Candidato espírita ou espírita candidato?

Candidato espírita ou espírita candidato?

Marcos Milani (*)

Em ano eleitoral é comum encontrarmos aqueles que supõem que o rótulo religioso ateste a integridade e a competência do candidato. O movimento espírita não está livre desse discurso.

É possível ouvir, vez ou outra, alguém dizendo que “espírita vota em espírita”.

Será mesmo que esse é o critério adequado para identificarmos um “bom” candidato? Quais seriam as razões para acreditar, por exemplo, que um valoroso colaborador de um centro espírita seria um ótimo vereador ou deputado? Ao afirmar que conhece a seriedade do colega e, por isso, gostaria de vê-lo nas lides políticas, esse eleitor demonstra ter adotado o critério da proximidade e relação simpática com o candidato. Adicionalmente, poder-se-ia cogitar que, sendo espírita, esse candidato defenderia os princípios e valores doutrinários em sua função pública, assim como protegeria as instituições espíritas, os seus interesses e suas atividades. São argumentos compreensíveis, mas superficiais.

Sob a perspectiva daqueles que compartilham a mesma crença, naturalmente existe uma identificação com a postura moral, mas as semelhanças podem parar por aí se as propostas econômicas, políticas e sociais que o candidato abraçar forem diferentes daquelas que o eleitor acredita serem as mais adequadas.

Por exemplo, um candidato que se afirme espírita e que esteja filiado a um partido que possua uma agenda programática favorável ao aumento do déficit fiscal para financiar medidas populistas e que gerarão sérios danos à economia com reflexos diretos no aumento da inflação e pauperização da população no longo prazo seria um bom candidato? Não parece ser.

O programa do partido político que o candidato representa é muito importante e pode sinalizar muito mais sobre as propostas que ele realmente defende do que, simplesmente, afirmar-se espírita. Ao contrariar as diretrizes do partido, o filiado pode ser, inclusive, expulso.

No polarizado cenário político nacional, há espíritas em todas as trincheiras ideológicas. Inexiste uma posição partidária espírita e constitui-se uma agressão à liberdade individual a tentativa de se buscar um pensamento hegemônico eleitoral.

Fica claro, portanto, que não existe um candidato que represente o espiritismo nem os seus adeptos de maneira uniforme. Alguns militantes políticos, infiltrados nas fileiras espíritas, tentam impor convicções particulares pelo constrangimento. Chegam ao cúmulo de publicarem nas redes sociais mensagens como: “espírita que defende esse ou aquele candidato não é espírita”.

Supõem-se senhores da razão, desprezam a diversidade de opiniões e desrespeitam a liberdade de consciência. Ainda, de maneira maniqueísta, rotulam o espiritismo como se fosse de esquerda ou de direita, socialista ou liberal, isso ou aquilo. Pinçam trechos dos ensinamentos dos espíritos para os interpretarem por conveniência, como se houvesse um direcionamento doutrinário explícito ou implícito nesse sentido e os adeptos deveriam votar somente em candidatos que partilhassem dessas mesmas visões.

O Espiritismo não está preso na transitoriedade dos problemas locais e sua proposta repousa no aperfeiçoamento moral e intelectual do ser humano, sem receitas ou fórmulas programáticas sociais. A deterioração da situação econômica vivenciada no Brasil, fruto de políticas intervencionistas desastrosas com graves reflexos sociais durante a última década não se resolve pelo rótulo religioso.

Não somente o espírita, mas qualquer um, na condição de cidadão, tem a possibilidade de agir a favor da construção de uma sociedade melhor e uma das maneiras de participar desse processo é portar‑se, condignamente e com competência, em todas as atividades que desempenhar, seja na vida privada ou pública. Há candidatos que, porventura, se declaram espíritas e atraiam a simpatia de alguns adeptos, mas não existem candidatos dos espíritas e, muito menos, deve existir uma variação do voto de cabresto no movimento espírita.

(*) Marco Antonio Milani Filho é diretor do Departamento do Livro (Doutrina) da USE-SP e presidente da USE Regional de Campinas.

Extraído de:

Dirigente espírita, USE-SP. Ano 28. N.166. P. 11. São Paulo, julho-agosto de 2018.