O grande leão de Deus

O grande leão de Deus

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Em portentosa obra sobre o apóstolo Paulo – O grande amigo de Deus1, a autora Taylor Caldwell destaca frases entre os capítulos que são significativas. Dela mesma: “Qualquer semelhança entre o mundo de São Paulo de Tarso e o mundo de hoje é puramente histórica”; de autoria de Santo Agostinho: “Pois ele foi um verdadeiro leão vermelho, o grande leão de Deus”.

Trata-se da romancista britânica Taylor Caldwell que lançou nos EUA em 1970 a obra Great lyon of God (O grande leão de Deus), sobre a vida do apóstolo Paulo. No Brasil a obra foi traduzida com o título O grande amigo de Deus1, sendo muitas vezes editada. A autora Janet Miriam Holland Taylor Caldwell (1900-1985) adota vários pseudônimos em seus livros. Ela também é autora da bem conhecida obra Médico de homens e de almas, sobre Lucas.

No seu livro ela destacou outras nuances sobre Paulo: “muitos romances e livros acerca de São Paulo contaram com maravilhosas minúcias o que ele fez e realizou na vida e nas viagens missionárias. Estou interessada no que ele foi, um homem como nós, como seus próprios desesperos, dúvidas, ansiedades, raivas e intolerâncias, e ‘apetites de carne’. Muitas obras preocuparam-se apenas com o Apóstolo. Estou preocupada com o homem, o ser humano, tanto quanto com o intimorato santo”. Com base em pesquisas e muita inspiração Taylor Caldwell recria em forma de romance a vida de “Saul de Tarshish”, como ela se refere a Saulo de Tarso.

A obra é extremamente interessante e muito rica de detalhes, mas como muitos romances, nem tudo pode ser considerado autêntico do ponto de vista da fundamentação histórica.

Todavia, há fatos sobre a autora que devem ser lembrados. Ela viveu o drama de se declarar católica, não aceitar a reencarnação, e, em vários momentos que foi submetida à regressão da memória, personificava vivências em momentos de várias épocas e, ao retornar ao estado de lucidez ficava surpresa com os relatos registrados pelos profissionais da área psicológica. Certa feita a médium Dorothy Raulenson fez fascinantes revelações sobre a escritora2: “A Sra. Caldwell teria vivido também como dançarina na corte do Imperador Domiciano, em Roma. Naquela existência, teria sido convertida ao Cristianismo pelo próprio apóstolo João, no seu exílio, na ilha de Patmos, isto, de certa forma, explicaria sua familiaridade com as figuras de Paulo e de Lucas, que ela trata com muito carinho e minúcia em dois dos seus melhores livros. A médium menciona ainda a posição religiosa do Espírito Senhora Caldwell: ela vem oscilando milenarmente entre o amor e o ódio, perante a figura de Deus. Ainda hoje, escreve sobre ele com certas tonalidades amorosas, mas o repudia. – O mais curioso, diz a médium, é que lá, muito no fundo, ela pensa que é uma parceira de Deus. Seria, pois, esse invencível orgulho o terrível aguilhão que a leva a atravessar todas as vidas angustiosas e cheias de frustrações?”2

Assim, existe a hipótese de que Taylor Caldwell em alguns momentos escrevesse também em transe, anímico e/ou mediúnico.

Voltando à figura central do romance, Paulo de Tarso. Aos valores humanos destacados pela romancista mesclam-se os espirituais, pois no ambiente das religiões ele é uma marcante referência. Taylor Caldwell é profunda admiradora de Paulo: “Saul exerceu mais influência no mundo ocidental e na cristandade do que a maioria de nós conhecemos, pois o judeu-cristianismo, que ele diligentemente espalhou para o mundo, é o alicerce da jusrisprudência, moral e filosofia modernas do Ocidente…”1

No estudo que elaboramos sobre o cristianismo3 focalizamos o papel de Paulo e buscamos as opiniões de pesquisadores de diferentes épocas.

O conhecido pensador Joseph Ernest Renan considera Paulo como um homem eminente, que desempenhou um dos papéis de mais relevo na fundação do cristianismo, admitindo que seus textos são superiores aos dos outros apóstolos. O historiador Daniel Rops é taxativo: “Lendo o Novo Testamento, ficamos com a impressão de que a sementeira cristã se resume em São Paulo”.3

A essa altura, é oportuna a observação de Taylor Caldwell, destacando o vigor e a coragem do vulto histórico e critica momentos do Século XX: “O judeu-cristianismo defronta-se nestes dias com a maior provação de sua história, pois de forma extensa e terrível tornou-se secular e prega o ‘Evangelho Social’ ao invés do ‘Evangelho de Cristo’.”1

O acadêmico e pároco anglicano contemporâneo Nicholas T. Wright, autor de estudos sobre Paulo, opina que a ação do Apóstolo tem “uma dimensão política, entrelaçada num tecido único da teologia e de sua vida”, porém destaca que a história vivida e narrada por Paulo “é uma história de amor e não de poder.”3

Essas apreciações são coerentes com a essência do conteúdo do romance Paulo e Estêvão, onde Emmanuel afirma: “Paulo de Tarso foi um homem intrépido e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que se fizera ouvir nas encruzilhadas da sua vida.”4

Para o filósofo espírita Herculano Pires: “Paulo, que exemplifica o drama da transição da consciência judaica para a cristã, adverte que Deus não deseja cultos externos, semelhantes aos dedicados às divindades pagãs, mas "um culto racional", em que o sacrifício não será mais de plantas ou animais, mas da animalidade, ou seja, do ego inferior do homem. A religião se depura dos resíduos tribais, despe-se dos ritos agrários e da complexidade que esses ritos adquiriram no horizonte civilizado. Torna-se espiritual. Os próprios apóstolos do Cristo não compreendem de pronto essa transição. Pedro chefia o movimento que Paulo chamou "judaizante", tendendo a fazer do Cristianismo uma nova seita judaica. Mas Paulo é a flama que mantém o ideal do Cristo. Inteligente e culto, é um dos poucos homens capazes de compreender a nova hora que surge, e por isso o Cristo o retira das hostes judaicas, para colocá-lo à frente do movimento cristão.”5

Sem dúvida, o apóstolo Paulo foi o maior divulgador e o principal consolidador do cristianismo. Suas viagens, exemplos e textos delinearam o então nascente movimento cristão.6 Todas ações foram possíveis em função de sua autonomia intelectual, determinação e fé inabalável; ele não fazia “médias”.

Portanto é adequado o apelido de “leão de Deus”.

Os depoimentos e recomendações de Paulo devem merecer nosso interesse. Daí a importância do estudo das Epístolas de Paulo à luz do Espiritismo. O principal é captar-se a essência das recomendações ético-morais do Apóstolo. Além da fundamentação nas obras de Allan Kardec contamos com excelentes subsídios da exegese efetivada pelo Espírito Emmanuel em várias obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier.6

Referências:

1) Calwell, Taylor. Trad. Alves Velho, Octávio; Sanz, José. O grande amigo de Deus. 31 ed. Rio de Janeiro: Record. 2014. 700p.

2) Taylor Caldwell – Uma biografia. Consulta em 20/01/2019: www.autoresespiritasclassicos.com/biografias%20espiritas/T/Taylor%20Caldwell.doc

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais: aspectos históricos e visão espírita. Cap. 2.5. Matão: O Clarim. 2018.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estêvão. Brasília: Ed. FEB. 2012. 488p.

5) Pires, José Herculano. O espírito e o tempo. 1a Parte, Cap. V. São Paulo: Ed. Pensamento. 1964.

6) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Epístolas de Paulo à luz do espiritismo. 1.ed. Matão: O Clarim. 2016. 188p.

(*) O autor foi presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do CEI.

Extraído de:

Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIV. No. 2. Edição de março de 2019. P. 79-80.