Quem sabe?

Quem sabe?

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Pela passagem da data de desencarnação de Bittencourt Sampaio (10 de outubro) e homenageando-o com palestra que proferimos na semana sobre vultos espíritas no Grupo Espírita Casa do Caminho, de São Paulo, lembramos de conhecida canção, uma “modinha” muito repetida no início do Século XX e lembrada por muitos: “Quem sabe?”

Nas estrofes iniciais, e repetidas, diz a letra: “Tão longe de mim distante,/ Onde irá teu pensamento./ Quisera saber agora…”

O fato histórico é que essa letra é de autoria de Bittencourt Sampaio, destacado pioneiro do movimento espírita brasileiro. Ele a escreveu quando estudava Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (atualmente da USP), em São Paulo. Também de sua autoria a letra do Hino desta Faculdade da USP. Ambas foram musicadas pelo seu amigo de juventude, Carlos Gomes.

A passagem do conhecido letrista por São Paulo gerou uma homenagem a ele: a rua Bittencourt Sampaio, esquina com rua Santa Cruz, bairro de Vila Mariana.

O pioneiro espírita Francisco Leite de Bittencourt Sampaio (1834-1895), nascido em Sergipe, atuou no Rio de Janeiro como jurista, político, jornalista, literato e espírita vinculado a grupos que originaram a FEB.

Bittencourt atuava de maneira simples e dedicada nos ambientes espíritas da cidade do Rio de Janeiro, inclusive como receitista de homeopatia no "Grupo Confúcio", entidade que integrava a diretoria desde 1873. Participou também da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, da qual foi um dos fundadores em 1885, depois desdobrada como "Grupo do Saião", destinado ao estudo e prática dos Evangelhos, e "Grupo Ismael", e esta veio a integrar à Federação Espírita Brasileira (fundada em 2/1/1884). Como médium recebeu belas e instrutivas mensagens de Espíritos Superiores. Fato histórico foi a publicação de seu livro A Divina Epopéia de João Evangelista em 1882. Reproduz o Evangelho de João, em versos decassílabos, em versos heróicos. Considera “O Evangelista apóstolo do amor foi o maior poeta da antiguidade depois de Job, de Salomão e David”. Esta obra pioneira somente veio a ser editada pela FEB no ano de 1938. Admiramos o autor, embora não concordemos com algumas de suas interpretações doutrinárias.

Ocorrências posteriores foram relatadas por Bezerra Menezes, como médico, na sua obra A loucura sob novo prisma, sobre reuniões de tratamento espiritual com participação de figuras notáveis como o médium Frederico Pereira da Silva Júnior, Pedro Richard, Antônio Luís Saião, Francisco Leite Bittencourt Sampaio, e outros companheiros.

Interessante episódio histórico relaciona mais uma vez Bittencourt e Bezerra. A FEB estava em crise e, em julho de 1895, Bezerra de Menezes, que já havia sido presidente por um ano, foi procurado por membros da diretoria da Federação. Bezerra estava cansado, doente, abatido pela dissensão entre os irmãos espíritas, e não aceitou o convite, mas pediu um tempo para pensar. No dia seguinte, compareceu ao Grupo Ismael, onde dirigia os trabalhos. Abriu a reunião, mas parecia aflito e preocupado. Depois da prece de abertura, feita por Bittencourt Sampaio, e após o recebimento de mensagens psicografadas, Bezerra usou da palavra no momento da explanação dos temas evangélicos, e se referiu às desavenças no Movimento Espírita e sobre o convite que havia recebido. Confessou-se fraco, mas acabou sendo convencido do compromisso. Bittencourt desencarnou três meses após este episódio, no dia 10 de outubro de 1895.

O livros de Francisco Cândido Xavier fazem referências a Bittencourt Sampaio em Crônicas de Além Túmulo, Voltei, e Instruções psicofônicas.

Trechos da letra de “Quem sabe?”, embora na época escrita com outra motivação, nos sugerem a reflexões sobre as expectativas e inseguranças que permeiam os tormentosos tempos atuais. Ou seja, quem sabe como e para onde vamos?

Aí destacamos de texto de autoria do espírito Bittencourt Sampaio, concluindo uma mensagem inserta em Instruções psicofônicas:

“[…] Não ignorais que a civilização de hoje é um grande barco sob a tempestade… Mas, enquanto mastros tombam oscilantes e estalam vigas mestras, aos gritos de equipagem desarvorada, ante a metralha que incendeia a noite moral do mundo, Cristo está no leme! Servindo, pois, infatigavelmente, repitamos, confortados e felizes: Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo amanhã!…"

Fontes:

- Aragão, Silvan (Org.). Bittencourt Sampaio. Nebulosa radiante. Aracaju: FEES. 2016.

- Associação Médico Espírita do Brasil. Adolfo Bezerra de Menezes. Biografia. Acesso: http://www.amebrasil.org.br/html/perfil_bezerra.htm (julho de 2016).

- Carvalho, Antonio Cesar Perri. Bittencourt Sampaio e a Epopéia do Evangelho. Reformador. No 2.219, fevereiro de 2014, p.78-81.

- Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Cap.II. Rio de Janeiro: FEB. 1946.

- Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Instruções psicofônicas. Cap.64. Brasília: FEB.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

O fenômeno tio Juca

O fenômeno tio Juca – Médium marcante e exemplo de solidariedade

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Por ocasião de nossa estada em Vitória da Conquista (Bahia), para cumprir programa do XII Encontro da Casa Espírita Francisco Cândido Xavier, também proferimos palestra no Centro Espírita André Luiz. Numa noite fria de agosto de 2019, ao chegarmos no “André Luiz”, fomos recepcionado afetuosamente por Aurora Benjamim Rocha, antiga médium, uma das fundadoras do Centro (em 1985) e dirigente, sempre acompanhada de seu esposo Edmundo Santos Rocha, o atual presidente.

Na oportunidade ela se referia a palestras nossas proferidas em Congressos Estaduais da Bahia e, como comentávamos sobre alguns livros ali expostos, ela nos ofertou a obra O fenômeno Tio Juca (também disponível em livrarias virtuais) – que desconhecíamos a existência -, informando que tem constatado a presença deste espírito no Centro. Trata-se de livro que reúne registros sobre atuações do médium José Soares de Gouveia (1898-1965), conhecido familiarmente como Juquinha e em geral como Tio Juca.

O autor é Eusínio Gaston Lavigne (1873-1973), descendente de franceses que foi líder político e prefeito de Ilhéus (Bahia), espírita e autor de diversos livros. A apresentação é assinada pelo dr. Roberto Requião, de Feira de Santana. Lavigne organizou o livro em três partes: O fenômeno Tio Juca. Faculdades psíquicas; Tio Juca: O cidadão e o cristão operante. Fatos que definem sua personalidade, caráter e inclinação para o bem e a solidariedade humana; Tio Juca: Memória prodigiosa. Fatos excepcionais e edificantes e anedotas reais de fundo educativo. Cada uma das partes conta com cerca de 30 relatos de casos.

Logo após nosso retorno ao lar passamos a ler o livro citado. À medida que nos aprofundávamos na leitura aumentava o interesse pelos inúmeros fatos colecionados sobre o notável médium. Tio Juca viveu no Ceará, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, em função de ser funcionário público federal no cargo de “fiscal de consumo”. Casado e com filhos, com raízes familiares e residência mais prolongada na Bahia.

Em Salvador fundou a “Casa do Tio Juca”, para atendimento de crianças e que chegou a contar com reconhecimento de utilidade pública. Há relatos de inúmeros alertas espirituais para se evitar acidentes, sonhos premonitórios, várias curas, localização de pessoas e objetos, chamamentos espirituais para atendimento de pessoas em risco, apoio financeiro a pessoas, encaminhamento de pessoas para uma vida equilibrada, tudo sempre com muita motivação de solidariedade humana. O interessante é que os fenômenos eram sempre espontâneos, inesperados e contavam com rápidas providências do médium. Um caso surpreendente foi a localização de uma jovem desaparecida há cerca de 20 anos na Amazônia. Insistentemente orientado por espíritos, de maneira voluntária e sem ter nenhum conhecimento do episódio, com base nas informações insistentes de natureza espiritual, empreendeu uma longa e complicada viagem, uma autêntica aventura, ele a localizou numa tribo indígena, bem integrada e realizando um trabalho que a satisfazia. Em seguida, já tendo descoberto onde residia a mãe da jovem, em Manaus, procurou-a e informou-a de que a filha estava viva e bem, e não queria retornar à antiga condição familiar e social, entregando-lhe um medalhão de família, devolvido pela jovem. Inúmeras pessoas foram repentinamente beneficiadas pelas ações espontâneas de solidariedade praticadas por Tio Juca, atendendo à sua intuição ou claramente orientado por Espíritos.

Sempre fiel cumpridor de seus deveres profissionais e totalmente avesso a qualquer forma de corrupção passou por momentos difíceis e até sofreu um atentado contra sua vida, sendo alvejado várias vezes. Atendido em hospital e pelos espíritos, recuperou-se rapidamente surpreendendo a equipe médica, remanescendo sequelas até menores face à gravidade das lesões imediatas. Tio Juca superou as limitações orgânicas e perdoou o atirador. Entre as dezenas de registros sobre episódios que demonstram vários dons mediúnicos, há informações que se relacionam com momentos da história do país. Tio Juca foi amigo de padre Cícero e num dos momentos em que estavam juntos, coincidiu com a visita do então temível Lampião, que respeitava o anfitrião; teve muitos contatos com Juarez Távora, que chegou a concorrer em eleição presidencial; era admirado pelo presidente Getúlio Vargas; e teve contatos com muitas personalidades do início e até meados do século XX. Tio Juca, acompanhado de sua família, visitou Chico Xavier em Pedro Leopoldo, em abril de 1952, e recebeu a informação sobre sua missão.

Fato inesperado e curioso na leitura do livro sobre o médium e que nos chamou a atenção, pois em alguns casos são citados alguns médicos que tiveram alguma relação com Tio Juca e que se constituem em referências para nós.

Assim, além dos valorosos exemplos como portador de uma variedade de dons mediúnicos, de dedicação ao próximo, de superação de dificuldades e de uma vida digna, encontramos no livro também casos que envolvem médicos que também passaram por nossa trajetória de vida. Há informações sobre o renomado pediatra paulista, o dr. Mário Margarido. O fato é que quando contávamos pouco mais de um ano de idade, nossos genitores nos trouxeram para consulta com ele em São Paulo, oportunidade em que houve um preciso diagnóstico e a tranquilização para a família. Este médico tornou-se espírita, conforme caso relatado no livro. Hoje existe até uma praça em São Paulo com o nome do notável pediatra. Em outro relato é citado o dr. Lauro Neiva, que atuou profissionalmente no Rio de Janeiro. Por volta de 1971, por intermédio de um tio médico residente naquela cidade, conhecemos livros desse facultativo sobre a utilização da aveloz para o tratamento do câncer e sobre as terapêuticas espirituais realizadas no Santuário de Frei Luiz, em Jacarepaguá. Na época chegamos a visitar esta instituição. Episódio mais próximo da atualidade, tem haver com o dr. Luís Barreto Vieira, oriundo de Vitória da Conquista e radicado em Salvador. Tivemos a oportunidade de dialogar com este médico em muitos eventos espíritas em função de livros de autoria dele sobre concepção e relacionados com campanhas para se evitar o aborto.

O biógrafo chegou a publicar alguns textos sobre Tio Juca no jornal A Tarde, de Salvador. Nesses artigos e no livro destaca perfis do Tio Juca como exemplo de moralidade familiar, profundo respeito à profissão e fiel cumpridor de deveres, espírito público, memória e inteligência invulgares e portador de virtudes cristãs. No final do livro Eusínio Lavigne afirma: “se a bondade pudesse ser personificada numa criatura humana, esta não seria senão o próprio Tio Juca”.
Fonte:
Lavigne, Eusínio. O fenômeno Tio Juca. 1.ed. São Paulo: Editora Mnêmio Túlio. 2006. 199p.

(*) – Ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do CEI.

Publicado e transcrito de:

Revista Internacional de Espiritismo, Ano XCIV, No. 9, outubro de 2019, p.456-457.

Há 215 anos nascia Allan Kardec

Há 215 anos nascia Allan Kardec

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Em 3 de outubro de 1804, em Lyon nascia Hippolyte Léon Denizard Rivail. No transcorrer de sua existência veio a ser dedicado e prestigiado educador francês, e, a partir do lançamento de O livro dos espíritos (1857), conhecido com o pseudônimo de Allan Kardec e reconhecido como o Codificador do Espiritismo.

No presente ano transcorreram 160 anos da publicação de seu livro O que é o espiritismo? ( Qu'Est-ce Que le Spiritisme em francês). Trata-se de uma breve introdução ao Espiritismo lançada em 1859. Este livro tem cerca de um quarto da extensão de O livro dos espíritos. É uma espécie de introdução ao estudo da Doutrina Espírita, como Kardec colocou como sub-título da obra; discorre sobre os pontos fundamentais do Espiritismo, em linguagem fácil e acessível a todas as inteligências.

Interessante é que após 150 anos após desencarnação de Kardec, ocorrida em março de 1869, recentemente estão sendo valorizados documentos, periódicos e livros franceses, quase desconhecidos no Brasil, que trazem esclarecimentos sobre episódios que ficaram ocultados ou obscurecidos sobre a vida de Kardec e sua esposa, e sobre a divulgação de suas obras imediatamente após sua desencarnação.

O filme “Kardec” lançado em maio de 2019 alcançou cerca de um milhão de espectadores nos cinemas brasileiros e agora se encontra disponível no “Netflix”. Durante a exibição do filme foi lançado o livro Kardec. A história por trás filme, onde Wagner de Assis e Marcel Souto Maior fazem significativos depoimentos sobre o projeto e a execução do filme e apresentam suas visões sobre o Codificador. Wagner relata vários momentos da filmagem. O filme “Kardec” deve provocar nos espíritas o desafio de se estudar mais o Codificador!

Em nosso país surge o início da divulgação de manuscritos e de documentos, o Projeto “Cartas de Kardec”, riquíssimo acervo que estava em poder da família de Silvino Canuto Abreu, finalmente doados à Fundação Espírita André Luiz, de São Paulo.

Com disponibilização de documentos digitalizados em cartórios da França e de obras digitalizadas do acervo de várias bibliotecas, principalmente da Biblioteca Nacional da França, muitos episódios sobre a vida e obra de Allan Kardec estão vindo à tona.

Todavia, em nosso meio se faz necessária a conscientização de que a maior homenagem ao Codificador será sempre o estudo, a divulgação e prática do Espiritismo de conformidade com suas Obras Básicas.

Passado um século e meio da desencarnação de Allan Kardec, ao lado da expansão do Espiritismo, há muitas “novidades”, “modismos” e “personalismos”, o que torna muito necessário o estudo e a difusão das Obras Básicas. Daí a importante “Campanha Comece pelo Começo”, idealizada por Merhy Seba, patrocinada pela USE-SP em meados dos anos 1970 e aprovada pelo CFN da FEB em novembro de 2014.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

Filme “Paulo de Tarso e a história do cristianismo primitivo” está chegando

Filme “Paulo de Tarso e a história do cristianismo primitivo” está chegando

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Na manhã do dia 21 de setembro, sábado, houve a pré-estreia do filme “Paulo de Tarso e a história do cristianismo primitivo”, dirigido por André Marouço. O evento aconteceu no Cinema Frei Caneca do Espaço Cultural Itaú, em São Paulo. Sala lotada, com o diretor do filme, com alguns atores, figurantes, colaboradores, apoiadores e convidados para o evento. Entre estes, dirigentes de várias Instituições de São Paulo.

Na oportunidade fomos entrevistados pela TV Mundo Maior, Rádio Boa Nova e pela A2 Filmes e externamos nossa opinião sobre o momento da pré-estreia desse filme. Face às perguntas formuladas, comentamos em síntese alguns fatos, visões e expectativas.

De maneira inesperada viemos a colaborar com o conteúdo, como um dos comentadores. Estávamos proferindo palestra e lançando nosso livro "Epístolas de Paulo à luz do Espiritismo" (Ed. O Clarim), em Araçatuba (SP), em julho de 2016, e André Marouço estava presente tratando dos preparativos para a instalação de antena retransmissora da TV Mundo Maior naquela cidade. Na oportunidade, o conhecido diretor de filmes conversou conosco, sobre o sonho dele e ainda numa etapa inicial, em dar prosseguimento a filmes sobre os primeiros momentos do Cristianismo. Pouco tempo depois já gravamos com Marouço nossas apreciações sobre Paulo de Tarso e suas Epístolas.

Consideramos Paulo de Tarso como o maior responsável pela difusão inicial dos ensinos de Jesus e o consolidador do Cristianismo ao fundar grupos de seguidores de Jesus nas principais províncias do império romano. Seus ensinos registrados nas Epístolas abordam temas que o colocam como um predecessor de vários princípios adotados pela Doutrina Espírita. Especificamente a essência moral de seus escritos é compatível com “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.

Em nossa opinião, trata-se de produção cinematográfica para extrapolar uma versão de lazer. Além de focalizar momentos marcantes da vida e obra de Paulo e de registrar belas imagens dos locais históricos por onde ele andou, como Grécia, a cidade de Roma e as atualmente conhecidas como Oriente Médio e Turquia, o filme é um agradável "docudrama", pois acrescenta comentários e esclarecimentos sobre os principais episódios, com citações de Atos dos Apóstolos e das Epístolas de Paulo. O filme teve como curador e principal comentarista Severino Celestino, Professor Doutor em Ciências da Religião da Universidade Federal da Paraíba, contando com comentários intercalados por André Luiz Ruiz, José Carlos de Lucca, Jorge Damas Martins e por nós.

Nossa expectativa é que o longa metragem sobre Paulo de Tarso possa motivar não apenas o público espírita. O apóstolo da divulgação dos ensinos de Jesus é fonte de estudos e pesquisas por todos os segmentos do cristianismo. Haja vista a enorme quantidade de livros disponíveis sobre Paulo em editoras internacionais. Esperamos que o espectador saia do cinema não apenas os com belos registros visuais e documentais mas também com matérias estimuladoras para reflexões.

O filme será lançado nos cinemas no dia 3 de outubro.

(*) Foi dirigente espírita em Araçatuba, e, presidente da USE-SP e da FEB.

O filme “Divaldo – O Mensageiro da Paz”

O filme “Divaldo – O Mensageiro da Paz”

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Lançado nos cinemas no dia 12 de setembro, o filme "Divaldo – O Mensageiro da Paz” focaliza as primeiras décadas da trajetória do médium e orador Divaldo Pereira Franco.

O filme foi produzido pela Estação da Luz e dirigido por Clóvis Mello. Três atores – uma criança, um jovem e um adulto jovem – fizeram o papel de Divaldo desde sua infância em Feira de Santana até aproximadamente o final dos anos 1960.

Focaliza o início do fenômeno mediúnico ainda na infância, o apoio que recebeu de uma médium de Salvador e, na sua adolescência, ele se muda para Salvador, é levado a um Centro Espírita onde aprende a lidar com sua mediunidade. A partir daí surge a fundação do Centro Espírita Caminho da Redenção, no bairro da Calçada. O filme destaca o início das atividades de oratória e exibe as ações filantrópicas junto a comunidades carentes e a implantação da ação educacional na criação de crianças abandonadas e órfãs. Em função disso foi criada a Mansão do Caminho, ainda anexa ao Centro. O filme encerra após a desencarnação de sua genitora dona Ana Franco, momentos em que Divaldo já havia iniciado a publicação de livros psicográficos, a partir da obra “Messe de Amor”.

Esse filme desenvolve oportunas considerações doutrinárias e dá foco no papel da orientadora espiritual Joanna de Ângelis.

Após cumprirmos roteiro de viagens para palestras, juntamente com a esposa e casal amigo, conseguimos assistir ao filme neste final de semana, justamente para prestigiar os primeiros dias exibição.

Apreciamos o enredo e a filmagem e nos recordamos de muitas informações da época retratada.

Conhecemos Divaldo Pereira Franco num evento jovem interestadual – a COMBESP -, sediado em nossa terra natal, Araçatuba (SP), em abril de 1962. A partir do encontro inicial tivemos seguidos contatos pessoais e por correspondência com Divaldo. Durante 30 anos Divaldo se hospedou em Araçatuba na residência de nossa genitora e no nosso lar.

Acompanhamos o surgimento dos livros desde o inicial – “Messe de Amor” (1964). Visitamos suas obras em Salvador em várias oportunidades. Na primeira delas, em 1972, o Centro Espírita Caminho da Redenção funcionava no bairro da Calçada, próximo ao centro da cidade. A Mansão do Caminho era muito menor do que a atual e ainda existiam as casas com as crianças e as tias.

Em função desses momentos, acompanhamos as notícias sobre os últimos anos da existência física de sua genitora.

Em parceria com Divaldo elaboramos uma obra com frases – em ordem alfabética – do espírito Joanna de Ângelis – “Repositório de Sabedoria”, em dois volumes – e também “Em Louvor à Vida”, com mensagens de um tio nosso e recentemente reeditado pela Editora LEAL. Como presidente da USE-SP participamos da organização do livro editado por esta Entidade: “Diálogo com Dirigentes e Trabalhadores Espíritas”; na condição de diretor da FEB, atuamos como um dos organizadores do livro “Em Nome do Amor. A Mediunidade com Jesus”, editado pela FEB.

Depois desses períodos, estivemos com Divaldo em inúmeros eventos no Brasil e no exterior, culminando com as homenagens que ele recebeu na Câmara dos Deputados, inclusive com o lançamento do movimento “Você e a Paz” naquele recinto e na sede da FEB, inauguração de exposição sobre Divaldo na FEB, em momento em que éramos o presidente da Federação Espírita Brasileira, em novembro de 2014.

O filme sobre Divaldo deve ser prestigiado pelo movimento espírita.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

UNIÃO – MAIS DE UM SÉCULO DE EXPERIÊNCIAS

UNIÃO – MAIS DE UM SÉCULO DE EXPERIÊNCIAS

O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O presente artigo sintetiza nossa palestra na abertura do Encontro Comemorativo dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 20/10/2018).1

Bezerra de Menezes alimentou o ideal de união. Após sua desencarnação (11/04/1900) surgem marcantes ações do presidente Leopoldo Cirne (gestão 1900-1913), eficiente administrador e impulsionador da divulgação das obras do Codificador.1,2

Cirne reformulou os estatutos da FEB, em assembleia realizada em 05/11/1901, retirando os poderes discricionários concedidos a Bezerra, pois este assumiu em época de crise no ano de 1895, e eliminando a cláusula que recomendava o estudo das obras de J.B. Roustaing. Cirne considerava que esta cláusula prejudicava a união da família espírita em torno da FEB.1,3

Leopoldo Cirne promoveu o I Congresso Espírita, em homenagem ao Centenário de nascimento de Allan Kardec, com a participação de mais de duas mil pessoas, de 1o a 3/10/1904, quando apresentou o trabalho Bases da Organização Espírita, que passou a orientar a ação de união dos espíritas, estimular a fundação de Federações Estaduais e filiar diretamente os centros. A nosso ver este é o marco dos esforços institucionais iniciais de união. Em 1904, existiam apenas duas federativas: a do Paraná e a do Amazonas.2,3

A primeira entidade federativa paulista, a União Espírita do Estado de São Paulo, fundada por Antônio Gonçalves da Silva – Batuíra, em 24/5/1908, foi inspirada no documento Bases da Organização Espírita.1 Com a saída de Cirne da FEB em fevereiro de 1914 ocorreram revisões e um certo retrocesso em relação às ações do citado presidente. Distanciado de instituições, Cirne defendia Kardec como ponto de união e lamentava que muitas lideranças não estariam compreendendo uma nova fase do movimento espírita.2,3

Em face das crescentes insatisfações desenvolveu-se um movimento para se discutir o Espiritismo no Brasil e efetivou-se o Congresso Constituinte Espírita Nacional em março de 1926, no Rio de Janeiro, criando-se uma federativa nacional, a Liga Espírita do Brasil, tendo como órgão máximo a Assembleia Espírita do Brasil.1,2

Naquela época ocorria intensa movimentação no Estado de São Paulo, com experiências no interior: aos 15/03/1931, em reunião realizada em São Carlos (SP) Cairbar Schutel fundou a Associação Espírita de Propaganda do Estado de São Paulo, com finalidade claramente federativa, contando com representantes de 83 instituições4; Benedita Fernandes, aos 30/08/1942 criou a União Espírita Regional da Noroeste em Araçatuba (SP).5

Na Capital formaram-se quatro instituições federativas: Sinagoga Espírita Nova Jerusalém, União Federativa Espírita Paulista, Federação Espírita do Estado de São Paulo e Liga Espírita do Estado de São Paulo. Nesse contexto, aconteceu o 1o Congresso Espírita do Estado de São Paulo, realizado em São Paulo de 1o a 5/6/1947, com a presença de 551 instituições. As entidades patrocinadoras acima citadas abriram mão da ação federativa e foi criada a União Social Espírita; depois denominada União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, a única federativa fundada como decisão plenária de um Congresso Estadual.1,6,7

O ano de 1948 registrou importantes eventos jovens: a Concentração de Mocidades Espíritas do Brasil Central e Estado de São Paulo – COMBESP, reunindo jovens de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e depois o Distrito Federal (Brasília); um certame autônomo que foi um celeiro para formação de expositores e lideranças e repetido anualmente em rodízio por várias cidades destes Estados até 1966.1,2 Liderado por Leopoldo Machado, de Nova Iguaçú (RJ), foi realizado o 1o Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (Rio de Janeiro, 17 a 25/7/1948), constituindo-se o Conselho Consultivo de Mocidades Espíritas do Brasil.1,2

A essa altura já se planejava por idealistas da USE-SP a realização do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. Ocorreu em São Paulo de 31/10 a 5/11/1948, com apoio e atuação de dirigentes das Federações Espíritas do Rio Grande do Sul, Paraná e a Catarinense; União Espírita Mineira; Liga Espírita do Brasil; Conselho Consultivo das Mocidades Espíritas do Brasil; Lar de Jesus de Nova Iguaçú (RJ); Centro Espírita de Cuiabá; pessoas com procurações de instituições de Sergipe, Bahia, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte e várias lideranças.1,7

Para esse evento foi destinada a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, “Em nome do Evangelho”, por Emmanuel, dirigida aos seus participantes e organizadores. O último parágrafo é marcante: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,7

A Comissão de Teses do Congresso, entre outros itens, concluiu: “Promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; […] O poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos.”1,7

A proposta não foi recepcionada pelo presidente da FEB. Por ocasião do 2o Congresso da Confederação Espírita Pan-americana, realizado pela Liga Espírita do Brasil em outubro de 1949, no Rio de Janeiro, compareceram líderes de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pará, e do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), e, repentinamente ocorreram entendimentos com o presidente da FEB, Wantuil de Freitas. Alguns líderes que participavam deste Congresso compareceram à sede da FEB, para uma reunião com seu presidente e diretores. Após reiterarem a proposta para uma Confederação ou Conselho Superior do Espiritismo, novamente rejeitada por Wantuil de Freitas e por diretores da FEB, este apresentou outra proposição com dezoito itens, com os princípios para a união e unificação do Movimento Espírita, e com detalhamentos complementares para o funcionamento do Acordo. Houve aceitação da proposta pelos presentes.1,2,7 Esse Acordo foi registrado como Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, também chamado “Acordo de Cavalheiros” e cognominado por Lins de Vasconcellos como “Pacto Áureo”.2

Com base nesse “Pacto” foi instalado em 1o/1/1950 o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira (CFN), dirigido pelo presidente da FEB e que vem funcionando ininterruptamente, com representantes das federativas de todos Estados.1,2 Ainda em 1950, efetivou-se a “Caravana da Fraternidade” com a finalidade de divulgar os objetivos da unificação e colher adesões de onze estados do Norte e do Nordeste ao “Pacto Áureo”. Era integrada por representantes de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; depois juntando-se um representante de Pernambuco. Ao final visitaram Chico Xavier, em Pedro Leopoldo (MG), e receberam duas mensagens psicográficas. Leopoldo Machado fez todos registros, publicados na forma de livro: A caravana da fraternidade.1,2

Vários anos depois, Carlos Jordão da Silva relembrou os bastidores do “Pacto Áureo” em entrevista para o Anuário Espírita 1974: “Após as reuniões do Congresso Pan-americano e recolhidos todos os participantes das delegações em seus respectivos hotéis, cerca de uma hora da manhã, resolvemos sair para tomar um pouco de ar e dirigimo-nos para determinada praça próxima ao nosso hotel e para a nossa surpresa todas as delegações foram chegando ao mesmo local, como que convocadas por forças invisíveis. Achamos graça por ter o Plano Espiritual nos reunido daquela forma e aquela hora da madrugada e ali mesmo marcamos uma reunido para as 8 horas da manhã, no Hotel Serrador, onde estávamos hospedados, eu e minha Senhora, e, realizada tal reunido, incumbiu-se Artur Lins de Vasconcellos Lopes a tarefa de aproximar-se da FEB para promover o encontro.”1,2,7

Ao analisar, item a item, o “Pacto Áureo” em nosso livro União dos espíritas1,2 concluímos que o “Pacto” deve ser revisto pois seu texto está superado, devendo-se citar explicitamente a fundamentação em todas obras básicas de Allan Kardec e eliminar vários itens operacionais que podem ter sido adequados para os momentos iniciais, mas atualmente não são aceitáveis. Em nosso entendimento e experiência, o “Pacto Áureo” é importante referencial histórico, mas deve ser revisto para aplicação mais adequada, considerando-se o contexto atual do movimento espírita, os textos sobre o tema alinhavados pioneiramente pelo Codificador e outros de autoria dos espíritos Bezerra e Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier.2

Ao finalizar, cabe a reflexão com que encerramos o livro União dos espíritas2, tendo como sub-título: Para onde vamos?

Referências:

1) Palestra – 70 anos do CBUE e Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. Arquivos digitais no site: www.usesp.org.br (em Documentos/Documentação histórica).

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018.

3) Cirne, Leopoldo. Antichristo. Senhor do Mundo. 1.ed. 2a Parte. Rio de Janeiro: Bedeschi. 1935. Edição digital: http://luzespirita.org.br/leitura/pdf/L163.pdf

4) Monteiro, Eduardo Carvalho; Garcia, Wilson. Cairbar Schutel – o bandeirante do Espiritismo. Matão: O Clarim. 1986.

5) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Benedita Fernandes – a dama da caridade. Araçatuba: Ed.Cocriação/USE Regional de Araçatuba. 2017.

6) Anais do 1o Congresso Espírita do Estado de São Paulo. São Paulo: USE. 1947.

7) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE – 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997.

— O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

 

(Transcrito de: Revista Internacional de Espiritismo. Matão, Setembro de 2019.P. 404-406).

A GRANDE IGNORÂNCIA SOBRE BÍBLIA E ESPÍRITOS

A GRANDE IGNORÂNCIA SOBRE BÍBLIA E ESPÍRITOS

José dos Reis Chaves (*)

O cristianismo, erradamente, vem ensinando que todo espírito manifestante é mau. A exceção é dos Espíritos de Deus e de Jesus.

E, com a instituição da Santíssima Trindade, oficializada e transformada em dogma no Concílio Ecumênico de Constantinopla (381), é claro que o Espírito Santo dela é também visto como bom.

Mas, como os leitores dessa coluna já sabem, pela Bíblia, ele é uma espécie de substantivo coletivo que designa todos os espíritos humanos. “Não sabeis vós que vós sois templo de um espírito santo…?” (1 Coríntios 6: 19). Observe-se que Deus é um, e o espírito santo é outro. Quando Paulo disse isso, os teólogos ainda não tinham instituído a Trindade e nem a ele.

Respeitemos os chamados padres da Igreja e suas ideias teológicas, mas eles não eram infalíveis. E quem não concorda com o fato de que os teólogos de hoje sabem mais sobre Deus do que eles? E os teólogos antigos, mesmo os que tenham sido santos e até canonizados pela Igreja, eram seres humanos imperfeitos como todos nós o somos. E, portanto, tinham também seu ego aflorado, com sua vaidade e seu orgulho, pois todos que estamos reencarnados aqui nesse nosso mundo somos dominados pelo nosso ego.

Em outras palavras, como se diz, todos nós temos culpas no cartório! Além do mais, no passado longínquo, a Igreja era unida com os imperadores que davam apoio às ideias que os teólogos dela criavam. Eu me referi a ela, porque, naqueles tempos, só ela existia. Mais tarde, os protestantes tiveram também apoio de reis, e eles até tiveram, igualmente, suas fogueiras inquisitoriais.

O espanhol Miguel Servet (1511-1553), teólogo, médico e advogado, morreu na fogueira, por ordem de Calvino, por dizer que a Trindade era até uma blasfêmia contra Deus. Se os teólogos do passado, com sua teologia, cometeram o absurdo de aceitar o erro da Inquisição, como coisa correta e não um erro e, pois, agradável a Deus, não nos é surpreendente que tivessem também mais outras ideias erradas como se fossem verdades intocáveis e até inspiradas por Deus!

E foi com ideias filosófico-teológicas semelhantes às que inspiraram a Inquisição, que consideraram todos os espíritos manifestantes como sendo demônios maus, quando demônios (“daimones”, no grego da Bíblia – NT) e no grego das demais obras escritas nos mesmos tempos em que ela foi escrita, são as almas ou os espíritos dos desencarnados.

De acordo com essa visão errada dos teólogos sobre os espíritos humanos, é o caso de se lhes perguntar que Deus seria esse deles que só criou espíritos humanos maus? Mas o pior é que muitos líderes religiosos cristãos ignoram mesmo ou fingem que ignoram o que são demônios na Bíblia, e continuam ensinando erradamente esse assunto para seus fiéis. E isso, hoje, é o que é, realmente, a grande mentira sobre a Bíblia e os espíritos!

(*) Transcrito de: Coluna espírita semanal no diário O TEMPO, de Belo Horizonte, de José Reis Chaves: www.otempo.com.br

Justiça social não cobre em extensão o sentido de Caridade

Justiça social não cobre em extensão o sentido de Caridade

Wilson Garcia (*)

Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. (Wikipédia)

Fez-se recentemente uma conjectura sobre a presença de Kardec reencarnado nos dias atuais, admitindo-se que, neste caso, ele possivelmente daria preferência ao termo Justiça Social em detrimento ao termo Caridade. Assim, teríamos “fora da justiça social não há salvação” em lugar de “fora da caridade não há salvação”.

Certamente, para que tal mudança ocorresse, teríamos de convir que também os Espíritos que assessoraram o codificador assim pensariam, de modo a ocorrer o que no século XIX aconteceu: a opção de Kardec pela definição do paradigma “fora da caridade não há salvação”.

Mas tal decisão, hoje, não teria por motivação a oposição ao que pregava, então, a Igreja Católica, que afirmava “fora da Igreja não há salvação”, uma vez que as lutas contemporâneas já não mais se concentram com igual força nas religiões, mas, sim, nos conflitos sociais, que por si mesmos são conflitos políticos e econômicos, em que o espectro social assenta-se nos extremos da injustiça e afrontam violentamente, por isso, a individualidade humana nos seus direitos mais simples.

Por mais que a justiça social interesse de perto a todos os homens de bem, que pelejam por uma sociedade justa e igualitária, humana e fraterna, livre e solidária, há um sentido, um significado na expressão Caridade, quando empregada por Kardec, que a coloca numa dimensão ampla, na qual a justiça social se torna um de seus indispensáveis aspectos. Ou seja, Caridade para Kardec não é uma mera palavra e nem o seu significado, então, se destinava apenas à oposição ao que pregava a Igreja.

Aliás, pode-se afirmar com segurança que este é um dos seus sentidos menos importantes, conquanto oportuno na época. Um estudo acurado vai mostrar que o termo Caridade no espiritismo possui uma dimensão cósmica, pelo que abarca não apenas as relações humanas na Terra como também em todo o Universo, no mundo visível e no invisível aos sentidos humanos. A palavra pode ser empregada a uma inumerável quantidade de valores e de práticas, de sentimentos e ações, de relações naturais e culturais. É termo que expressa com perfeição a harmonia presente no Cosmos, entre os mundos, pois que estando configurado expressa, ipso facto, a completude, ou seja, as relações dos seres inteligentes entre si e com a natureza.

À sua ausência por conta da passageira imperfeição humana, ela continua presente, mas então incompleta. As injustiças sociais são indicativos da ausência da Caridade.

Os sistemas econômicos e políticos incapazes de trazê-la ao cenário da vida humana resultam nas desigualdades, na falta de solidariedade, de convivência fraterna, na brutalidade dos sentimentos, nos sistemas de dominação, no bloqueio da liberdade, enfim, nos direitos humanos negados.

Mas a ausência da Caridade aponta, também e de primeiro turno para o baixo nível de consciência dos indivíduos que implantam e mantêm esses sistemas políticos e econômicos, explicitando o deplorável estado de sofrimento a que o ser humano é submetido.

No quadro atual da evolução do nosso planeta, empunhar a bandeira da Justiça Social é dever e direito dos cidadãos já devidamente colocados na trilha da conquista da Caridade, sob o estímulo de sentimentos sublimes. Negar à Justiça Social o seu valor e importância é mostrar-se distante da verdadeira consciência que a Caridade invoca.

A Caridade é, pois, conquista do espírito imortal. Ela não pertence a nenhum sistema filosófico, político, econômico, menos ainda a qualquer religião. A Caridade é apanágio do homem de bem e este não pertence a nada, senão a si mesmo. Os sistemas justos que a compreendem, dão-lhe o impulso para derrubar as barreiras da incompreensão instalados nos seres e nas sociedades egoístas. A Caridade, contudo, penetra cada vez mais nas consciências em expansão, pois é ela que indica o caminho sonhado da paz.

Kardec compreendeu isso nas suas reuniões com os Espíritos da codificação, ao indicar a dimensão cósmica da Caridade. Factualmente, entendeu que “fora da Caridade não há salvação”, mas ao fazê-lo sabiamente não circunscreveu a Caridade nos limites condicionantes da Igreja, nem mesmo ao significado temporário da salvação. Seu olhar estava fixado além dos contornos do Planeta ao perceber que a verdade se assenta no fato de que a Caridade é o caminho da paz e da inconteste felicidade.

É de se crer, portanto, que os mundos superiores, onde paz e felicidade são estados naturais da vida em permanente evolução, coisas como Justiça Social já não constituem mais ideal, senão realidade, uma vez que participam da dimensão maior da Caridade.

(*) – Artigo transcrito de “Expediente-on-line”:

https://www.expedienteonline.com.br/justica-social-nao-cobre-em-extensao-o-sentido-de-caridade/

Pacto Áureo – e agora depois de 70 anos?

Pacto Áureo – e agora depois de 70 anos?

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

De início são cabíveis algumas informações históricas suscintas, pois a maioria dos espíritas podem não ter conhecimento.

O documento que agora completa 70 anos foi assinado na chamada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, aos 5 de outubro de 1949 na sede da FEB, embora tenha sido uma reunião de quase duas dezenas de pessoas. O evento depois foi designado como “Pacto Áureo”. Esta reunião propriamente dita não estava programada e ocorreu simultaneamente a um Congresso Espírita Pan Americano que acontecia no Rio de Janeiro, e que contava com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estes dirigentes tinham propostas emanadas do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, ocorrido em 1948 em São Paulo.

Houve uma negociação para serem recebidos pelo presidente da FEB Wantuil de Freitas. No transcorrer da imprevista reunião o presidente da FEB apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes “ad referendum” das Sociedades que representavam. Foi um momento marcante dentro do cenário das dificuldades da época para a união. Claramente foi o documento possível para o momento. No retorno a seus Estados, alguns dos líderes foram questionados, principalmente em São Paulo porque o documento assinado diferia em muito das propostas aprovadas em plenário no Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. O Pacto Áureo criou o Conselho Federativo Nacional da FEB e depois a “Caravana da Fraternidade”.1,2

Nas evocações históricas e festivas alusivas ao Pacto Áureo, não se faz uma análise sobre o texto, levando-se em consideração o contexto em que foi elaborado, a experiência vivida nesse ínterim e realizando-se um cotejo com a realidade atual do movimento espírita de nosso país. O valor histórico do Pacto Áureo é inquestionável, é um marco, mas nessas sete décadas ocorreram inúmeras e profundas transformações no contexto social e político de nosso país, e, o movimento espírita brasileiro viveu um grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificações de atuação.

Atualmente há necessidade de uma análise desse documento histórico que apresenta a falta de atualidade de seus itens e mantém detalhamentos provavelmente adequados apenas àqueles momentos da assinatura. Depois de analisar detidamente o “Pacto Áureo” item a item em nosso livro União dos espíritas. Para onde vamos? concluímos: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”1

Destacamos que o Pacto Áureo não se fundamenta nas Obras Básicas do Codificador, e, sem nenhum juízo de nossa parte à obra, explicita apenas o livro Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho. Em nosso livro acima citado consideramos as hipóteses que determinaram tal opção por parte do proponente, o presidente da FEB. A primeira questão a ser levantada é sobre o Artigo 1o do “Pacto Áureo”: “Cabe aos Espíritas do Brasil porem em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo.”1

Há necessidade de se citar e valorizar as cinco obras básicas do Codificador!

Então fica flagrante uma incoerência, pois as Federativas Estaduais são vinculadas ao Conselho Federativo Nacional da FEB, com base no “Pacto Áureo” e que não se fundamenta nas cinco Obras Básicas, mas, por outro lado, recomendam ou exigem em seus Estados que nos Estatutos dos centros espíritas adesos exista uma cláusula referente às Obras Básicas de Kardec:

“O Centro Espírita… fundado em… , neste Estatuto designado ‘Centro’, é uma organização religiosa, com duração indeterminada e sede na cidade de… , no endereço… , e que tem por objeto e fins: I – o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação Espírita.”1

Entendemos que dava existir coerência entre a vinculação federativa formal em nível nacional e as recomendações para as bases. Há outros itens do Pacto Áureo que não são do real conhecimento dos dirigentes de centros espíritas e que precisam ser substituídos, e que podem – ao pé da letra – dar margem a situações e até a condutas centralizadoras e interferencionistas.

Atualmente, a tradicional redação do Pacto Áureo é incoerente com os conceitos de união e de unificação que a Espiritualidade tem expressado ao longo das últimas décadas. O espírito Bezerra de Menezes é sempre muito enfático na valorização de Kardec. Haja vista a marcante mensagem “Unificação”, psicografada por Chico Xavier em 1963, e sempre reproduzida na seara espírita.1,2,3

Em mensagem pioneira sobre o tema e dirigida aos participantes do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948), destacou Emmanuel: “O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] se faz impraticável a redenção do Todo, sem o burilamento das partes, unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…”2

Mas Kardec tem palavras magistrais em seu último discurso: "O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral […], e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas."4

Consideramos o septuagenário “Pacto Áureo” um documento histórico, mas o mundo e o movimento espírita estão em outros tempos…

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018. 144p.

2) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. 191p. Edição em versão digital no site da USE: www.usesp.org.br; em Documentos/Documentação histórica.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Desafio do momento. Revista Senda, FEEES, N.196, Ano 97, mar.-abr.2019, p.9.

4) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB. 2005.

(*) – Foi presidente da USE-SP e da FEB.

Assembleia da FEB retira Roustaing do Estatuto-Entrevista

Entrevista

Assembléia Extraordinária da FEB Brasília, DF

Por Ismael Gobbo

Foi realizada no último sábado, 10 de agosto, a da Assembleia Geral Extraordinária que aprovou alteração no seu Estatuto retirando o artigo que previa o estudo das obras de J.B.Roustaing. Cesar Perri que participou do importante evento nos explica sobre o encontro e o que nele foi decidido.

 

Redação: Qual o objetivo da Assembleia da FEB do dia 10 de agosto?

Perri: O presidente da FEB Jorge Godinho convocou Assembleia Geral Extraordinária para dar continuidade à análise de propostas que foram interrompidas por medida judicial na abertura de Assembleia realizada em outubro de 2003. Na época pretendia-se retirar a citação de estudos das obras de J.B.Roustaing num parágrafo único do Artigo 1 do Estatuto da FEB. Houve uma morosa tramitação e após o transitado e julgado a FEB ganhou a causa movida por Luciano dos Anjos. Então a FEB ficou liberada para alterar qualquer artigo de seu Estatuto.

Redação: Qual foi a decisão desta recentissima Assembleia Geral?

Perri: A Assembleia Geral aprovou as mudanças propostas pelo Conselho Diretor da FEB com apenas um voto contrário.

Redação: Então foi aprovada a reforma do Estatuto da FEB retirando-se a citação a Roustaing?

Perri: Sim. Na nova redação do Estatuto da FEB constará apenas as obras da Codificação e o Evangelho de Jesus. Foi criado um artigo definindo que o estudo de obras subsidiárias e coerentes com a Codificação será decisão do Conselho Diretor da FEB. Houve também atualização de finalidades da FEB como organização religiosa, e atendendo preceitos do Código Civil.

Redação: Quem votou na Assembleia Geral da FEB?

Perri: A Assembleia Geral da FEB é formada por sócios efetivos, pessoas físicas. Assinaram a Ata 59 sócios, sendo 13 por procuração.

Redação: Como estava o ambiente na Assembleia? 

Perri: Bem tranquilo Estavamos presente e bem atento. Houveram apenas duas manifestações sobre o artigo do Estatuto em análise. Mas apenas um voto contrário à nova redação. Ocorreram também contribuições num artigo relacionado com características de organização religiosa.

Redação: Então foi uma reunião histórica?

Perri: Sem dúvida. Era um antigo anseio do movimento espírita brasileiro. Em 2003 o então presidente Nestor Masotti tentou e a realização da Assembleia Geral foi suspensa por medida judicial. Estávamos presentes naquela Assembleia convocada e aberta na Sede Histórica da FEB no Rio de Janeiro. Testemunhamos o ambiente de frustração naquela oportunidade. O processo tramitou por mais de 11 anos. Em Encontro realizado em outubro de 2018 em São Paulo, comemorativo aos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, na palestra de abertura focalizamos a história da unificação e as dificuldades criadas pela insistência da FEB em Roustaing (*). Seguiram -se mesas redondas. A vice-presidente da FEB Marta Antunes estava presente e de público assumiu o compromisso de trabalhar pela convocação de Assembleia Geral da FEB. Tudo foi gravado e rapidamente divulgado junto à mídia. Agora houve o momento do importante passo histórico.

Redação: E o que fazer agora?

Perri: Valorizar e intensificar mais a Campanha Comece pelo Começo, criada pela USE-SP nos idos de 1975 e aprovada pelo Conselho Federativo Nacional da FEB em novembro de 2014.

 

(Publicação do BOLETIM DIÁRIO DE NOTÍCIAS DO MOVIMENTO ESPÍRITA. EDIÇÃO DE SEGUNDA-FEIRA, 12-08-2019: http://www.noticiasespiritas.com.br/2019/AGOSTO/12-08-2019.htm)

(*) ESCLARECIMENTO:

A comemoração citada pelo ex-presidente da FEB Antonio Cesar Perri de Carvalho foi promovida pela USE-SP nos dias 20 e 21 de outubro de 2018, em São Paulo. A palestra do entrevistado  – "70 anos do CBUE" e os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita- estão disponível em arquivos digitais no site: www.usesp.org.br (em Documentos/Documentação histórica).