Juventude – alertas sobre contextos sociais e espirituais

Juventude – alertas sobre contextos sociais e espirituais

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Como vivemos intensamente o período das mocidades espíritas e a partir delas iniciamos nossa trajetória espírita, podemos fazer uma reflexão que envolve várias décadas de vivência e observações.1

A nossa visão atual é que tem havido evidente diminuição na existência e atuação do segmento jovem no movimento espírita. Desde o auge das ações dos jovens espíritas no Brasil, entre os anos 1950 e 1960, muitos fatores influíram na sociedade e com reflexos no movimento espírita.

Dados estatísticos do Brasil, até quando foi realizado o Censo Nacional, em 2010, evidenciam que, entre os segmentos religiosos, a faixa etária jovem cresce bem menos entre os espíritas. No período em que estávamos como um dos responsáveis pelo Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira estimulamos a discussão e houve uma decisão no ano de 2010 de que “o tema juventude espírita deve ser amplamente analisado, levando-se em consideração os aspectos sociológicos, psicológicos, antropológicos e educacionais dos tempos atuais e suas relações e impactos com o Movimento Espírita”. Esse projeto evoluiu nos anos imediatos e durante nossa gestão na presidência da FEB foi concretizada a “Confraternização Brasileira de Juventudes Espíritas”, inicialmente da região Centro (2013), desenvolvida de maneira dinâmica com oficinas de trabalho, palestras e apresentações teatrais e musicais. Posteriormente, embora repetida em outras regiões, ocorreram alterações e não aconteceu a ampla análise sobre juventude.1

O contexto social foi profundamente transformado, superando-se muitas tradições e até pressões religiosas, e, em função da proliferação do ensino universitário, desenvolvimento tecnológico e acesso amplo aos meios de informação o jovem atual apresenta perfis e tendências muito diferentes dos vigentes em meados do Século XX. Nas empresas, algumas atividades especializadas são atualmente operacionalizadas e dirigidas por pessoas jovens.

Em época de estímulos ao conhecimento, ao empreendedorismo e várias formas de inclusão, muitas instituições espíritas tratam os jovens de maneira quase infantilizada. Há incompreensões e impasses, pois muitos dirigentes de nossos dias trazem maneiras de pensar e reagir mais vinculadas às características de décadas passadas.

Praticamente corroborando nossas observações, mas apontando para um cenário muito mais amplo, veio a lume no início de maio de 2022 o resultado de pesquisa sobre a religiosidade do segmento mais jovem do país.

Essa recente pesquisa do Datafolha2 mostra que entre os jovens de 16 a 24 anos, o percentual dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional. Especificamente no Rio de Janeiro e São Paulo, o crescimento dos brasileiros que se dizem "sem religião" é ainda mais marcante, particularmente entre os jovens. Os sem religião na faixa etária de 16 a 24 anos são numerosos: em São Paulo chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%); no Rio de Janeiro, chegam a 34%, também acima de evangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%). Os responsáveis pela pesquisa comentam que entre os fatores que podem explicar esse cenário há o aumento de famílias plurirreligiosas e a ampla rede de múltiplas fontes de informação, completamente diferente das faixas etárias, por exemplo, dos idosos, “cuja sociabilidade muitas vezes é restrita à família e à igreja”. Em contato com sociólogos e pesquisadores do Instituto Superior de Estudos da Religião, trabalham com a hipótese de que "A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas". Há opiniões de acadêmicos que "há uma trajetória de busca e experimentação que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas"; seriam “são outros modos de ter fé".2

Portanto, fica cada vez mais claro que há profundas mudanças no cenário social e que as instituições espíritas precisam se adequar às novas realidades. Por outro lado, em uma vertente totalmente distinta, mais conhecida pelo ambiente espírita, dispomos de mensagens espirituais assinadas por jovens pelo processo da psicografia. Nos anos 1970 e 1980 foram publicadas mensagens de jovens psicografadas por Chico Xavier, como Jovens no além3, em que vários jovens desencarnados se propõem a auxiliar “a escolher o melhor caminho e a pensar com acerto, em qualquer ângulo espacial a que nos ajustemos ou em qualquer faixa etária de nossa evolução”.

No presente ano veio a lume o livro Juventude interrompida. Relatos e alertas dos jovens do além4, contendo mensagens espirituais que representam um autêntico brado de alerta para as famílias e para as instituições espíritas. Essa recente obra reúne mensagens de 24 jovens desencarnados, psicografadas em reuniões da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo. Conta com prefácio de Rossandro Klinjey. O objetivo “é esclarecer a respeito de temas que estão presentes na vida da juventude”. Assim, foram selecionadas mensagens que tratam de temas como: aborto, Aids e IST, dependência do álcool, distúrbios alimentares e conflitos de autoimagem, doenças cármicas, fatalidades, mortes violentas, overdose, suicídio e violência familiar. Nas considerações ao final da obra, o presidente da FEEES Fabiano Santos de Campos destaca que pretenderam “trazer à reflexão temas que precisam servir de base para o estudo e conhecimento de parcela significativa daqueles que ainda vêem a existência circunscrita a uma única chance propiciada pela divindade” e com o alerta de “a morte não existe”.4

A nova realidade de compreensão de “outros modos de ter fé”, de “famílias plurirreligiosas” e tendências de desinstitucionalização, apontadas por pesquisadores ao analisarem a pesquisa do Datafolha, e, o forte conteúdo das mensagens de espíritos que tiveram sua “juventude interrompida” deve representar um alerta severo para que as instituições espíritas analisem todo esse contexto da atualidade. Kardec considera que a “nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento ao qual tenha chegado.”5 

Todavia há grandes desafios para se abrir espaço no movimento espírita, desde sua base nos centros, para que haja condições de se compreender os problemas atualmente vividos pela juventude, superando-se os tabus que impedem a abordagem de temas complexos como os relatados pelos jovens desencarnados no recente livro citado. E, sem dúvida, efetivamente abrir-se espaço para o protagonismo juvenil nas instituições. Até na forma de abordagem de conteúdos doutrinários e no tempo de duração de palestras, deveriam ocorrer alterações para que o público alvo mais jovem se sinta motivado a participar de estudos e de atividades de divulgação do Espiritismo. O adulto pode ter experiência; mas o jovem pode ter mais condições para o dinamismo, e, juntos elaborarem propostas de adequações aos tempos atuais. As duas vertentes deveriam se integrar e somar esforços para a atualização e dinamização das instituições espíritas, sem trâmites burocráticos formais, típicos de hierarquização.

Os tempos conturbados requerem providências rápidas e prudentes!

O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.

2) Jovens sem religião superam católicos e evangélicos: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/09/jovens-sem-religiao-superam-catolicos-e-evangelicos-em-sp-e-rio.ghtml; consulta em 23/05/2022.

3) Xavier, Francisco Cândido; Ramacciotti, Caio; espíritos diversos. Jovens no além. São Bernardo do Campo: GEEM. 1975. 223p.

4) Autores diversos. Juventude interrompida. Relatos e alertas dos jovens do além. Matão: Casa Editora O Clarim. 2022. 368p.

5) Kardec, Allan. Trad. Imbassahy, Carlos de Brito. A gênese. Cap. 18. São Paulo: FEAL. 2018.

(Matéria publicada na Revista Internacional de Espiritismo, Ano XCVII, n.6, Julho de 2022, p.288-290)