As epidemias e os espíritas – alguns registros históricos

As epidemias e os espíritas – alguns registros históricos

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A Revista espírita do período de Allan Kardec é muito rica de matérias doutrinárias e informativas. O Codificador opinava sobre temas do momento.

Agora que convivemos com uma pandemia torna-se interessante transcrevermos trechos da matéria “O Espiritismo e o cólera”1, oportunidade que Kardec publica uma carta enviada por um advogado de Constantinopla:

"[…] Os jornais informaram o rigor com o qual o terrível flagelo vem de maltratar em nossa cidade e vizinhanças, tudo em atenuando suas devastações. Algumas pessoas, dizendo-se bem informadas, dão o número de coléricos falecidos em 70 mil,…”

Em mensagem espiritual há o comentário:

“Certamente, seria absurdo crer que a fé espírita seja um ‘brevet’ de garantia contra o cólera. Mas como está cientificamente reconhecido que o medo, enfraquecendo ao mesmo tempo o moral e o físico, torna mais impressionável e mais suscetível de ser atingido pelas moléstias contagiosas; é evidente que toda causa tendente a fortificar o moral é um preservativo.”

E também do espírito doutor Demeure:

“O melhor preservativo consiste nas precauções de higiene sabiamente recomendadas por todas as instruções dadas a respeito; estão acima de toda limpeza, o afastamento de toda causa de insalubridade e focos de infecção, a abstenção de todo excesso. Com isto deve evitar-se a mudança de hábitos alimentares, salvo para evitar as coisas debilitantes. É preciso igualmente evitar os resfriados, as transições bruscas de temperatura, e abster-se, a menos por necessidade absoluta, de toda medicação violenta, que possa trazer perturbação na economia. Sabeis que, muitas vezes, em casos semelhantes, o medo é pior do que o mal.”

Na edição seguinte da Revista espírita, em dezembro de 1865, Kardec informa deu início a uma campanha em favor dos flagelados, aberta no escritório da Revista: “Em benefício dos pobres de Lyon e das vítimas do cólera”.

Em nosso país há alguns registros relacionando espíritas e momentos de epidemias.

De início, destacamos um episódio interessante sobre Antonio Gonçalves da Silva, o Batuíra, o português que se fixou em São Paulo, transformando-se em grande exemplo espírita: “Eis alguns traços da personalidade de Batuíra pela pena do festejado escritor Afonso Schmidt: ‘Em 1873, por ocasião da terrível epidemia de varíola que assolou a capital da Província, ele serviu de médico, de enfermeiro, de pai para os flagelados, deu-lhes não apenas o remédio e os desvelos, mas também o pão, o teto e o agasalho.”2

No século XX a autêntica pandemia que assolou o mundo – a gripe espanhola -, provocou alguns fatos vinculados ao movimento espírita. Em artigo recente publicado na Revista internacional de espiritismo, David Liesenberg comenta sobre essa última pandemia, do ano de 1918. Cita registros do jornal O Clarim, como o aumento da demanda das receitas homeopáticas na sede da FEB, no Rio de Janeiro, e, as mudanças que Cairbar Schutel adotou no Centro Espírita Amantes da Pobreza, em Matão (SP). Para atender solicitações do Governo, as reuniões públicas domingueiras noturnas foram antecipadas para as 17 horas.3

A epidemia da gripe espanhola veio encontrar Eurípedes Barsanulfo em plenas atividades em Sacramento (MG), tomando providências para a provisão de medicamentos na sua farmácia. Familiares e colaboradores foram contaminados4 e ele prosseguia “à cabeceira dos seus enfermos, auxiliando centenas de famílias pobres”.5 E o pioneiro dedicado sucumbiu vitimado por essa epidemia e desencarnou aos 1o de novembro de 1918.

Depois desses registros históricos, passam por nossa memória as epidemias que acometiam as crianças, durante nossa infância, como a varíola e a poliomielite, pois a primeira vacina contra esta última – a Salk – somente surgiu em 1955 e logo depois a Sabin. Nossa família tomava cuidados extremos para evitar a contaminação. Certa feita, com um pequeno e passageiro sinal de dificuldade motora na perna levaram-nos às pressas para uma consulta com renomado especialista da capital paulista, concluindo-se que havia sido apenas decorrência de pequeno acidente. Tempos depois quando começaram a surgir casos em nossa cidade, chegaram a nos levar junto os pequeninos irmãos a uma cidade onde não havia o surto da chamada paralisia infantil. Dessa maneira, fomos convivendo com notícias próximas e distantes de várias situações que aterrorizavam as famílias.

Já atuando na docência odontológica e na especialidade de cirurgia bucal, em 1985 surgem as contaminações da AIDS, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (HIV), e de início causando muitas dúvidas e pânicos. Como dever estudamos a nova enfermidade e passamos a adotar os cuidados e prevenções devidas ao profissional que realizava intervenções em pacientes. Como docente passamos a nos preocupar em orientar e divulgar as formas de prevenção e surgiram aulas, seminários, palestras, publicações e uma grande campanha regional de esclarecimento. Naquele contexto, estávamos elaborando juntamente com Divaldo Pereira Franco o livro Em louvor à vida, onde comentamos mensagens de autoria de nosso tio médico desencarnado Lourival Perri Chefaly.6 De maneira inédita para a época, o livro editado em 1987 trazia a psicografia “AIDS e profilaxia” e nossos comentários “Informações sobre a AIDS” e “A profilaxia com reformas espirituais”. Entre alguns registros gravados na época encontra-se disponível a nossa atuação em grande congresso espírita em São Paulo, no ano de 1991.7

Como sugestão à reflexão sobre as epidemias, consideramos válidas as recomendações do doutor Demeure acima transcritas1 e, por oportuno, reproduzimos trecho da mensagem do espírito Lourival Perri Chefaly:

“Pensar na saúde e fomentá-la através dos pensamentos otimistas é impositivo indispensável ao progresso e à paz. Saúde/doença – binômio do corpo e da mente – são conquistas do ser, que deve aprender a optar por aquela que melhor condiz com as aspirações evolutivas, desde que a harmonia ideal será alcançada através do respeito à primeira ou mediante a vigência da segunda”.6

Referências:

1) Kardec, Allan. Trad.Abreu Filho, Júlio. Revista espírita. O Espiritismo e o cólera. Novembro de 1865; Idem. Em benefício dos pobres de Lyon e das vítimas do cólera. Dezembro de 1865. Vol. VIII. São Paulo: EDICEL.

2) Oliva Filho, Apolo. A vida surpreendente de Batuíra. Página eletrônica: http://geb.org.br/quem-somos/historia/batuira (consulta em 04/07/2020).

3) Liesenberg, David. Epidemia e os sinais dos céus. Revista Internacional de espiritismo. Ano XCV. N.6. Julho de 2020. P.292-294.

4) Novelino, Corina. Eurípedes, o homem e a missão. Cap. O desenlace. Araras: IDE. 1979.

5) Ferreira, Inácio. Subsídio para história de Eurípedes Barsanulfo. Uberaba: do autor. 1962. P.112.

6) Franco, Divaldo Pereira; Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelo espírito Lourival Perri Chefaly. Em Louvor à vida. 1.ed. Cap. AIDS. Salvador: LEAL. 1987.

7) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Aids na visão Espírita. Página eletrônica: http://grupochicoxavier.com.br/historico-aids-na-visao-espirita/ (consulta em 04/07/2020).

(*) Foi dirigente espírita em Araçatuba, presidente da USE-SP e da FEB.