Prece de Gratidão

Jorge Damas Martins
jdamas@globo.com

105 anos do nascimento de Chico Xavier.

O destacado tribuno espírita Newton Boechat – amigo de Chico Xavier e comensal à mesa do Evangelho nas sessões de sexta-feira do Centro Espírita Luiz Gonzaga – dizia com ênfase: – Orar é uma forma de conversarmos com o Além sem precisar desencarnar.

Assim, nós do aquém, queremos numa prece, a mais perfeita, agradecer o mundo de bênçãos que a antena psíquica de Chico Xavier nos legou e, que agora, em 2 de abril, completa 105 anos.

Ele foi um exemplo de Amor que soube vivenciar os valores do Evangelho de Jesus: Humildade, Caridade, Comprometimento, Solidariedade, Ética e União.¹

Quiçá tivéssemos o dom da prece perfeita. Então, à semelhança dos apóstolos, pedimos ao divino Mestre a ajuda correta: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lucas, 11:1).2 E Jesus, o Cristo de Deus, nos ensina: “Orai desta maneira” (Mateus, 6:9):²

Pai nosso que estás nos céus,
santificado seja o teu Nome,
venha o teu Reino,
seja feita a tua vontade,
na terra, como no céu.

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.
E perdoa-nos as nossas dívidas,
como também nós perdoamos aos nossos devedores.

E não nos submetas à tentação,
mas livra-nos do Maligno […]
(Mateus, 6:9 a 13).

Digitamos cada palavra, desta prece perfeita, vibrando cheios de amor pelo nosso Chico Xavier. E, com certeza, chegamos a contento, pois ela é a mais perfeita, como nos ensina o codificador, Allan Kardec:

[…] De todas as preces, é a que eles [os Espíritos] colocam em primeiro lugar, seja porque procede do próprio Jesus […], seja porque pode suprir a todas conforme os pensamentos que se lhe conjuguem; é o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade. [.,..]³

Inicialmente, queremos destacar a concisão desta oração, que se distingue da maioria das preces judaicas da época. Lembramos ainda que o texto apresentado por Mateus traz uma invocação solene: “Pai nosso que estás nos céus”, o qual corresponde plenamente ao uso da piedade judeu-palestinense. E, por fi m, sublinhamos o pedido de perdão dos pecados (erros), como alertou o Dr. J. Jeremias, professor da Universidade de Göttingen, na Alemanha, em sua obra O Pai-Nosso:

No fim da perícope, uma sentença de Jesus indica a disposição exigida para bem orar: somente tem direito de pedir o perdão divino, aquele que pessoalmente está pronto a perdoar.

O evangelista Lucas – pela mediunidade histórica e inspirativa – ainda consegue ser mais conciso. Acompanhemos, vibrando, em cada palavra, pelo nosso Chico Xavier:

Pai, santificado seja o teu Nome; venha o teu Reino; o pão nosso cotidiano dá-nos a cada dia; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair na tentação. (Lucas, 11:2 a 4.)

A redação de Lucas é mais curta. Seu texto tem como destaque a invocação inicial: “Pai”, ou, mais propriamente, “Pai querido”, em grego pater, em aramaico abba.

Raramente – comenta J. Jeremias (op. cit., p. 34), Deus é designado como pai no Antigo

Testamento. Porém, este “Abba” é ipsissima vox de Jesus, sua maneira original de falar. Um exemplo é a sua oração no Getsêmani:

Abba! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém, não o que quero, mas o que tu queres” (Marcos, 14:36).

Paulo de Tarso também segue esta mesma tradição em Romanos (8:15) e em Gálatas (4:6). J. Jeremias (op. cit., p. 37) comenta de forma surpreendente:

“Abba” era o nome dado pela criança a seu pai. E o Talmud confirma: “Quando uma criança saboreia o trigo (isto é, quando é desmamada), aprende a dizer ‘abba’ e ‘imma’ (papai, mamãe). ‘Abba’, era um termo infantil e familiar: ninguém ousaria dizer ‘Abba’ dirigindo-se a Deus! Jesus o fez sempre… Jesus dirige-se a Deus como uma criancinha a seu pai, com a mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante”.4

Esta forma de falar mostra um conhecimento único de Deus e encerra o essencial da mensagem de Jesus. E a nós – como filhos de Deus e discípulos de Jesus – dá-nos o direito de também nos dirigirmos ao Pai celeste com a confiança de um menino. O Cristo chega mesmo a afirmar que apenas este relacionamento novo de criança para com o Pai poderá abrir a porta do Reino dos Céus:

Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. (Mateus, 18:3.)

Chico Xavier foi um grande exemplo do se fazer criança, quando se autodenominava “cisco de Deus”, “besta cheia de pisaduras” etc.5

Mas, o leitor atento poderia indagar sobre a falta, nos textos de Mateus e Lucas, da doxologia: “pois a ti pertence o reino, o poder e a glória, por todos os séculos. Amém”. J. Jeremias (op. cit., p. 55) esclarece:

Seria, porém, grande equívoco deduzir daí que o Pai-nosso tenha sido recitado, em alguma época, sem uma conclusão em forma de louvor a Deus. No ambiente da Palestina seria completamente inconcebível que se terminasse uma oração com a palavra “tentação”. Ora, devemos esclarecer que era costume, no judaísmo, terminar muitas orações por um “selo”, isto é, por um breve louvor, cuja formulação era deixada à livre iniciativa de quem rezava.4

Então, é no Didaqué, um dos livros mais antigos do Cristianismo (escrito entre 70-120 d. C.), que pela primeira vez aparece esta famosa conclusão:

“Porque teu é o poder e a glória para sempre” (8:3).6

Outro mensageiro da luz, muito querido de Chico Xavier, foi Francisco de Assis (1181-1226 d. C.). Ele também faz uma releitura da oração ensinada por Jesus.7 Aliás, as famosas peregrinações das 15 horas dos sábados, quando se distribuíam pães e víveres aos irmãos mais necessitados, eram feitas pelo nosso Chico, “sempre recordando os exemplos de São Francisco”.8 Eis a versão inspiradíssima do santo de Assis,9 vibrando em especial para o amado médium de

Pedro Leopoldo:

Ó santíssimo Pai nosso: Criador, Redentor, Salvador e Consolador;

que estais nos céus: nos anjos e nos santos. Vós os iluminais para o conhecimento, porque vós, Senhor, sois a Luz. Vós os inflamais para o amor, porque vós, Senhor, sois o Amor. Vós habitais neles repletando-os para a vida beatífica, porque vós, Senhor, sois o sumo Bem, o Bem eterno, do qual procede todo bem e sem o qual nada pode ser bom;

santificado seja o vosso nome: reluza em nós o conhecimento de vós, para podermos reconhecer a largura de vossos benefícios, o comprimento de vossas promessas, a altura de vossa majestade e a profundidade dos juízos;10 venha a nós o vosso reino: para que reineis em nós por vossa graça e nos deixeis entrar no vosso reino, onde veremos a vós mesmo sem véu, teremos o amor perfeito a vós, a beatífica comunhão convosco, a fruição de vossa essência;

seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu: a fim de que vos amemos de todo o coração, pensando sempre em vós; de toda a alma, aspirando sempre a vós; de todo o nosso entendimento, ordenando todos os nossos desejos a vós e buscando em tudo a honra vossa; de todas as nossas forças, empenhando todas as virtudes e sentidos do corpo e da alma na obediência a vosso amor e em nada mais. E para amarmos o nosso próximo como a nós mesmos, atraindo, na medida de nossas forças, para o vosso amor todos os homens, alegrando-os pelo bem dos outros e pelo nosso próprio bem, compadecendo-nos deles em suas tribulações e jamais ofendendo a ninguém;

O pão nosso de cada dia: vosso dileto Filho Nosso Senhor Jesus Cristo,11 nos

dai hoje, a fi m de lembrar e reconhecer o amor que teve por nós bem como tudo o que por nós tem falado, operado e sofrido;

perdoai-nos as nossas ofensas: por vossa inefável misericórdia e o inaudito sofrimento de vosso dileto Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e pela poderosa intercessão da beatíssima Virgem Maria bem como pelos méritos e súplicas de todos os vossos eleitos;

assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido: e o que nós não perdoamos totalmente, fazei vós, ó Senhor, que o perdoemos plenamente, a fim de que possamos amar sinceramente os nossos inimigos e por eles intercedamos junto de vós, não retribuamos a ninguém o mal pelo mal e nos esforcemos por ser úteis a todos em vós;

e não nos deixeis cair em tentação: oculta ou manifesta, impetuosa ou inesperada;

mas livrai-nos do mal: passado, presente e futuro. Amém.

Por fim, poderíamos indagar: este é um artigo de prece-amor ou de pesquisa-instrução? E a resposta é óbvia e dentro das recomendações do próprio autor do “Pai-Nosso”, Jesus, o Espírito de Verdade: “Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo […]”.3

Penso que assim, o nosso querido homenageado, Chico Xavier, ficará mais feliz, pois, além de termos vibrado com intenso amor, a ele agradecidos, estudamos também a mensagem de Vida, legada por Jesus para o nosso bem e salvação.

Referências:
1 Esses também são os valores da Federação Espírita Brasileira.
2 Todas as citações bíblicas foram retiradas d a Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 2002.
3 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 3. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 28, it. 2, p. 327; cap. 6, it. 5, p. 107, respectivamente.
4 O Pai-Nosso: a oração do Senhor. São Paulo: Edições Paulinas, 1976. p. 18-19, 34, 37 e 55, respectivamente.
5 MARTINS, Jorge Damas. Bezerra de Menezes e Chico Xavier: O médico e o médium. Rio de Janeiro: Ideia Jurídica. pt. 2, p. 81 e 118.
6 Padres apostólicos – Didaqué. 3. ed. São Paulo: Ed. Paulus, 2002. p. 353.
7 Chico Xavier recebeu mediunicamente duas releituras do Pai-Nosso: 1ª) Oração, do Espírito José Silvério Horta. Ver XAVIER, Francisco C. Parnaso de além-túmulo. 19. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. p. 527. 2º) Ver MARTINS, Jorge Damas. Bezerra de Menezes e Chico Xavier: O médico e o médium. Rio de Janeiro: Ideia Jurídica. cap. Em oração a Jesus e a Maria, do Espírito Bezerra de Menezes, p. 150-151.
8 XAVIER, Francisco C. (Org. Elias Barbosa.) Irmã Vera Cruz. Pelo Espírito Vera Cruz. 2. ed. Araras (SP): IDE, 1980. p. 40.
9 São Francisco de Assis – Escritos e biografias de São Francisco de Assis. Petrópolis (RJ): Ed. Vozes, 1981. p. 100-101.
10 Confira a Carta aos Efésios, 3:18.
11 Jesus disse: “Eu sou o pão da vida”. (João, 6:35.)

FONTE: http://www.souleitorespirita.com.br/reformador/destaque/prece-de-gratidao/