Anticristo. Senhor do Mundo

Anticristo. Senhor do Mundo

Leopoldo Cirne (1870-1941), ex-presidente da FEB, escreveu a obra Anticristo. Senhor do Mundo, tendo dois subtítulos: “O Espiritismo em falência” e “A obra cristã e o poder das trevas”. Impressa por Bedeschi e lançada no Rio de Janeiro em 1935, não foi reeditada e é encontrada em alguns sebos. Com 529 páginas, na 1ª Parte Cirne analisa em detalhes a trajetória do Cristianismo e na 2ª Parte focaliza o Espiritismo.

Define o objetivo da obra: “(…) apreciando a ação perturbadora do Anticristo na existência da igreja – alvo do seu inveterado rancor – do mesmo que em todas as manifestações da vida humana, em que essa interferência transparece, colher ensinamentos e advertências para salvaguarda dos que, nesta época de transformações e num radioso futuro que se avizinha, desejem sinceramente seguir a Jesus e necessitam estar apercebidos contra as insidiosas manobras dos que com propriedade são denominados inimigos da luz.” Considera que o Cristo empreende a obra de educação e redenção da humanidade e raciocina: “o princípio oposto – de separatividade [sic] e de egoísmo – que forma o substrato da natureza inferior do homem e constitui, na quase totalidade da espécie humana, o motivo preponderante de seus atos e impulsos? (…) esse princípio deverá chamar-se o Anticristo. Somos todos assim, enquanto consentimos em nós o predomínio do egoísmo com todos os seus derivados – ambição, vaidade, orgulho – e pelejamos denodadamente pela obtenção e acréscimo dos bens, posições e vantagens pessoais, com sacrifício dos outros e violação da lei de solidariedade (…)”

Cirne comenta a ação do Cristo, com citações dos evangelistas, de Atos e de epístolas de Paulo. Analisa dissenções, concílios e deturpações dos ensinos cristãos primitivos. Destaca o papel de Francisco de Assis; focaliza os complicados momentos do papado em Avignon e momentos subsequentes, o começo do grande cisma; inclui o sacrifício de Jan Huss. Lamenta os movimentos fanatizados das Cruzadas e da Inquisição. Dedica um capítulo à Reforma e transcreve trecho de carta de Lutero ao papa Leão X: “Não sei decidir ao certo se o papa é o Anticristo ou o apóstolo do Anticristo.” Comenta os papéis independentes de Copérnico, Giordano Bruno e Galileu. Analisa a França (século XVIII), com os desvarios da “Deusa Razão”. Destaca as lutas para a manutenção dos Estados pontifícios, culminando com o “acordo de Latrão” (século XX) com o governo italiano, que reconhece a soberania temporal do papa.

Na 2ª Parte, Cirne focaliza os momentos predecessores e concomitantes ao Espiritismo, de eclosão de muitos fenômenos mediúnicos e com notável trabalho de vários pesquisadores. Descreve o cenário dos primeiros grupos espíritas do Rio de Janeiro e as dificuldades da novel Federação Espírita Brasileira. Define a presidência de Bezerra como um “renascimento para a Federação, acerca de cujas sessões doutrinárias, em que foi restabelecido o estudo metódico de O Livro dos Espíritos”. Sendo vice-presidente, com a desencarnação de Bezerra, em 11 de abril de 1900, Leopoldo Cirne assume a presidência da FEB. De 1º a 3 de outubro de 1904, a FEB comemorou o centenário de nascimento de Allan Kardec e Cirne considera que a parte mais importante foi a reunião de representantes de instituições dos estados, oportunidade em que foi aprovado o documento “Bases de organização espírita”, formulado pela diretoria da Federação.

Outro destaque foi a inauguração, no dia 10 de dezembro 1911, da sede da FEB à Avenida Passos, no Rio de Janeiro. Em seguida aponta vários problemas: a Escola de Médiuns, um desafio para a época; questiona algumas mensagens atribuídas a Allan Kardec; registra a “inexperiência de alguns novos membros da diretoria”, ficando mais expostos às sugestões do Espírito das trevas. Essas dissenções culminaram na assembleia geral da FEB, no começo de 1914 e o final do pleito, resultado da manobra reacionária com exclusão do antigo presidente e dos companheiros com ele solidários na orientação doutrinária que vinha imprimindo aos trabalhos da Sociedade. Comenta: “(…) Até aos dois anos precedentes, ou melhor, enquanto a Federação foi uma sociedade pequenina e pobre, como tal modestamente instalada, a eleição anual de sua diretoria era uma formalidade sumaríssima, perfeitamente nos moldes das comunidades cristãs.”

Cirne se refere ao seu alijamento da presidência da FEB e se manteve afastado da entidade até sua desencarnação, mantendo palestras em outras instituições e redação de livros. Distanciado da FEB, Cirne critica o colégio eleitoral da Instituição e compara com a eleição do papa pelo sacro colégio dos cardeais. Critica também a apatia da Federação, que se omite em muitas questões sociais e o ensino leigo. Opina com restrições à obra de J.B.Roustaing. No final comenta as obras de Allan Kardec. Em seguida, defendendo os princípios espíritas, analisa a Teosofia e o Esoterismo.

     Leopoldo Cirne foi vice-presidente da FEB (1898-1900) na gestão de Bezerra de Menezes, sucedendo-o como presidente (1900-1914). Renovou os Estatutos da FEB (1902) instituindo o estudo das obras completas de Allan Kardec como referência básica da instituição. Em 1904 promoveu o I Congresso Espírita, evocativo do centenário do nascimento de Kardec. Esforçou-se para implantar a “Escola de Médiuns”; iniciou a promoção do Esperanto na FEB e junto ao movimento espírita (1909); construiu e inaugurou a sede própria da FEB (1911). Perdeu a eleição para a presidência em 1914, retirando-se da instituição. Foi conferencista; autor de livros: Memórias históricas do Espiritismo; Doutrina e Prática do Espiritismo; Anticristo, Senhor do Mundo; A personalidade de Jesus (publicação post mortem pela FEB). Tradutor das obras de Léon Denis: No invisível e Cristianismo e Espiritismo. Há várias mensagens do espírito Leopoldo Cirne, em obras editadas pela FEB, pelo médium Chico Xavier: Instruções psicofônicas; um dos personagens em Voltei, ao lado de Bezerra de Menezes, Inácio Bittencourt e Antônio Luís Sayão e, pela psicografia de Waldo Vieira, na obra Seareiros de volta.

Síntese de:

Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo, Espiritismo e o Anticristo. Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCII. No. 9. Outubro de 2017. http://espiritismoemmovimento.blogspot.com.br/2017/10/cristianismo-espiritismo-e-o-anticristo.html