Base para interpretação das profecias

Base para interpretação das profecias

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Há pouco tempo ocorreram dois fatos coincidentes: recebi convite para desenvolver palestra sobre o tema “Profecias espíritas: sim ou não?” no Centro Espírita N.S.Nazaré, em Itupeva (SP); o outro fato ocorreu num grupo de mensagens onde um confrade escreveu: “Há espíritas fazendo mais previsões do que ciganos…”

De imediato, lembramos que em função de algumas interpretações que são feitas sobre a chamada “transição planetária”, reunimos a equipe da antiga secretaria geral do Conselho Federativo Nacional da FEB que fez um estudo, em seguida publicado em série de três artigos na revista Reformador1, tendo como fundamentação as obras de Allan Kardec, notadamente A Gênese.

Realmente é um tema que deve merecer estudo na seara espírita, principalmente à luz da sesquicentenária obra A Gênese. Aliás, esta tem como subtítulo “Os milagres e as predições segundo o Espiritismo”, e, no final, dois capítulos: “Os tempos são chegados” e “Sinal dos tempos”.2 Logicamente, a partir desta obra estabelecemos a linha de raciocínio para desenvolvermos a palestra proposta.

De início, cabe um breve retrospecto à “Escatologia”, que significa "estudo das últimas coisas", um ramo do conhecimento que trata dos acontecimentos do fim dos tempos descritos na Bíblia e é um tema que surge em muitos livros da Bíblia. A escatologia bíblica cristã, ao considerar a consumação de todas as coisas, cuida de explicar a vida após a morte, o fim dos tempos, o retorno de Jesus, a ressurreição, o Juízo Final. Ocupa-se também do estudo do final dos tempos e da segunda vinda do Cristo. Paulo de Tarso tece considerações sobre tais temas em suas epístolas e chega a lutar com dificuldades em virtude de deturpações e extremismos criadas pela temática, conforme registra em sua 2ª Epístola aos Tessalonissenses. Da mesma forma, o apóstolo sempre lutou contra os chamados “falsos profetas”.

A essa altura devemos fazer um registro pois na história e tradição judaica têm destaque os profetas.

O chamado profetismo bíblico deve merecer atenção à parte conforme destaque feito por Herculano Pires em sua obra O Espírito e o Tempo3. Em síntese, Herculano Pires considera: o profeta tinha ligações diretas do Deus individual com o indivíduo humano e não necessita mais dos sacerdotes, nem dos deuses; profeta hebreu seria um indivíduo tridimensional: o social; o mediúnico; e o espiritual. Eram plenos de dignidade pessoal, de consciência da sua missão divina, e não temiam denunciar os poderosos do tempo. A tônica da tendência religiosa hebraica responde pela característica espiritual do profetismo, que atinge a sua maior amplitude graças ao fato histórico da vulgarização do monoteísmo.3

Desses fatos pode-se compreender a origem das informações proféticas e anúncios de finais do mundo que sempre estiveram presentes notadamente na trajetória do Cristianismo. Todavia, torna-se importante recorrermos à Obra da Codificação.

Em A Gênese, há trechos marcantes do Codificador: “O resultado final de um acontecimento pode, pois, ser certo, já que está nos desígnios Deus. Mas, como frequentemente, os detalhes e o modo de execução são subordinados às circunstâncias e ao livre-arbítrio dos homens; os caminhos e os meios podem ser eventuais. Os Espíritos podem nos alertar sobre o conjunto, se for útil que sejamos prevenidos. Mas para precisar o lugar e a data, eles deveriam conhecer previamente a decisão que tal ou qual indivíduo tomará.”2

Inclusive Kardec comenta sobre “a forma misteriosa e cabalística da qual Nostradamus nos oferece o exemplo mais completo dá-lhe certo prestígio aos olhos do homem comum, que lhe atribui tanto mais valor quanto mais sejam incompreensíveis.”2

Em outra parte, Kardec lembra que “a humanidade contemporânea tem também seus profetas; mais de um escritor, poeta, literato, historiador ou filósofo pressentiu, em seus escritos, a marcha futura dos acontecimentos que se veem realizar atualmente. […] Mas, frequentemente também, ela é o resultado de uma clarividência especial…”2

Sobre o futuro, o Codificador também alerta que “a fraternidade será a pedra angular da nova ordem social, mas não há fraternidade real, sólida e efetiva sem estar apoiada sobre uma base inabalável. Essa base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares que mudam com o tempo e os povos e que se apedrejam mutuamente…”2

Portanto, Kardec pondera que “a época atual é a da transição: os elementos das duas gerações se embaralham. Colocados no ponto intermediário, presenciamos a partida de uma e a chegada da outra, a cada qual se distingue no mundo pelas características que lhe são próprias.”2

Na sequência, tece considerações sobre a “nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento ao qual tenha chegado. […] A nova geração, devendo fundar a era do progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, somadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas. É o sinal incontestável de um certo grau de adiantamento anterior.”2

Interessante é que Kardec dá mais importância às transformações morais e espirituais do que às alterações físicas cíclicas de nosso orbe.

Em histórica obra elaborada antes da eclosão da 2ª Guerra Mundial, Emmanuel discorre sobre o porvir, de uma forma bem geral, analisando no capítulo “A América e o futuro” alguns aspectos como: “Em torno dos seus celeiros econômicos, reunir-se-ão as experiências europeias, aproveitando o esforço penoso dos que tombaram na obra da civilização do Ocidente para a edificação do homem espiritual, que há de sobrepor-se ao homem físico do planeta, no pleno conhecimento dos grandes problemas do ser e do destino. […] Nos campos exuberantes do continente americano estão plantadas as sementes de luz da árvore maravilhosa da civilização do futuro.”4

E surgem algumas anotações sérias sobre o futuro da Humanidade: “Mas é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos ''ais'' do Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a Humanidade. […] O cajado do pastor conduzirá o sofrimento na tarefa penosa da escolha e a dor se incumbirá do trabalho que os homens não aceitaram por amor. Uma tempestade de amarguras varrerá toda a Terra. […] Condenada pelas sentenças irrevogáveis de seus erros sociais e políticos, a superioridade europeia desaparecerá para sempre, como o Império Romano, entregando à América o fruto das suas experiências, com vistas à civilização do porvir. Vive-se agora, na Terra, um crepúsculo, ao qual sucederá profunda noite; e ao século XX compete a missão do desfecho desses acontecimentos espantosos.”4

As anotações de Emmanuel são, no geral, coerentes com textos evangélicos: “No mundo tereis grandes tribulações, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João, 16,33). O versículo seguinte, no entendimento espírita, pode ser interpretado como intensos intercâmbios com o “céu aberto”, ou seja, manifestações de ordem espiritual: “Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (João, 1, 51).

A essa altura, são cabíveis as advertências registradas no Novo Testamento com relação aos “falsos profetas”. Entre outras: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, … Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? […] Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus, 7, 15, 20).

As interpretações deturpadoras e alarmantes de profecias e previsões de domínio público e ainda outras que são atribuídas a médiuns já desencarnados muitas vezes causam inseguranças e temores. Isso sem se discutir a questão doutrinária e a coerência do perfil e das obras públicas dos eventuais envolvidos. Sobre isso, Emmanuel analisa em tom esclarecedor: “[…] em sobrevindo a divisão das angústias da cruz, muitos aprendizes fogem receando o sofrimento e revelando-se indignos da escolha. Os que assim procedem, categorizam-se à conta de loucos, porquanto, subtrair-se à colaboração com o Cristo, é menosprezar um direito sagrado.”5

E, finalmente, para os novos crentes na “parusia” – que ainda aguardam um retorno do Cristo -, Emmanuel anotou de forma clara: “Os homens esperam por Jesus e Jesus espera igualmente pelos homens.”6

Nessas rápidas pinceladas sobre o polêmico tema profecias, entendemos que merece ser estudado e analisado com base nas Obras Básicas da Codificação e aquelas que são coerentes e complementares às mesmas. Há necessidade de bom senso e fundamentação em conhecimentos científicos atuais e, no nosso caso, fidelidade às obras de Allan Kardec. O pouco estudado livro A Gênese, deve merecer mais atenção na seara espírita!

Referências:

1) Equipe Secretaria Geral do CFN da FEB (Org.) Transição para a Nova Era. Reformador. N. 126. Outubro de 2010; A transição e o caminho para a Nova Era. Reformador. N.127. Novembro de 2010; A transição e o papel do Espiritismo. Reformador. N.128. Dezembro de 2010.

2) Kardec, Allan. A gênese. Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Cap. XVII e XVII. São Paulo: FEAL. 2018.

3) Pires, José Herculano. O espírito e o tempo. 1ª parte. Cap. IV. São Paulo: Ed.Pensamento, 1964.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Cap. 24 e 25. Brasília: FEB. 2013.

5) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Pão nosso. Cap. 104. Rio de Janeiro: FEB. 2005.

6) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Fonte viva. Cap. 17. Rio de Janeiro: FEB. 2005.

(Extraído de: Revista Internacional de Espiritismo, edição de agosto de 2019)

(*) Ex-presidente da FEB e da USE-SP.