Benedita favorece obras do bem – filme em lançamento

Benedita favorece obras do bem – filme em lançamento

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O filme “Benedita: uma heroína invisível. O legado da superação” encontra-se em etapa de lançamento em várias localidades.

É um filme, no estilo docudrama (encenações e documentário), que focaliza a saga de Benedita Fernandes, que se notabilizou em Araçatuba com a fundação da Associação das Senhoras Cristãs, em 1932.

Essa obra foi pioneira na assistência social espírita em toda a região e no seu desenvolvimento desdobrou-se em várias formas de atendimento a doentes mentais e crianças. O Hospital Psiquiátrico Benedita Fernandes foi um marco na cidade até poucos anos atrás, agora, em atendimento a normas governamentais da área da saúde, transformou-se em CAPS, em funcionamento no bairro Santana.

A vida de Benedita Fernandes é um exemplo de superação desde a transformação que aconteceu com ela, curando-se de autêntica “loucura”, uma forma de obsessão no entendimento espírita, para a atuação dinâmica no atendimento ao próximo. Esse exemplo de vida tornou-se conhecido e valorizado em várias regiões do país.

Em nosso livro “Benedita Fernandes. A dama da caridade” (Ed.Cocriação) registramos a trajetória de vida do nobre vulto, acrescentamos mensagens espirituais dela através do médium Divaldo Pereira Franco e comentamos as repercussões de seu trabalho. O citado livro foi utilizado como base para o enredo do filme em fase lançamento.

O filme é dirigido por Sirlei Nogueira, co-produção Lalucci Filmes e Editora Cocriação. A atriz que fez o papel de Benedita foi Silvia Teodoro, de Araçatuba, desencarnada há poucos anos.

Como participante do filme, Divaldo Pereira Franco comentou sobre o lançamento do filme: “Com imensa alegria recebi sua mensagem e exulto com o êxito do trabalho sobre a amada Missionária. Faço votos que ele toque muitos corações que buscam a felicidade” (out./23).

Entre vários participantes, destacamos o ator Renato Prieto e o psiquiatra paulistano Sérgio Felipe de Oliveira.

O filme está disponibilizado para exibições em circuito alternativo mediante agendamentos, como: sala de cinema, espaço cultural, teatro e instituições em geral. A ideia é exibir a obra do bem e gerar bilheteria às obras do bem.

As apresentações pioneiras ocorreram nos dias 25 e 26 de novembro em Conchal (SP) e Angra dos Reis (RJ).

Para dezembro estão programadas exibições em: Boca Raton (Flórida, EUA), Stratford (Connecticut, EUA), Porto Velho (Rondônia), Jales (SP). Em Araçatuba o lançamento acontecerá no antigo Cine Pedutti, atual Centro Cultural Thathi, na tarde do dia 17 de dezembro (domingo).

Há agendamentos e contatos vários para os meses iniciais de 2024.

Informações: Whatsapp: 18-99709-4684

O filme “Napoleão” – repercussões e visão espiritual

O filme “Napoleão” – repercussões e visão espiritual

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O filme “Napoleão” exibido nos cinemas brasileiros desde 23 de novembro, tem provocado continuados comentários nas redes sociais sobre a história do vulto. Dirigido por Ridley Scott, o filme é um olhar original sobre Napoleão Bonaparte, com foco na sua vida pessoal e relações com a esposa Josephine, mas desfilando lances da trajetória militar e política de glórias até a derrota e exílio na ilha de Santa Helena.

Há muitas nuances importantes e destacadas de Napoleão, em geral lembrado apenas como conquistador da Europa.

Esse contexto nos reavivou as leituras sobre alguns momentos da vida do grande vulto europeu do século XIX, relacionados com o Brasil, que não foram objeto do filme, e sobre a pouco divulgada ótica espiritual.

Em seguida à Revolução Francesa, com os desatinos do período do “terror”, emergiu o personagem militar e político Napoleão Bonaparte para reorganizar a nação. Ele se preocupava em restaurar a autoestima e um melhor estado de espírito do cidadão. Foi o responsável por estabelecer uma nova maneira de relacionamento com a Igreja Católica, até então tida como oficial. A Concordata de 1801, celebrada entre Napoleão e o Papa Pio VII, foi um acordo que visava a restauração da Igreja Católica na França pós-revolução. Como Imperador favoreceu um novo Código Civil e preocupou-se com a educação, com estímulo à Escola Normal (formação de professores) e a Escola Politécnica (engenharia, ciências e tecnologia).

Destacamos que o Brasil Império se formou, indiretamente, devido a Napoleão Bonaparte que provocou a fuga da família real portuguesa para o Brasil. Com a sede do Império português fixada no Rio de Janeiro e, na sequência, com a independência proclamada por Dom Pedro, evitou-se a divisão do Brasil em três províncias, conforme um projeto existente na época, o que ocorreu com as colônias espanholas da América do Sul, gerando diversas repúblicas.

Há especulações que teria havido um plano frustrado de correligionários franceses de resgatar o imperador exilado na ilha de Santa Helena, em pleno Oceano Atlântico, e trazê-lo inicialmente para o Brasil.

Interessantes são fatos post mortem gerando outra influência de Napoleão.

Curiosamente, o corpo de Napoleão ficou durante algum tempo a bordo de uma fragata francesa ancorada na Baía da Guanabara, nos idos de 1840.1 O fato é relatado em biografia sobre o príncipe Dom João de Orléans e Bragança (1916-2005), bisneto de Dom Pedro II. O biógrafo comenta que Francisco de Orléans, o príncipe de Joinville, filho do rei da França Luís Felipe de Orléans, atendendo determinação do pai viajou para a ilha de Santa Helena para repatriar os restos mortais do Imperador falecido em 1821. Em função dos ventos, a fragata na vinda e na volta dirigiu-se ao Rio de Janeiro. Nesse retorno de Santa Helena, o príncipe casou-se no Rio de Janeiro com a princesa Francisca de Bragança, irmã do jovem imperador D. Pedro II. Como dote, a princesa recebeu algumas terras que, adotando o nome do marido, depois originou a designação da cidade de Joinville, em Santa Catarina.

Assim, passando pelo porto do Rio de Janeiro, o corpo de Napoleão foi levado para a França e ocorreram as solenes exéquias em Paris e foi erigido o histórico mausoléu em Les Invalides. Aliás, tivemos oportunidade de visitar o local histórico.

Anos depois essa irmã de Pedro II indicava um sobrinho Orléans para se casar com a princesa Isabel, o Conde D’Eu. Desse consórcio desenvolveu-se a família real brasileira.

Outro detalhe, é que a primeira esposa de Napoleão – a Imperatriz Josephine -, resultante de seu primeiro consórcio teve uma neta, Amélia Leuchtenberg, que se casou com o viúvo Dom Pedro I, tornando-se Imperatriz consorte do Brasil (1829-1831). O curioso é que seus restos mortais foram trasladados para o Brasil em 1982 e jazem na Cripta Imperial do Monumento à Independência do Brasil, em São Paulo, juntamente com os restos de Pedro I e da Imperatriz Leopoldina.

No final do século XIX foram adotadas no Brasil as experiências francesas de Escolas Normal e Politécnica, a tradição militar notadamente na cavalaria, e houve influências do Código Civil francês.

Por outro lado, torna-se interessante uma visão espiritual com os comentários de Emmanuel:

“[…] atribuições de missionário, foi Napoleão Bonaparte, filho de obscura família corsa, chamado às culminâncias do poder. O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Árcole e de Rívoli, com a paz de Campoformio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o pensamento. […] Sua história está igualmente cheia de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de general manteve-se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no seio de outros povos. […] Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças; mas, no Além, seu coração sentiu melhor a amplitude das suas obras, considerando providencial a pouca piedade da Inglaterra que o exilou em Sta. Helena após o seu pedido de amparo e proteção. Santa Helena representou para o seu espírito o prólogo das mais dolorosas e mais tristes meditações, na vida do Infinito.”2

O espírito Humberto de Campos (Irmão X), relata uma reunião no mundo espiritual que teria acontecido em 1799, quando o então 1o Consul Napoleão – “César ontem” -, legiões dos Césares, vultos do Império Romano, guerreiros das Gálias, vários paladinos da cultura, teriam se encontrado no mundo espiritual com o espírito daquele que reencarnaria como Allan Kardec.

Napoleão teria sido advertido:

“Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder. Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte… Lembra-te de que o sofrimento do povo francês perseguido pelos flagelos da guerra civil…” Nesse encontro espiritual era anunciado: “Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra”.3

Com base na informação de Emmanuel que Napoleão viveu em Santa Helena “as tristes meditações, na vida do Infinito” e “no Além, seu coração sentiu melhor a amplitude das suas obras” torna-se cabível o raciocínio espírita sobre a Justiça Divina e não o antigo, vinculado a condenações.

Sabe-se que a misericórdia Divina, com base no espiritismo, oferece oportunidades de arrependimento e muitos vultos que se equivocaram tiveram reencarnações intermediárias de expiações e provas para prosseguir na trajetória de regeneração espiritual. Muitos vultos da História que cometeram enganos prosseguem em processos de refazimento de rotas no nosso mundo.

Na leitura de vários romances, notadamente os históricos assinados por Emmanuel, pode-se inferir que vários se encontram em processos de ajustes espirituais nas terras do chamado mundo novo.

Por isso, provavelmente, o espírito notabilizado como Napoleão permaneceria bem distante dos cenários das marcantes lutas e, quem sabe, como muitos outros, não estaria em novos testes educativos nas plagas “lá embaixo da linha do Equador” (expressão que já escutei de um francês) onde ele provocou influências a distância e que seus restos mortais ficaram passageiramente atracados?

Em realidade, “cada individualidade, na prova, como na redenção, como na glória divina, tem uma função definida de trabalho e elevação dos seus próprios valores”.2

Referências:

1) Gueiros, José Alberto. História de um príncipe. Cap. VII. Rio de Janeiro: Record. 1997.

2) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Cap. XXII e VIII. Brasília: FEB.

3) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Irmão X. Cartas e crônicas. Cap. 28. Brasília: FEB.

Significado da palavra “consolador”

Significado da palavra “consolador”

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O capítulo VI de O evangelho segundo o espiritismo – O Cristo Consolador – contém transcrição de versículos de João que têm muita significação para a compreensão da missão do Espiritismo em nossos tempos:

“Se me amais, guardai os meus mandamentos; e Eu rogarei a meu Pai e Ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito” (João, 14:15 a 17 e 26).1,2

A palavra chave “consolador” merece algumas considerações sobre seu significado. Mas, há substituições deste verbete em diversas versões do Novo Testamento.

Bíblia adotada por Kardec

Ao se referir aos textos do Evangelho, na Introdução de O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec esclarece: “Nas citações, conservamos o que é útil ao desenvolvimento da ideia, pondo de lado unicamente o que se não prende ao assunto. Além disso, respeitamos escrupulosamente a tradução de Sacy, assim como a divisão em versículos.”1

Cabem algumas informações sobre o citado tradutor e seu trabalho. Louis-Isaac Lemaistre de Sacy (1613 – 1684) foi um sacerdote, teólogo e humanista de Port-Royal, mais conhecido por sua tradução da Bíblia, a chamada Bíblia de Port-Royal. O convento de Port Royal, localizado próximo de Paris, tornou-se conhecido pela contribuição ao desenvolvimento cultural, reunindo muitos religiosos intelectuais, como Pascal. Lemaistre de Sacy deu continuidade e completou a tradução iniciada por seu irmão Antoine Le Maistre, falecido em 1658. A tradução foi feita da Vulgata, a Bíblia traduzida para o latim por Jerônimo, na passagem do século IV para o século V. A tradução da Bíblia para o francês era uma necessidade para se garantir a inteligibilidade deste texto ao homem comum. A tradução da Bíblia de Sacy tornou-se a mais difundida na França, desde o século XVIII, com sucessivas reedições inclusive contemporâneas de Kardec, no século XIX. Aí já fica clara a razão da escolha do Codificador pela versão bíblica de Sacy.

Opções à palavra “consolador” e seus significados

A tradução de Sacy foi feita a partir da versão em latim – a Vulgata – e, como esta adota textos do Novo Testamento, originalmente redigidos em grego, torna-se interessante comentar-se o emprego da palavra “consolador” ou de seus substitutos a partir de traduções deste idioma original. O pesquisador bíblico Russell Norman Champlin faz pormenorizado estudo de O Novo Testamento, baseando-se fundamentalmente na literatura bíblica na língua inglesa, mas também cita João Ferreira Almeida. Champlin emprega a palavra “ajudador” e faz uma série de observações: “A tradução para o português João Ferreira Almeida diz Consolador, concorda com outras traduções, como King James, João Ferreira Almeida Revista e Corrigido e Imprensa Bíblica Brasileira; mas há outras traduções, como a inglesa Revised Standard Version que dizem “Conselheiro”; a tradução Charles B. Williams diz “Ajudador”, com o que concorda a tradução inglesa Goodspeed. Já a tradução inglesa New English Bible diz “Advogado”, concordando com a palavra original em muitas traduções”.3

Várias “Bíblias de Estudo” disponíveis em português, como adotam o texto bíblico Almeida Revista e Corrigido, empregam a palavra “consolador”. Já a tradicional “Bíblia de Estudo” da Editora Ave Maria, muito utilizada nos ambientes católicos, utilizada a palavra “parácleto”. Traduções recentes, do grego para o português, trazem alguns esclarecimentos sobre a citada palavra chave empregada pelo evangelista João. Na tradução de O Novo Testamento, Haroldo Dutra Dias emprega a palavra “Parácleto” e em nota de rodapé, esclarece: “alguém chamado ou enviado para prestar auxílio, consolar, confortar; defensor do réu (advogado); intercessor; alguém que exorta, instrui”.4

O especialista em idioma grego e tradutor da Bíblia do grego para o português Frederico Lourenço no citado versículo de João, emprega a palavra “auxiliador” e justifica em nota de rodapé: “[…] ‘outro auxiliador’: o sentido da palavra paráklêtos (“parácleto”) mistura a idéia de auxílio com a de advocacia; o espírito santo é o auxiliador mas também advogado e conselheiro da Humanidade”.5

Papel do Consolador

A mensagem de Cristo sobreviveu ao longo dos séculos e, em nossos dias, há o esforço para a implantação e a difusão da mensagem do “Consolador Prometido” pelo Mestre e de acordo com O evangelho segundo o espiritismo, vivemos a época do “Consolador Prometido”.6 Allan Kardec define claramente seu papel: “[…] realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da Lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.”1

No capítulo já citado de O evangelho segundo o espiritismo, o Codificador inclui quatro mensagens do Espírito da Verdade, como Instruções dos Espíritos. Destas, destacamos alguns trechos1:

“Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram.” “[…] os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem-amados meus.” “Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem”.

Entendemos que no texto do Codificador ficam claras as significações das várias traduções da palavra grega “paracleto”: auxiliador, ajudador, advogado, conselheiro, confortador, ou seja, no conjunto: um esclarecedor consolador.

Referências:

1. Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Ribeiro, Guillon. Cap. Introdução e VI. Brasília: FEB.

2. Le nouveau testament de Notre-Seigneur Jésus-Christ. Trad.Le Maistre de Sacy. Bruxelles: La Société Biblique Britannique et Éstrangère. 1846.

3. Champlin, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado: versículo por versículo. Vol. 2. São Paulo: Hagnos. 2014. p. 691.

4. O novo testamento. Trad. Dias, Haroldo Dutra. 1.ed. Brasília: FEB, 2013. p. 446-447.

5. Bíblia, Novo Testamento: os quatro Evangelhos. Vol.I. Trad. Lourenço, Frederico. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras. 2017. P. 387.

6. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais: aspectos históricos e visão espírita. Matão: O Clarim. 2018.

(*) Artigo do autor, publicado na Revista Internacional de Espiritismo, em 2018.

Recordando as “As Três Peneiras”

Recordando as “As Três Peneiras”

"As três peneiras" é uma fábula atribuída à Sócrates (filósofo Grego do século V a.C.).

Trata-se de uma reflexão sobre o que falar, como falar e quando falar, conforme segue: Um homem foi ao encontro de Sócrates, levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:

- Mestre, o senhor nem imagina o que me contaram a respeito de um amigo seu. Disseram que o …

Nem chegou a completar a frase e Sócrates aparteou:

- Espere um pouco.

Disse o mestre.

- O que vai me contar já passou pelo crivo das Três Peneiras?

- Peneiras? Que Peneiras, mestre?

- Explico.

Disse Sócrates.

- A primeira é a peneira da VERDADE: Você tem certeza de que esse fato é absolutamente verdadeiro?

- Não. Não tenho, não. Como posso saber? O que sei foi o que me contaram. Mas eu acho que… E novamente é interrompido.

- Então sua história já vazou a primeira peneira. Vamos então para a segunda peneira que é a da BONDADE: O que você vai me contar, gostaria que os outros também dissessem a seu respeito?

- Claro que não! Deus me livre! Disse o homem, assustado.

- Então. Continua Sócrates:

- Sua história vazou também a segunda peneira. Vamos ver a terceira peneira, que é a da NECESSIDADE: Convém contar? É realmente importante a divulgação desta informação? Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade?

- Devo confessar que não. Disse o homem, envergonhado.

- Então, disse-lhe o sábio, se o que queres me contar não é VERDADEIRO, nem BOM e nem NECESSÁRIO … … GUARDE APENAS PARA TI!

E ainda arrematou:

- Sempre que passar pelas três peneiras, conte! Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o mundo e fomentar a discórdia.

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OS TRÊS CRIVOS

Essa fábula é citada em uma curta mensagem do espírito Irmão X intitulada “Os três crivos”, referindo-se à “lição de Sócrates, em questões de maledicência”. (Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Aulas da Vida. São Paulo: IDEAL. 1981).

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Se as pessoas usassem desses critérios, seriam mais felizes e usariam seus esforços e talentos em outras atividades, antes de obedecer ao impulso de simplesmente passá-los adiante. “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem” (Mateus 15, 11).

(Síntese ACPC)

Leopoldo Machado e a Caravana da Fraternidade

Leopoldo Machado e a Caravana da Fraternidade

         

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Leopoldo Machado foi um vulto marcante nos anos 1930-50, e entre suas dinâmicas atuações trabalhou pela união dos espíritas, sendo a Caravana da Fraternidade a resultante desses esforços.

Leopoldo atuou no 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (promovido pela USE, São Paulo, 31/10-05/11/1948). Com comparecimento expressivo foi aprovada a criação de uma Confederação, ou de um Conselho Superior do Espiritismo que, levada à consideração do presidente da FEB Wantuil de Freitas, foi recusada.1

Em 1949 a USE-SP apoiou o 2o Congresso da Confederação Espírita Panamericana, realizado pela Liga Espírita do Brasil no Rio de Janeiro. Num diálogo de algumas lideranças relatado por Carlos Jordão da Silva, agendou-se uma reunião com o presidente da FEB, que culminou com o chamado Pacto Áureo, aceito pelos presentes, mas sem atender aos anseios do Congresso de Unificação e de lideranças do País. O episódio foi registrado como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, Acordo de Cavalheiros; depois cognominado por Lins de Vasconcellos como Pacto Áureo. Leopoldo participou da reunião mas não assinou a Ata do Acordo.1

Decidiu-se a instalação do Conselho Federativo Nacional da FEB, que ocorreu em 1o/01/1950, integrado por algumas Entidades Estaduais, com o objetivo de promover a união dos espíritas e das instituições, para fortalecer a difusão do Espiritismo. Esse Conselho tinha, em sua maioria, procuradores como representantes de outros Estados.1

Em reunião desse Conselho, aos 06/05/1950, “o representante de São Paulo comunica que estão organizando caravanas para visitas aos Estados onde ainda não se acha em bom funcionamento o serviço de unificação nos termos do Acordo de 05/10/1949. A finalidade dessas caravanas será uma aproximação mais íntima entre os espíritas do País, no sentido da unificação planejada.”2

Organizou-se a Caravana da Fraternidade, com recursos dos participantes, e apoio financeiro de Lins de Vasconcellos e Carlos Jordão da Silva. Integraram a Caravana: Ari Casadio (SP), Carlos Jordão da Silva (SP), Francisco Spinelli (RS), Leopoldo Machado (RJ); e, Lins de Vasconcellos (Pr) e Luiz Burgos (Pe), que não acompanharam todo o roteiro.3.4

A viagem foi longa – 31/10 a 13/12/1950-, com atividades em: Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, Natal, Fortaleza, Parnaíba, Teresina, São Luís, Belém e Manaus; passagem por Belo Horizonte e visita a Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, onde receberam duas mensagens psicográficas. 3.4

Implementado o programa: conferências para o grande público; mesa redonda para ajustamento de pontos de vista sobre o ideal da unificação; visitas a instituições de assistência social; programas sociais organizados pelos anfitriões. 3.4

Como resultados: a União Espírita Bahiana, deveria funcionar nos moldes da USE-SP; adequações de instituições e solidarização com o Acordo: Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará e Amazonas; fundação de federativas: Sergipe, Piauí, Maranhão. Há reproduções de jornais das cidades visitadas; manifestações de lideranças a favor e contrárias ao Pacto Áureo. 3.4

Leopoldo foi o orador oficial, articulador e o secretário, registrando o “diário”, que originou o livro histórico: A Caravana da Fraternidade, que publicou de forma independente, em 1954.3

Em 2009, como secretário geral do CFN da FEB e diretor da instituição, estivemos em Nova Iguaçu (RJ), para obter autorização do sobrinho de Leopoldo, Paulo de Tarso Machado de Barros (o Paulinho Leopoldo), planejando o relançamento de A caravana da fraternidade. Assim surgiu a edição dessa obra, pela FEB, e contando com nossa apresentação.

O lançamento ocorreu em Nova Iguaçu (RJ), aos 19/06/2010, com eventos do CFN, e nossa atuação e de Roberto Versiani, presença do diretor do CEERJ Humberto Portugal e parentes de Leopoldo.1

Diversos aspectos de gestão e participação poderiam ter sido revistos para aperfeiçoamento do CFN da FEB; empreendemos esforços como secretário geral do CFN, durante a presidência de Nestor Masotti, e depois como presidente da FEB, com propostas, dinamização e revisão regimental.1

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Capivari: EME. 2018.

2) Conselho Federativo Nacional. Reformador. Ano LXVIII. N.6. Junho de 1950, p.141.

3) Machado, Leopoldo. A caravana da fraternidade. Nova Iguassú: Lar de Jesus. 1954. 315p.

4) Machado, Leopoldo. A caravana da fraternidade. Rio de Janeiro: FEB. 2010. 371p.

 

(Ex-presidente da USE-SP e da FEB; foi membro da Comissão Executiva do CEI).

 

Extraído de:

Candeia Espírita, USE Intermunicipal de São José dos Campos, edição de novembro de 2023.

Ideal de união e divulgação com Kardec

Ideal de união e divulgação com Kardec
75 anos depois do Congresso Brasileiro de Unificação

     

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)


Por iniciativa da então recém fundada USE-SP, com apoio dos Estados do Sul, foi realizado em São Paulo de 31 de outubro a 05 de novembro de 1948, o 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, tendo foco na unificação nos Estados e em nível nacional, e problemas doutrinários.
Houve comparecimento expressivo: além da USE, várias instituições paulistas; Federações Espíritas do Rio Grande do Sul, do Paraná, Catarinense; União Espírita Mineira; Liga Espírita do Brasil; Conselho Consultivo das Mocidades Espíritas do Brasil; Lar de Jesus de Nova Iguaçú (RJ); Centro Espírita de Cuiabá, e representantes com procurações de instituições de Sergipe, Bahia, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.1,2
O encontro foi participativo, aprovando entre outras propostas: “que o espírito dominante em todos os trabalhos é o da unificação direcional do Espiritismo; que o Congresso lance aos espíritas do Brasil um manifesto sucinto e objetivo, divulgando os itens nele aprovados; promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; os entendimentos deverão ser feitos em torno da organização federativa de âmbito nacional; a entidade existente adaptada ao item anterior conserve sua autonomia social e patrimonial; o poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos e presidido pelo presidente da entidade referida.”1,2
Entre os marcos históricos desse Congresso, há a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, assinada por Emmanuel: “Em nome do Evangelho” (Pedro Leopoldo, 14/09/1948). Chico Xavier encaminhou aos organizadores com a justificativa de que ele, como convidado, não poderia comparecer.1,2,3

Eis uns trechos:

“O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,3
Espíritas de diferentes regiões consideravam inconveniente o divisionismo e propugnavam a concórdia, o respeito e a união fraterna.
Esse Congresso propôs a criação de uma Confederação, ou de um Conselho Superior do Espiritismo que, levada à consideração do presidente da FEB Wantuil de Freitas, foi recusada.
No ano seguinte a USE-SP apoiou o 2o Congresso da Confederação Espírita Panamericana, realizado pela Liga Espírita do Brasil no Rio de Janeiro. Durante esse evento, com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surgiu o encontro com a direção da FEB. Nessa inesperada reunião o presidente da FEB Wantuil de Freitas apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes aos 05/10/1949, “ad referendum” das Sociedades que representavam. A reunião depois foi intitulada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro e “Pacto Áureo” e gerou a criação do Conselho Federativo Nacional da FEB e a “Caravana da Fraternidade”.2,3

Foi um desdobramento parcial do Congresso de 1948 e, no contexto das dificuldades para a união, um documento possível para o momento, de inquestionável valor histórico, com repercussões, mas gerou também reações e decepções na época.2,3
Eis o depoimento de Carlos Jordão da Silva, participante desse Congresso Brasileiro e também ex-presidente da USE-SP:
“Tivemos aqui em São Paulo, em 1948, o Primeiro Congresso Brasileiro do Unificação, com a presença de delegações do todos os Estados Sulinos e alguns do Norte, não tendo a Federação Espírita Brasileira na ocasião aceito participar. Estabeleceu-se que a Federação Espírita do Rio Grande do Sul, através de sua delegação mantivesse os entendimentos com a FEB para que se efetivasse a Unificação das Sociedades Espíritas e Espíritas no campo nacional. […] Após as reuniões do Congresso Panamericano e recolhidos lodos os participantes das delegações em seus respectivos hotéis, cerca de uma hora da manhã, resolvemos sair para tomar um pouco de ar e dirigimo-nos para determinada praça próxima ao nosso hotel e para a nossa surpresa todas as delegações foram chegando ao mesmo local, como que convocadas por forças invisíveis. Achamos graça por ter o Plano Espiritual nos reunido daquela forma e aquela hora da madrugada e ali mesmo marcamos uma reunido para as 8 horas da manhã, no Hotel Serrador, onde estávamos hospedados, eu e minha Senhora, e, realizada tal reunido, incumbiu-se Artur Lins de Vasconcellos Lopes a tarefa de aproximar-se da FEB para promover o encontro.”3,4
Em função desse momento relatado por Carlos Jordão da Silva, repentinamente, e num único dia foi assinado o “Pacto Áureo”, aceito pelos presentes à reunião no Rio de Janeiro, mas que não atendia aos anseios do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita e de muitas lideranças espíritas do Brasil.3,4
Em uma análise acadêmica da primeira metade do Século XX, em tese de doutorado, Pedro Paulo Amorim efetivou “minuciosa pesquisa em fontes institucionais na busca da tentativa de construção da identidade espírita: Reformador, Mundo Espírita, O Clarim, Revista Internacional de Espiritismo, Revista Espírita do Brasil e o Almenara. […] pudemos destacar a atuação de quatro entre os principais intelectuais espíritas: Carlos Imbassahy, Leopoldo Machado, Deolindo Amorim e Herculano Pires”; enfatiza o “Pacto Áureo” e conclui que houve um “projeto homogeneizante da FEB em busca da pretendida hegemonia no interior do Campo Espírita Brasileiro”.5
Nesses 75 anos subsequentes ocorreram transformações no contexto do país, novas Constituições Federais, e o movimento espírita viveu grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificação de atuação.
Em análise sobre o “Pacto Áureo”, comentamos no livro União dos espíritas. Para onde vamos? sobre a inadequação de seus itens: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”3
Em nossa ótica, muitos aspectos de gestão e participação já poderiam ter sido revistos no sentido de aperfeiçoar o funcionamento do CFN da FEB, e, de nossa parte, empreendemos alguns esforços como secretário geral do CFN, durante a gestão do presidente Nestor Masotti, e depois como presidente da FEB, com propostas, dinamização e revisão regimental.3,6
Em 2018, a USE-SP promoveu uma comemoração dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação.2,6
Referências:
1) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. Versão digital: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/anais_1_congresso.pdf
2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Palestra das Comemorações dos 70 anos do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, São Paulo 20 e 21/10/2018. Acesso: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/palestra_70_anos.pdf
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Capivari: EME. 2018.
4) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE – 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997. 335p.
5) Amorim, Pedro Paulo. As tensões no campo espírita brasileiro em tempos de afirmação (primeira metade do Século XX). Tese (Doutorado em História Cultural). Universidade Federal de Santa Catarina. 2017.
6) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.

 

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

Relações entre lideranças da “Arte Moderna” com espíritas

Relações entre lideranças da “Arte Moderna” com espíritas

     

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Ao longo do tempo surgem informações sobre as relações de eminentes vultos da histórica “Semana de Arte Moderna” com vultos espíritas. Trata-se do evento artístico e cultural que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922.

A proposta era apresentar uma nova estética artística para todos os campos das artes, com apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras de arte, como pinturas e esculturas, e palestras. Foi apoiado pelo governador do Estado de São Paulo Washington Luís (depois presidente da República).

Há registros históricos sobre o poeta paulistano Menotti Del Picchia (São Paulo, 1892-1988), participante da “Semana de Arte Moderna” e depois membro da Academia Brasileira de Letras (1943). Ele foi um dos primeiros literatos a se manifestarem sobre a obra Parnaso de Além Túmulo (1932), identificando os estilos dos diversos poetas brasileiros e portugueses que escreveram pela psicografia de Chico Xavier.

Interessante é que o poeta Almir Rodrigues Bento (1918-1945), jornalista e ativo jovem espírita de nossa terra natal, Araçatuba, onde teve relações com vários familiares nossos, trabalhava profissionalmente no meio jornalístico e mudando-se de Araçatuba para São Paulo, estabeleceu relações com o poeta modernista Menotti Del Picchia. Ao lançar seu livro de poemas Sol (1945), Almir contou com o prefácio de Del Picchia. Nesse livro, Almir Rodrigues Bento deixa clara sua crença religiosa no poema “Metempsicose”.

Outro detalhe nesse livro é que, entre algumas homenagens, inclui Freitas Nobre. Naquela época, José Freitas Nobre (1921-1990) era estudante na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; tornou-se conhecido como advogado, jornalista e professor; foi presidente do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, vereador e vice-prefeito de São Paulo e deputado federal por São Paulo. Espírita atuante e muito amigo de Chico Xavier.

Em nosso livro Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões, relatamos episódios da vida de Almir Rodrigues Bento e a justificativa porque propusemos, como membro fundador, o seu nome como patrono da Cadeira no 4 da Academia Araçatubense de Letras.

Fato muito relevante foi a relação entre a pintora modernista Tarsila do Amaral e Chico Xavier. Tarsila de Aguiar do Amaral (1886–1973) foi membro do “Grupo dos Cinco”, destacados artistas brasileiros: Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Segundo Mário de Andrade, ela foi a “primeira que conseguiu realizar uma obra de realidade nacional”. Entre as telas famosas da pintora, destaca-se “Abaporu”, de 1928.

Já idosa, passando por grandes reveses na saúde e com a desencarnação da filha única e da neta, Tarsila, desesperada e deprimida, se aproxima do espiritismo e de Chico Xavier. Inclusive, passou a doar parte da venda dos seus quadros aos trabalhos assistenciais que Chico Xavier apoiava em Uberaba.

Essa amizade foi registrada pelo casal Nena e Francisco Galves, que eram hospedeiros de Chico Xavier em São Paulo, e são fundadores do Centro Espírita União. Através deles ficou marcado inclusive o respeito e admiração de Chico tinha por Tarsila. No discurso proferido por Francisco Cândido Xavier quando recebeu o título de Cidadão Paulistano em 19/05/1973, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, o médium fez referência a Tarsila, que “havia prometido estar nessa ocasião mesmo em cadeira de rodas, mas a vontade do Senhor a havia transferido para a Vida Maior”. Ela desencarnou quatro meses antes da cerimônia. Chico Xavier chamou Tarsila de sua benfeitora: “a grande dama católica aceitava sua amizade como espírita e médium, com bondade inesquecível, que orava em cores e produzia telas que hoje são o encanto e riqueza do Brasil e do mundo. Afirmou que ‘dona Tarsila’ se inclinava aos pequeninos da mesma forma que acolhia as personalidades ilustres. […] tanto ela, como eu, acreditava que os gênios do Brasil não estão mortos, que os grandes fundadores da civilização paulista e brasileira estão vivos operando e cooperando em nosso favor, e eles nos auxiliam”.

Por ocasião do lançamento de nosso livro Chico Xavier. O homem, a obra e as repercussões (2019), estivemos em Capivari, onde se situa a Editora EME. Na oportunidade, juntamente com nossa esposa Célia, visitamos a Galeria Tarsila do Amaral, espaço cultural de Capivari, terra natal da artista, que homenageia a grande pintora e desenhista.

Aí estão fatos pouco conhecidos e que merecem ser divulgadas sobre relações entre lideranças da famosa “Semana de Arte Moderna” com vultos espíritas.

Fontes:

- Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões. Cap. 1.24. São Paulo: USE, Capivari: EME. 2019.

- Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Cap. 1.4. Araçatuba: Cocriação. 2021.

- Página GEECX (copie e cole): http://grupochicoxavier.com.br/chico-xavier-valorizado-pelos-modernistas-tarsila-do-amaral-e-menotti-del-picchia/

As incompreensões religiosas na época de Kardec

As incompreensões religiosas na época de Kardec

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O Codificador viveu no Século XIX – época grandes luzes que provocou grandes descobertas e teorias que modificaram o modo de vida do homem sobre a Terra, sua própria concepção e o papel que ele representa no planeta e no universo.

Simultaneamente foi um período de muitas polêmicas e choques na vida política e religiosa da França. Após a Revolução Francesa, no período do Terror, Robespierre impõe a religião racionalista e preside a cerimônia de introdução de uma bailarina na Catedral de Notre Dame, para caracterizar o estabelecimento do culto da razão. Poucos anos depois o cônsul Napoleão Bonaparte estabelece uma nova relação com a Igreja Católica, tida como oficial até a Revolução, e assina com o Papa Pio VII a Concordata de 1801, acordo que visava a restauração da Igreja Católica na França pós-revolução. O Catolicismo seria "a religião da grande maioria dos franceses", porém não mais a religião oficial, em respeito ao Protestantismo que se expandia.

O papa Pio IX, contemporâneo do trabalho do Codificador, condenou diversas proposições que contrariavam a visão católica na época; condenava as ideologias do panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo, franco-maçonaria, judaísmo, Igrejas que se apresentavam como cristãs e se propunham a explicar a Bíblia e várias outras formas de liberalismo religioso consideradas incompatíveis com a religião católica. Era tipicamente um conservador.

No seio da própria igreja católica da França surgem inquietações, ou, numa outra ótica, esforços importantes por parte de religiosos como: Félicité Robert de Lamennais, liberal que advogava a separação do Estado da Igreja, a liberdade de consciência, educação e imprensa. Jean-Baptiste-Henri Lacordaire, vigário da Catedral de Notre Dame, que escrevia claramente sobre “o mundo dos corpos e o mundo dos espíritos” e defendia que a “união da liberdade e do Cristianismo seria a única possibilidade de salvação do futuro”. Ambos foram punidos pelo Vaticano.

Várias polêmicas se disseminavam no seio da igreja católica. Motivado por discordâncias sobre o dogma da imaculada Conceição e sobre celibatarismo, o padre Jean-Louis Verger assassinou o arcebispo de Paris Marie Auguste Dominique Sibour, em janeiro de 1857.

Aos 9 de outubro de 1861, aconteceu o famoso “auto de fé”, em Barcelona, quando foram queimados em praça pública centenas de obras de autoria de Allan Kardec.

Esse foi o contexto vivido por Allan Kardec por ocasião da redação das Obras Básicas do Espiritismo.

Em 1863 surgiu o livro Sermões sobre o Espiritismo pregados na catedral de Metz refutados por um espírita de Metz (*), que é histórico e assinala bem algumas polêmicas que ocorriam por ocasião do trabalho do Codificador Allan Kardec. O padre R.P. Letierce, em seus sermões na cidade de Metz, combatia o Espiritismo. As principais questões levantadas pelo pároco de Metz eram: relacionar Espiritismo como causa de loucura; o Espiritismo como maldade; a tibieza dos espíritas; a “influência dos espíritos do inferno”; a não aceitação do dogma da eternidade das penas; ser uma heresia… E surgiu o livro “espírita de Metz” que elaborou argumentação firme e coerente com a Doutrina Espírita para refutar o padre Letierce.  Esse tem grande valor histórico e, acima de tudo, registra a coragem de um homem que não temia as pressões e perseguições religiosas e demonstrava profunda fidelidade ao nascente Espiritismo.

O livro Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo lançado por Kardec em 1864, logo foi incluída no Index librorum prohibitorum, a lista de publicações proibidas pela Igreja Católica. Este título foi alterado na segunda edição para O Evangelho segundo o Espiritismo.

Por outro lado, do seio do próprio catolicismo francês, já surgiam manifestações significativas, de contemporâneos de Kardec. O abade Marauzeau, em carta dirigida a Allan Kardec: "Mostrai ao homem que ele é imortal. Nada vos pode melhor secundar nessa nobre tarefa do que a comprovação dos Espíritos de além-túmulo e suas manifestações. Só com isso vireis em auxílio da religião, empenhando ao seu lado os combates de Deus". O abade Leçanu, em seu livro História de Satanás anotou: "Observando-se as máximas de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tomar santo na Terra".

(*) Síntese do Prefácio do articulista no livro citado, cuja tradução foi publicada em 2017, de forma digital por Autores Espíritas Clássicos, disponível na página eletrônica (copie e cole):

https://autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diversos/Spirite%20de%20Metz/Serm%C3%B5es%20sobre%20o%20Espiritismo%20-%20Refutados%20por%20um%20Esp%C3%ADrita%20de%20Metz.pdf

A diversidade de guerras nas obras básicas

A diversidade de guerras nas obras básicas

É difícil redigir textos sobre o terrível momento que se vive com variadas formas e intensidades de animosidades em curso.

Chamam atenção as guerras, como as provocadas pela invasão da Ucrânia e as recorrentes no Oriente Médio.

Mas há várias outras expressões guerreiras no interior de vários países, incluindo o terrorismo, aquelas entre facções criminosas e também as de motivações políticas e econômicas. Sempre há disputas de poder e o comprometimento e sofrimento de populações.

Nos textos das obras básicas, podem ser destacados alguns trechos sobre o tema. Há conceito, apreciação espiritual e a tão esperada profilaxia desse mal. Aí estão algumas transcrições dessas obras de Allan Kardec para subsidiarem nossos conhecimentos e reflexões.

O livro dos espíritos:

P.742. Que é o que impele o homem à guerra? “Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem — o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.” P.743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá? “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a Lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.” P.745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu? “Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

O evangelho segundo o espiritismo:

Cap.XII, item 14: “Quando a caridade regular a conduta dos homens, eles conformarão seus atos e palavras a esta máxima: ‘Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam.’ Verificando-se isso, desaparecerão todas as causas de dissensões e, com elas, as dos duelos e das guerras, que são os duelos de povo a povo – Francisco Xavier (Bordeaux, 1861)”

O céu e o inferno:

2ª parte, cap. VIII: “Profundo pensamento é também esse que atribui as calamidades coletivas à infração das Leis divinas, porque Deus castiga os povos tanto quanto os indivíduos. Realmente, pela prática da caridade, as guerras e as misérias acabariam por ser eliminadas. Pois bem, a prática dessa lei conduz ao Espiritismo e, quem sabe, será essa a razão de ter ele tantos e tão acérrimos inimigos? As exortações desta filha, aos pais, serão acaso as de um demônio?”

A gênese:

Cap.III, item 6: “Porém, os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das dissensões, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte, afinal, das enfermidades.”

E, sem dúvida, há muitas matérias sobre o tema na Revista espírita, no período de redação de Kardec (1858-1869).

Boas consultas e reflexões!

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Kardec, o bom senso

Kardec, o bom senso

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Algumas nuances do perfil de Allan Kardec passam despercebidas. Aspectos do educador e pesquisador de fatos precisam ser valorizadas e interconectadas. Kardec não foi um entrevistador de espíritos, um mero intermediário para o registro de informações espirituais ou elaborador de obras com base em teorias. Com preparo intelectual, senso de observação, análise e avaliação, sempre buscou o contato com realidades.

O prof. Rivail dialogava com seus pares e tinha opiniões próprias. O francês Jean Prieur (1914-2016), autor de livros sobre história e temas relacionados com vida após a morte, lembra que os originais de O Livro dos Espíritos, não foram aceitos por alguns amigos editores de Kardec. Prieur destaca que ele persistiu em sua decisão, providenciou a publicação e houve rápida difusão deste e de outras obras de Kardec, com rápido desenvolvimento do Espiritismo.

A experiência do Codificador com suas viagens é comentada por Wallace Rodrigues no prefácio de sua tradução de Viagem espírita em 1862. Destaca que “tudo começa, não exatamente em 1862, como o título sugere, mas, dois anos antes. O Novo ‘Atos’ se inicia nos derradeiros dias do outono de 1860”. Entendemos que com essas viagens, com base nas observações, diálogos e significativos contatos doutrinários, Kardec deu início ao movimento espírita.

Fatos interessantes ocorrem no período de elaboração da 1a edição de O evangelho, então intitulado Imitação do evangelho segundo o espiritismo. Algumas anotações sobre a atuação de Kardec na redação desse livro já expõem aspectos notáveis sobre o perfil do autor. Com o novo livro praticamente delineado, Kardec foi estimulado para realizar um autêntico “retiro” na cidade litorânea de Sainte-Adresse, na Normandia, perto do Havre. Até mensagem espiritual sobre a nova obra ele já havia recebido, contendo orientação de encorajamento. Em agosto de 1863 Kardec estabeleceu-se numa “cabana de praia” alugada e trabalhou “em isolamento”, “livre de qualquer outra preocupação” e assistido por notáveis Espíritos, fez a revisão completa do texto, modificando-o consideravelmente. Por aí podemos notar a sensibilidade e os cuidados que seriam necessários para a análise dos ensinos de Jesus à luz do Espiritismo. A dedicada esposa Amélie Boudet acompanhou-o nos momentos iniciais e retornou a Paris para cuidar da rotina da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Mantiveram assídua correspondência durante os cerca de 50 dias em que ele permaneceu em Sainte-Adresse. Amélie foi sempre companheira, desde as lides educacionais, apoiadora, inspiradora e, sabe-se que, em alguns momentos, também financiadora para edição de obras.

Em abril de 1864 a Livraria Dentu, localizada no Palais Royal, lança Imitação do evangelho segundo o espiritismo. Na edição da Revista Espírita, de agosto de 1864, no “Suplemento ao capítulo das preces da Imitação do evangelho”, Kardec comenta: “Vários assinantes testemunharam o seu pesar por não haverem encontrado, em nossa Imitação do evangelho segundo o espiritismo, uma prece especial, para uso habitual, para a manhã e à noite”. Depois de várias considerações anota: “O mais perfeito modelo de concisão, no caso da prece, é, sem contradita, a Oração dominical, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade”.

O autor pensava, analisava sugestões de missivistas e preparava a ampliação da obra. O título original foi reduzido a partir da 2a edição (ou tiragem), atendendo a conselhos de amigos, colaboradores e do Sr. Didier, da Livraria Acadêmica, de Paris. Aliás, Kardec rejeitou propostas de novo título até trazidas por entidades espirituais e usou o seu critério de decisão. Em novembro de 1865, informa que se encontra “no prelo, para aparecer em poucos dias” a 3a edição de O evangelho segundo o espiritismo – “revista, corrigida e modificada”: “Esta edição foi objeto de um remanejamento completo da obra. Além de algumas adições, as principais alterações consistem numa classificação mais metódica, mais clara e mais cômoda das matérias, o que torna sua leitura e as buscas mais fáceis”.

Nessa obra há algumas notas de rodapé que registram estudos e contatos do autor com outras obras e personalidades, como citações a Osterwald e André Pezzani.

Essas nossas rápidas anotações denotam algumas nuances do perfil intelectual consolidado em obras e ações, inserido no contexto de sua época, de atento observador e sem dúvida, caracterizando-se como o “bom senso encarnado”, conforme designação de Camille Flammarion.

As recentes divulgações de manuscritos oriundos de pelo menos três arquivos históricos provenientes da França, estão enriquecendo com detalhes sobre o trabalho, as lutas e o pensamento de Kardec.

Fontes:

1) Prieur, Jean. Allan Kardec et son époque. Mônaco: Éditions du Rocher. 2004.

2) Kardec, Allan. Trad. Rodrigues, Wallace Leal Valentim. Viagem espírita em 1862. Matão: O Clarim.

3) Kardec, Allan. Trad. Abreu Filho, Júlio. Revista espírita. 1864; 1865. São Paulo: EDICEL.

4) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O evangelho segundo o espiritismo. 131e. Brasília: FEB.