analisado, levando-se em consideração os aspectos sociológicos, psicológicos, antropológicos e educacionais dos tempos atuais e suas relações e impactos com o Movimento Espírita”. Esse projeto evoluiu nos anos imediatos e durante nossa gestão na presidência da FEB foi concretizada a “Confraternização Brasileira de Juventudes Espíritas”, inicialmente da região Centro (2013), desenvolvida de maneira dinâmica com oficinas de trabalho, palestras e apresentações teatrais e musicais. Posteriormente, embora repetida em outras regiões, ocorreram alterações e não aconteceu a ampla análise sobre juventude.1

O contexto social foi profundamente transformado, superando-se muitas tradições e até pressões religiosas, e, em função da proliferação do ensino universitário, desenvolvimento tecnológico e acesso amplo aos meios de informação o jovem atual apresenta perfis e tendências muito diferentes dos vigentes em meados do Século XX. Nas empresas, algumas atividades especializadas são atualmente operacionalizadas e dirigidas por pessoas jovens.

Em época de estímulos ao conhecimento, ao empreendedorismo e várias formas de inclusão, muitas instituições espíritas tratam os jovens de maneira quase infantilizada. Há incompreensões e impasses, pois muitos dirigentes de nossos dias trazem maneiras de pensar e reagir mais vinculadas às características de décadas passadas.

Praticamente corroborando nossas observações, mas apontando para um cenário muito mais amplo, veio a lume no início de maio de 2022 o resultado de pesquisa sobre a religiosidade do segmento mais jovem do país.

Essa recente pesquisa do Datafolha2 mostra que entre os jovens de 16 a 24 anos, o percentual dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional. Especificamente no Rio de Janeiro e São Paulo, o crescimento dos brasileiros que se dizem "sem religião" é ainda mais marcante, particularmente entre os jovens. Os sem religião na faixa etária de 16 a 24 anos são numerosos: em São Paulo chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%); no Rio de Janeiro, chegam a 34%, também acima de evangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%). Os responsáveis pela pesquisa comentam que entre os fatores que podem explicar esse cenário há o aumento de famílias plurirreligiosas e a ampla rede de múltiplas fontes de informação, completamente diferente das faixas etárias, por exemplo, dos idosos, “cuja sociabilidade muitas vezes é restrita à família e à igreja”. Em contato com sociólogos e pesquisadores do Instituto Superior de Estudos da Religião, trabalham com a hipótese de que "A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas". Há opiniões de acadêmicos que "há uma trajetória de busca e experimentação que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas"; seriam “são outros modos de ter fé".2

Portanto, fica cada vez mais claro que há profundas mudanças no cenário social e que as instituições espíritas precisam se adequar às novas realidades. Por outro lado, em uma vertente totalmente distinta, mais conhecida pelo ambiente espírita, dispomos de mensagens espirituais assinadas por jovens pelo processo da psicografia. Nos anos 1970 e 1980 foram publicadas mensagens de jovens psicografadas por Chico Xavier, como Jovens no além3, em que vários jovens desencarnados se propõem a auxiliar “a escolher o melhor caminho e a pensar com acerto, em qualquer ângulo espacial a que nos ajustemos ou em qualquer faixa etária de nossa evolução”.

No presente ano veio a lume o livro Juventude interrompida. Relatos e alertas dos jovens do além4, contendo mensagens espirituais que representam um autêntico brado de alerta para as famílias e para as instituições espíritas. Essa recente obra reúne mensagens de 24 jovens desencarnados, psicografadas em reuniões da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo. Conta com prefácio de Rossandro Klinjey. O objetivo “é esclarecer a respeito de temas que estão presentes na vida da juventude”. Assim, foram selecionadas mensagens que tratam de temas como: aborto, Aids e IST, dependência do álcool, distúrbios alimentares e conflitos de autoimagem, doenças cármicas, fatalidades, mortes violentas, overdose, suicídio e violência familiar. Nas considerações ao final da obra, o presidente da FEEES Fabiano Santos de Campos destaca que pretenderam “trazer à reflexão temas que precisam servir de base para o estudo e conhecimento de parcela significativa daqueles que ainda vêem a existência circunscrita a uma única chance propiciada pela divindade” e com o alerta de “a morte não existe”.4

A nova realidade de compreensão de “outros modos de ter fé”, de “famílias plurirreligiosas” e tendências de desinstitucionalização, apontadas por pesquisadores ao analisarem a pesquisa do Datafolha, e, o forte conteúdo das mensagens de espíritos que tiveram sua “juventude interrompida” deve representar um alerta severo para que as instituições espíritas analisem todo esse contexto da atualidade. Kardec considera que a “nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento ao qual tenha chegado.”5 

Todavia há grandes desafios para se abrir espaço no movimento espírita, desde sua base nos centros, para que haja condições de se compreender os problemas atualmente vividos pela juventude, superando-se os tabus que impedem a abordagem de temas complexos como os relatados pelos jovens desencarnados no recente livro citado. E, sem dúvida, efetivamente abrir-se espaço para o protagonismo juvenil nas instituições. Até na forma de abordagem de conteúdos doutrinários e no tempo de duração de palestras, deveriam ocorrer alterações para que o público alvo mais jovem se sinta motivado a participar de estudos e de atividades de divulgação do Espiritismo. O adulto pode ter experiência; mas o jovem pode ter mais condições para o dinamismo, e, juntos elaborarem propostas de adequações aos tempos atuais. As duas vertentes deveriam se integrar e somar esforços para a atualização e dinamização das instituições espíritas, sem trâmites burocráticos formais, típicos de hierarquização.

Os tempos conturbados requerem providências rápidas e prudentes!

O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.

2) Jovens sem religião superam católicos e evangélicos: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/09/jovens-sem-religiao-superam-catolicos-e-evangelicos-em-sp-e-rio.ghtml; consulta em 23/05/2022.

3) Xavier, Francisco Cândido; Ramacciotti, Caio; espíritos diversos. Jovens no além. São Bernardo do Campo: GEEM. 1975. 223p.

4) Autores diversos. Juventude interrompida. Relatos e alertas dos jovens do além. Matão: Casa Editora O Clarim. 2022. 368p.

5) Kardec, Allan. Trad. Imbassahy, Carlos de Brito. A gênese. Cap. 18. São Paulo: FEAL. 2018.

(Matéria publicada na Revista Internacional de Espiritismo, Ano XCVII, n.6, Julho de 2022, p.288-290)

Influências do contexto familiar

Influências do contexto familiar

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A temática família sempre nos motivou, desde a elaboração de pesquisas sobre nossa família até estudos e campanhas sobre a valorização da família em nível de movimento espírita.

Nos últimos tempos muitas recordações e raciocínios vieram à tona nos momentos em que elaborávamos o livro Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões1 e, recentemente na preparação de uma apresentação audiovisual reflexiva e de homenagens envolvendo os laços familiares nosso, da esposa e a trajetória da união conjugal para a comemoração das Bodas de Ouro, tendo como tônica “você é parte de nossa história”.

Na análise dos episódios de nossa existência há a vantagem de que estamos olhando para trás sem as paixões do momento, pois há situações vividas ao longo de sete décadas…

O assunto família perpassa nossos diversificados registros.

A saga dos imigrantes Perri, foi considerada em função dos contextos sociais da época e destacamos que em nossa infância, foi muito presente a valorização da família, a influência de tradições italianas na cultura, na culinária e na música, com canções napolitanas, entoadas pelos nossos tios avós.

Aliás, todos estes viveram, alguns foram alfabetizados e outros nasceram na Itália. Em síntese, comentamos: “Sempre lutando, com afinco e muito labor, fortaleceu-se também o ambiente familiar com marcas assinaladas desde o casal-tronco, dos bisavós: união familiar, solidariedade, acolhimento, cuidados, alegria e, sem dúvida, o cultivo de tradições italianas. A afetividade em famílias italianas tem características fortes e peculiares.”1

Além dos aspectos históricos e sócio-culturais, caminhamos pela interpretação espírita, considerando o princípio das vidas sucessivas.

Levando-se em consideração o raciocínio reencarnacionista, o entendimento dos cenários familiares se alteram profundamente, pois entram em jogo os prévios relacionamentos interpessoais e de grupos. Torna-se oportuna a fundamentação em Kardec: “A sucessão das existências corporais estabelece entre os Espíritos ligações que remontam às vossas existências anteriores. Daí, muitas vezes, a simpatia que vem a existir entre vós e certos Espíritos que vos parecem estranhos”.2

Muito pertinente a análise de Emmanuel: “Todos os Espíritos encarnados, porém, devem considerar que se encontram no planeta como em poderoso cadinho de acrisolamento e regeneração, sendo indispensável cultivar a flor da iluminação íntima, na angústia da vida humana, no círculo da família, ou da comunidade social, através da maior severidade para consigo mesmo e da maior tolerância com os outros, fazendo cada qual, da sua existência, um apostolado de educação, onde o maior beneficiado seja o seu próprio espírito”.3

Especificamente com relação à nossa família há o registro de carta redigida pelo nosso tio desencarnado, Lourival Perri Chefaly, pela psicografia de Divaldo Pereira Franco, e que foi recebida em reunião íntima no nosso lar ainda nos tempos de residência em Araçatuba; eis a transcrição de trecho “Nossos vínculos, que remontam de longínquo passado, têm-se mantido através dos séculos, permitindo-nos o ir-e-vir das reencarnações em grupo, graças a cujo comportamento estamos lentamente saindo das trevas para a luz.”4

Efetivamente, o ambiente familiar é reconhecido por várias áreas do conhecimento como a base da sociedade. O objetivo é o processo educacional e que na ótica espírita tem importância redobrada ao se considerar o papel dos pais ou dos que se encontram no lugar deles na sedimentação de valores renovados junto aos espíritos que retornam ao cenário físico.

O espírito Emmanuel registrou uma frase magistral sobre esse tema: “A melhor escola ainda é o lar, onde a criatura deve receber as bases do sentimento e do caráter.”3

Nos relatos e homenagens sobre alguns familiares nota-se com clareza os exemplos que marcam nuances de amor familiar, envolvendo dedicação, renúncia, superação e acentuadas transformações. Além do cultivo de valores educacionais no ambiente familiar, chama atenção a quantidade de integrantes de nossa grande família que atuaram junto às escolas formais. Em Araçatuba foi um marco histórico, mas em várias outras cidades houveram familiares envolvidos com a educação formal.

As influências de vínculos familiares com o magistério5 e também de nuances políticas de alguns tios avós foram muito presentes na nossa infância. Essa constatação foi reunida, de forma mais abrangente envolvendo até a 5a geração dos Perri no Brasil, entre os anos 1900 e 1998, e estudada pela nossa esposa Célia Maria em sua dissertação de mestrado que foi transformada em livro: História de vida: a profissão de professor em uma família de imigrantes.5

Lembramos que na década dos anos 1990, juntamente com nossa esposa Célia estivemos profundamente envolvidos na proposta e na execução da Campanha “Viver em Família”, que alcançou abrangência nacional no movimento espírita, e, elaboramos três livros editados pela USE-SP. A frase símbolo desta Campanha foi inspirada em O livro dos espíritos: “O melhor é viver em família. Aperte mais esse laço”!1

O ambiente familiar e os valores cultivados nos contextos das famílias, a nossa e da esposa, ensejaram condições para que os lares de nossos pais superassem momentos de indefinições e nos servissem de roteiros.

Por ocasião da recente Bodas de Ouro, entre inúmeras manifestações que recebemos, destacamos o e-mail de Divaldo Pereira Franco: “Queridos Anjos em Bodas de Ouro. Completando-se um período de Amor adornado de bênçãos, vocês são exemplos vivos da fé cristã e da conquista da união feliz. Eu que aprendi a amá-los durante todos estes anos desejo-lhes continuação da paz e plenitude. Abraços e afeto. Divaldo (02/07/2022)”.

Referências:

1. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021.

2. Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro dos espíritos. 78.ed. Brasília: FEB. 2013.

3. Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. O consolador. 29.ed. Brasília: FEB. 2013.

4. Franco, Divaldo Pereira; Chefaly, Lourival Perri; Carvalho, Antonio Cesar Perri (Org.). Em louvor à vida. 2.ed. Salvador: Ed. LEAL. 2016.

5. Carvalho, Célia Maria Rey. História de vida: a profissão de professor em uma família de imigrantes. São Paulo: Ed. Arte e Ciência. 2002.

90 anos de Parnaso de Além Túmulo

90 anos de Parnaso de Além Túmulo

        

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A obra pioneira de Francisco Cândido Xavier – Parnaso de Além Túmulo – completou 90 anos de publicação neste mês de julho.

A partir de agosto de 1931, relata o médium na auto-apresentação, assinando como Francisco Xavier, em “Palavras minhas”: “…apesar de muito a contra-gosto de minha parte, porque jamais nutri a pretensão de entrar em contato com essas entidades elevadas, por reconhecer as minhas imperfeições, comecei a receber a série de poesias que aí vão publicadas, assinadas por nomes respeitáveis”.1

Manuel Quintão, na época vice-presidente e ex-presidente da FEB, foi a pessoa que visitou o jovem médium em Pedro Leopoldo e que levou os poemas para serem publicados originando o primeiro livro do médium em 1932. Quintão registrou a excelente apresentação “À quisa de prefácio”. Após comentários contextualizando a manifestação mediúnica e os estilos das “mais variadas formas verbalísticas e literárias, como a facilitarem de conjunto a identificação de cada um”, Quintão pondera sobre o médium: “E isto o dizemos porque o médium Xavier, um quase adolescente, sem lastro, portanto, de grande cultura e treino poético, recebe-a de jato e mais – quando de alguns autores não conhece uma estrofe! […] conseguimos vencer a relutância do médium, em sua natural modéstia, para lançar ao público, em geral, e aos confrades, em particular, esta obra mediúnica, que, certo estmoas, ficará como balisa fulgurante, na história a tracejar, do Espiritismo em nossa pátria”.1

Assim vieram a lume as 60 poesias psicografadas pelo então jovem e desconhecido médium de Pedro Leopoldo (MG). Os poemas são assinados por 14 poetas da língua portuguesa, brasileiros e portugueses: Augusto dos Anjos, Auta de Souza, Antero de Quental, Bittencourt Sampaio, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Casimiro Cunha, Cruz e Souza, Guerra Junqueiro, Júlio Diniz, João de Deus, Pedro de Alcântara, Souza Caldas e um desconhecido.

Desde o início de seus labores, Chico Xavier tem provocado intensas repercussões. A publicação dessa obra inaugural, em 1932, provocou celeuma.

Os escritores Menotti Del Picchia e Agripino Grieco foram dos primeiros literatos a se manifestarem sobre a obra, identificando os estilos dos diversos poetas brasileiros e portugueses.2,3 À vista das repercussões e das campanhas que moviam contra Chico Xavier na primeira década de psicografia, Monteiro Lobato também se manifestou, na época: "Se Chico produziu tudo aquilo por conta própria, então ele pode ocupar quantas cadeiras quizer na Academia".2

Os três literatos vieram a ser membros da Academia Brasileira de Letras.

Por ocasião do cinquentenário de atividades mediúnicas de Chico, no ano de 1977, entrevistamos algumas lideranças e publicamos em forma de artigo. Na oportunidade, Deolindo Amorim (presidente do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, Rio de Janeiro), comentou-nos: “[…] ainda me recordo de que, principalmente o Parnaso, objeto de comentários constantes, como outras obras de Chico empolgou muita gente nos primeiros tempos”.2

A jornalista Joyce Pascowitch fez interessante comentário em sua seção diária no jornal Folha de São Paulo (Caderno Folha Ilustrada, 14/11/1988): "Jorge Amado não seria o autor brasileiro de maior sucesso no exterior. A afirmação vem do adido cultural do Brasil na Itália, Francisco Rondó, que aponta o médium Chico Xavier como o imbatível "best seller" pelo mundo afora. Os livros psicografados pelo líder espírita – além de traduzidos para mais de 50 idiomas – alcançam tiragens numericamente superiores às do pai da Gabriela".2

Nesses 90 anos, foram lançadas várias reedições, algumas especiais, do livro pioneiro de Chico Xavier. Por ocasião dos 70 anos da profícua mediunidade lançamos um livro focalizando alguns aspectos da vida e da obra de Chico Xavier, depois reeditado em ampliado com as repercussões após sua desencarnação.

Entre vários episódios que presenciamos, a maneira de ser, simples e bem humorada, de Chico ficou expressa em fato relacionado com a obra inicial do médium. Quando obtivemos um exemplar da histórica 1a edição de Parnaso de Além Túmulo, solicitamos o autógrafo de Chico Xavier no envelhecido livro. Sempre gentil, registrou de forma bem humorada, fazendo referência que o autógrafo era anotado 53 anos após o lançamento daquela edição, e, um agradável registro histórico: “Aos queridos amigos César Perri de Carvalho e Célia entrego, afetuosamente, este livro, pedindo-lhes desculpas pelo atraso de cinquenta e três anos. Sempre reconhecidamente, Chico Xavier. Uberaba, 16/11/1985”. 2,3

Os 95 anos do início dos labores mediúnicos de Chico Xavier, iniciados aos 8 de julho de 1927, e os 90 anos da publicação de sua obra psicográfica inaugural, devem merecer a nossa homenagem reconhecida e a nossa reflexão pelo fato de sermos contemporâneos e beneficiários de obra com potencial de imensas conseqüências espirituais para a Humanidade.

Bibliografia:

1) Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Parnaso de além túmulo. 1.ed. Rio de Janeiro: FEB. 1932. 156p.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier. O homem, a obra e as reperrcussões. São Paulo: Edições USE/Capivari: EME. 2019. 223p.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

Extraído de:

BOLETIM DIÁRIO DE NOTÍCIAS DO MOVIMENTO ESPÍRITA. EDIÇÃO DE QUINTA-FEIRA, 14-07-2022: https://www.noticiasespiritas.com.br/…/14-07-2022.htm

A finalidade dos romances de Emmanuel

A finalidade dos romances de Emmanuel

    

Flávio Rey de Carvalho (*)

Diante da comemoração dos 80 anos do lançamento do livro Paulo e Estêvão, torna-se oportuno ressaltar a importância de parte de seu trabalho psicográfico.

Dentre as várias obras por seu intermédio produzidas, relembramos alguns aspectos relativos à adequação, às vivências em curso no nosso tempo, dos cinco romances ditados por Emmanuel entre 1938 e 1953. São eles: Há dois mil anos, Cinquenta anos depois, Paulo e Estevão, Renúncia e Ave, Cristo!.

Toda obra escrita é produzida, invariavelmente, com uma finalidade específica. Esta, por sua vez, deriva de um conjunto de intenções, objetivos e expectativas do autor. É norteado por esses princípios que um texto é, geralmente, pensado e elaborado.

Neste artigo, pretendemos analisar não o conteúdo propriamente dito que dão corpo às tramas transcorridas nos romances, mas destacar parte das intenções e dos pressupostos que o motivaram Emmanuel a rememorar essas histórias. Com esse propósito, seguem algumas passagens expressas por ele mesmo, acerca do sentido e da função do conteúdo de cada um de seus romances. Em Breve notícia, texto que antecede e prepara o leitor para a história desenvolvida em Paulo e Estêvão, Emmanuel esclareceu:

“[…] não é nosso propósito levantar apenas uma biografia romanceada. […] Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante”. Mais adiante, o autor revelou: “Outra finalidade deste esforço humilde é reconhecer que o Apóstolo não poderia chegar a essa possibilidade, em ação isolada no mundo. […] sem cooperação, não poderia existir amor; e o amor é a força de Deus, que equilibra o Universo”.1

E, no final, Emmanuel complementou:

“Oferecendo, pois, este humilde trabalho aos nossos irmãos da Terra, formulamos votos para que o exemplo do Grande Convertido se faça mais claro em nossos corações, a fim de que cada discípulo possa entender quanto lhe compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus-Cristo”.1

Portanto, voltados à divulgação de exemplos de vida pautados pelas lições e pelos princípios do Evangelho, os romances – a nós ofertados por Emmanuel, por intermédio da mediunidade de Chico Xavier – têm a finalidade de nos servir de roteiro e fonte de inspiração para melhor conduzirmos, em termos morais, as nossas vidas. Nesse sentido, essas obras se destinam à promoção de um tipo de conduta a ser assimilada e vivida, em termos práticos, no transcorrer de nossas experiências cotidianas, conforme consta na seguinte recomendação extraída do livro Emmanuel:

“O essencial é meter mãos à obra, aperfeiçoando, cada qual, o seu próprio coração primeiramente, afinando-o com a lição de humildade e de amor do Evangelho, transformando em seguida os seus lares, as suas cidades e os seus países, a fim de que tudo na Terra respire a mesma felicidade e a mesma beleza dos orbes elevados […]”.2

Referências:

1) Xavier, Francisco C. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estêvão. Cap. Breve notícia; 70 anos de Paulo e Estêvão. Brasília: FEB. 2012.

2) Xavier, Francisco C. Pelo espírito Emmanuel. Emmanuel. Cap. A tarefa dos guias espirituais. Rio de Janeiro: FEB. 2008.

(*) O autor nasceu e viveu a infância em Araçatuba; é mestre em História e doutor em Ciência da Religião; autor de livros; em São Paulo é colaborador do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo e do Grupo Espírita Casa do Caminho.

(Artigo publicado em Folha da Região, Araçatuba (SP), 06/07/2022, p.2 – Síntese de capítulo de sua autoria no livro: Carvalho, Antonio Cesar Perri. Emmanuel. Trajetória espiritual e atuação com Chico Xavier. Matão: O Clarim. 2020)

Chico Xavier – 20 anos depois da “partida”

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Chico Xavier – 20 anos depois da “partida”

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Há 20 anos, no dia 30 de junho de 2002 desencarnava Chico Xavier, aos 92 anos de idade.

Nesse período de tempo ocorreram várias repercussões relacionadas com a vida e obra do médium. Há muitas homenagens e reconhecimentos significativos, mas é cabível a análise sobre como a experiência de vida e a profícua obra psicográfica de Chico Xavier vem sendo valorizados no ambiente do movimento espírita

Com esse propósito, escolhemos as cinco palavras-chave que o caracterizam e que foram utilizadas durante as comemorações de seu Centenário de nascimento: espírito, saber, fé, caridade e amor. Destacamos como estudioso de sua obra e o testemunho dos inúmeros contatos pessoais que tivemos com o médium Essas palavras estão presentes no conteúdo dos livros e se concretizaram em ações durante a vida de Chico Xavier. Portanto, são fontes de inspiração e de roteiro para nossas trajetórias de vida.

A vertente simbolizada por “espírito” é a marca registrada das ações do missionário que atuou como intermediário de entidades desencarnadas durante toda sua vida. Além dos fatos sobre identidade de espíritos registrados em livros, inúmeras pessoas ao visitarem o médium, ficaram surpresas e convencidas com informações sobre entidades desencarnadas com elas relacionadas.

Em função dessa continuada interexistência entre as dimensões espirituais e do mundo corporal, brotou uma sabedoria diferente com a atuação de Chico Xavier. Isso porque o seu saber não era fruto do estudo formal e muito menos acadêmico porque ele apenas completou apenas o ciclo das então chamadas quatro séries primárias. Nas manifestações psicográficas e psicofônicas, em diálogos e entrevistas públicas, surgiam apreciações em diversos estilos – poemas, romances, contos e dissertações -, focalizando temas variados e profundos do conhecimento humano.

Em autênticas situações de testes ele sempre demonstrou confiança, fé e a busca pelo caminho do bem. Indiscutivelmente era um autêntico homem de fé! E seus conselhos e os livros mediúnicos representam um rico repositório de valorização da fé.

Desde os tempos de sua juventude em Pedro Leopoldo até o final da existência física em Uberaba, a caridade foi uma prática persistente de Chico Xavier. As chamadas peregrinações eram a materialização da caridade material e espiritual. Além disso, no silêncio de muitas noites Chico visitava lares necessitados.

Praticamente coroando o vasto significado das palavras-chaves que já destacamos, surge a quinta: amor. A essa altura lembramos da palavra grega “ágape” que significa amor que se doa, amor incondicional e o amor que se entrega.

Exatamente isso que caracterizou a vida longa e profícua de Chico Xavier. Ele operacionalizou o amor com a prática da caridade, a vivência da fé, empregando a valorização do saber espiritual e a certeza inconteste da vida imortal.

(Publicado no jornal Folha da Região, de Araçatuba, dia 29/06/2022)

Síntese de artigo do autor em Revista Internacional de Espiritismo, junho de 2022, matéria de capa.

Exposições sobre cura e arte, Benedita Fernandes e Bezerra de Menezes

Exposições sobre cura e arte, Benedita Fernandes e Bezerra de Menezes

     

Antonio Cesar Perri de Carvalho

No mês de junho ocorreram duas inaugurações de mostras significativas para o público.

No dia 21 de junho foi aberta “A exposição “Diálogos de Corpo e Alma”, os caminhos da cura através da Arte, no Centro Cultural dos Correios em São Paulo. A exposição tem como propósito abordar a questão da cura através da arte, da espiritualidade e da ciência com diversos artistas e seus trabalhos, que vão desde a pintura, escultura, instalações e videoarte.

A mostra se expande através de salas temáticas que apresentarão diferentes caminhos da cura. Essa exposição de São Paulo contém material sobre vida e obra de Benedita Fernandes, inclusive uma montagem da casa de madeira que original os atendimentos pioneiros da seareira em Araçatuba (SP). Sirlei Nogueira, de Araçatuba, esteve presente na abertura da Exposição.

Esse espaço público sobre a cura através da ciência enfatiza o trabalho do Dr. Sérgio Felipe de Oliveira, renomado médico e pesquisador, estudioso da glândula pineal. A criadora da exposição é a artista plástica Lesiane Lazzarotti Ogg, que vem desde 2013 realizando coletivas como o Arte Alerta e o Pintar para imortalizar.

No dia 22 de junho foi inaugurado o Memorial Bezerra de Menezes, em Fortaleza, ocupando temporariamente, um dos castelos da Praça Luíza Távora, em convênio com a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), do Estado Ceará.

Considerado um dos mais ilustres brasileiros do Século XIX, o “Médico dos pobres”, cearense nascido no antigo Riacho do Sangue, tem agora um espaço para celebrar a sua memória – o Mebem, ideia que ganhou força com o lançamento, em novembro/2021, do livro “Bezerra de Menezes – O homem, seu tempo e sua missão”, do historiador Luciano Klein, também presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará.

O Memorial Bezerra de Menezes está voltado à preservação e propagação de informações históricas sobre a vida e o legado do cearense Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcante. Ali estarão abrigados documentos e fotografias inéditos, objetos pessoais e demais acessórios constantes, em sua maior parte, da obra recém-lançada por Luciano Klein, de cerca de 1.200 páginas, e já um sucesso editorial no Brasil que Bezerra ajudou a desenvolver nos tempos do Império.

Um memorial para promover a Paz e o Bem na cidade. É um espaço de acolhimento onde se respirará a arte e a cultura – espírita e não-espírita. Ali estará também uma sucursal da Livraria Sinal Verde, da Federação Espírita do Estado do Ceará (FEEC), com obras de caráter espiritista e espiritualista.

Fundado em 02 de setembro de 2021, o Memorial Bezerra de Menezes é uma associação civil sem fins econômicos, de personalidade jurídica, tendo por finalidades “promover e estimular, de forma democrática, a cultura e a pesquisa espírita nos aspectos histórico, filosófico, científico e religioso, por meio de palestras, conferências, simpósios, seminários, congressos, exposições”, albergando inciativas convergentes com a paz, o bem comum, o bem-estar da gente.

Na solenidade de inauguração da sede do MEBEM ocorreram apresentações musicais; fala de autoridades; visita guiada; palavras de Luciano Klein sobre seu livro recém lançado sobre Bezerra de Menezes; recital de poesias e exibição de documentário inédito de Bezerra de Menezes na Sala de Cinema.

Duas mostras importantes. Interessante é que a vida e obra de Benedita Fernandes, as pesquisas e trabalhos do dr. Sérgio Felipe estão relacionados com o livro magistral de autoria de Bezerra de Menezes: “A loucura sob novo prisma”, edição FEB.

O boticário que se tornou um dos maiores intelectuais espíritas do Brasil

O boticário que se tornou um dos maiores intelectuais espíritas do Brasil

Juliana Sayuri – Do TAB, em Matão (SP) 08/06/2022.

Entre os ladrilhos lascados e desbotados pelo tempo, ainda dá para ler na esquina entre a rua Rui Barbosa e a avenida 28 de Agosto: Pharmacia Schutel. Hoje, o endereço abriga uma Multidrogas, drogaria multicolorida e marcada por um cartaz colossal "aqui tem farmácia popular" como chamariz.

Mas quando Cairbar Schutel (1868-1938) chegou ali, era tudo mato, literalmente. Era, dizia-se na rádio, "um pequenino vilarejo, cercado de gragoatãs, guabirobas, indaiás, joás, ingás, marias-pretas, ariticuns, cobras, onças, macacos e mata virgem, com perobeiras, jequitibás, embaúbas, cabreúvas, paus d'alho, cedros, jacarandás e uma imensidade de árvores seculares, servindo de trono às aves canoras, no despertar das madrugadas e cerrar das Aves-Marias". Era assim a vila do Senhor Bom Jesus das Palmeiras, a atual cidade de Matão, no interior de São Paulo.

Schutel, um jovem farmacêutico carioca, saiu do Rio de Janeiro em busca de ares mais tranquilos — e mais distantes da tuberculose, a infecção que rondava a capital à época. Passou por Piracicaba, Itápolis e Araraquara até se instalar no vilarejo, em 1895. Ele abriu a farmácia de esquina no centro da vila.

Ao redor, construiu casinhas de madeira para abrigar hansenianos (à época estigmatizados como "leprosos") e internos (tidos como "loucos" por outras instituições). "Tratava todo mundo, inclusive quem não tinha condições de pagar", conta Lúcia Helena Marchesan, 67, no endereço onde um dia viveu o boticário que ficou conhecido como "o pai dos pobres de Matão". Lúcia é quem hoje abre as portas da construção centenária, que foi convertida no Memorial Cairbar Schutel no fim de 2013. Fechado devido à pandemia de covid-19, o memorial reabriu recentemente a visitantes, mediante agendamento prévio.

A poucos passos da farmácia, a casa amarela abriga antigos frascos de remédio, fotografias, documentos oficiais da cidade, panfletos, uma Bíblia rara de 1832, uma caderneta de identidade da Associação Paulista de Imprensa, uma máquina de escrever Royal 10, livros que o carioca escreveu e cartas que trocou com intelectuais ingleses e franceses interessados em fenômenos espíritas.

O acervo dá pistas das diferentes facetas de Schutel: além de farmacêutico, foi um dos responsáveis por elevar o vilarejo à condição de cidade, em 1898, e ocupou o cargo de intendente de Matão (o equivalente a prefeito nos dias atuais); católico, abraçou o espiritismo e se tornou um de seus maiores propagadores, às vezes tratado como "bandeirante" espírita: fundou o Centro Espírita Amantes da Pobreza e o jornal O Clarim em 1905, ajudou a construir o Hospital de Caridade em 1913, iniciou a Revista Internacional de Espiritismo em 1925 e fez conferências de rádio sobre a religião na década de 1930.

'Amantes da pobreza'

"Cairbar foi pioneiro", diz Cássio Leonardo Carrara, 34, autor de "O Som da Nova Era", livro-reportagem que trata da trajetória do jornal mensal O Clarim. De Mineiros do Tietê (SP), Cássio cresceu ouvindo as histórias de Schutel na sua família, espírita desde os tempos de seu bisavô. "Lembro de meu pai lendo 'E, para o resto da vida' [livro de Wallace Leal Valentin Rodrigues] para nós, lembro da revista e d'O Clarim entregue em casa", conta. Cássio se mudou para Matão na adolescência e depois cursou jornalismo na Uniara (Universidade de Araraquara), campus a 30 km dali. Desde 2011 trabalha como jornalista na Casa Editora O Clarim, que até hoje publica o jornal O Clarim e a Revista Internacional de Espiritismo — eles não divulgam a tiragem. A edição de junho da revista, por exemplo, discute como conflitos íntimos impactam na sociedade através da intolerância e da violência. "Cairbar é uma referência intelectual. O espiritismo não tem estrutura hierárquica, não tem líder", diz o escritor.

Antes dele, quem por muito tempo liderou a produção foi o editor Apparecido Belvedere, 94, atualmente afastado por motivos de saúde. Na juventude, Belvedere frequentava o Centro Espírita Cairbar Schutel no Itaim Bibi, na zona sul da capital paulista, e visitava Matão todo agosto, mês de aniversário d'O Clarim. Na década de 1970, mudou-se para lá e, até pouco tempo, fazia trabalho voluntário na editora.

"Tudo é voluntário", diz Lúcia Marchesan, atual vice-presidente da casa, que busca se manter com a venda de livros e assinaturas, além de doações.

A certo ponto, conta Cássio Carrara no livro "O Som da Nova Era", o Centro Espírita Amantes da Pobreza não inspirava muita confiança em bancos e empresas — "se são amantes da pobreza, talvez acabem não tendo como honrar seus compromissos conosco", pensava-se. Na verdade, a expressão queria dizer amor aos pobres, a caridade com quem necessita, devido a pobreza não só material, mas intelectual, sentimental e de espírito. Dada a confusão, decidiu-se em 2003 rebatizar a instituição como Centro Espírita O Clarim.

Debaixo do guarda-chuva do centro estão a Casa Editora O Clarim e o Memorial Cairbar Schutel. O centro possui um auditório com bancos de madeira cedidos pelo antigo cinema da cidade, uma livraria e salas para reuniões mediúnicas, estudos e evangelização, frequentadas por cerca de 30 pessoas. A editora corresponde a uma pequena redação — em 2010, os dirigentes decidiram desmontar o parque gráfico e terceirizar a impressão, pois o maquinário já estava defasado e seria caro demais modernizá-lo.

'Sou imortal'

Mário de Andrade (1893-1945) escreveu o manuscrito de "Macunaíma" na chácara Sapucaia, na cidade de Araraquara, em 1926. Na época, o autor modernista visitou Matão. "Quando por lá passou, foi à farmácia e visitou as instalações da gráfica do jornal O Clarim, e parece não ter desgostado daquela que descreveu como 'cidadezinha progressista'", contou no Facebook o crítico literário Paulo Franchetti, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). A farmácia foi um ponto de encontro intelectual e cultural da cidade, considera o crítico matonense.

Após a morte de Cairbar Schutel, a drogaria passou para Alberto Benassi, conhecido como Seu Albertinho, que por muito tempo preservou a estrutura tal qual a original do boticário, com armários e balcões de madeira. Seu Albertinho faleceu recentemente e no endereço se instalou uma filial da franquia Multidrogas.

Foi nos tempos de farmácia que Schutel se tornou espírita, enquanto buscava respostas sobre seus sonhos: órfão na infância, o jovem farmacêutico vinha sonhando constantemente com os pais. Primeiro procurou um padre, que lhe sugeriu deixar a história do além pra lá. Passou então a buscar outras fontes de informação, juntando-se a amigos em sessões de tiptologia, experiência que os espíritas realizam com mesas giratórias. Para espíritas, a morte não é o fim: todos teríamos vidas passadas e as reencarnações seriam oportunidades para melhorarmos, evoluirmos.

A inspiração vem do autor francês Allan Kardec (1804-1869), que "codificou" O Livro dos Espíritos, em 1857 — 18 de abril, data de lançamento do livro, foi escolhido como Dia Nacional do Espiritismo, instituído pelo Congresso e publicado no Diário Oficial de 31 de maio. No Brasil vive o maior contingente de espíritas kardecistas do mundo, com cerca de 3,8 milhões de adeptos, segundo os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Cairbar Schutel foi enterrado no cemitério de Matão. "Vivi, vivo e viverei, porque sou imortal", diz sua lápide. A frase teria sido ditada pelo editor e psicografada pelo médium paulista Urbano de Assis Xavier (1912-1959), seu discípulo. Do lado "de lá" é difícil dizer, mas do de cá sobreviveu seu legado: influente até hoje, ele dá nome a diversos centros espíritas, hospitais, centros de assistência, abrigos, avenidas e ruas Brasil afora.

Veja mais em (copie e cole):

https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/06/08/o-boticario-que-se-tornou-um-dos-maiores-intelectuais-espiritas-do-brasil.htm?cmpid=copiaecola