A Gênese – 150 anos, valor da obra e suas primeiras edições francesas

A Gênese – 150 anos, valor da obra e suas primeiras edições francesas

 

Anúncio da Revista Espírita de janeiro de 1868 informa que A Gênese foi lançada no dia 6 de janeiro de 1868, em Paris.(1) Sabe-se também que o depósito legal deste livro no Ministério do Interior da França foi feito por Allan Kardec no dia 4 de janeiro de 1868.

Com esta obra completa-se o quinto volume das chamadas Obras Básicas da Codificação.

Os temas são desenvolvidos em três partes – A gênese segundo o Espiritismo; Os milagres segundo o Espiritismo; As predições segundo o Espiritismo -, desdobrando-os em dezoito capítulos.

Destacamos a importância do capítulo “Fundamentos da Revelação Espírita”, onde Kardec faz significativa colocação: "[…] o que caracteriza a revelação espírita é que a sua origem é divina, que a iniciativa pertence aos espíritos e que a elaboração é o fruto do trabalho do homem.”(2) Essa afirmação mostra a responsabilidade dos encarnados, notadamente nas condições de liderança, gestão nas instituições e as ações do movimento espírita. O Mundo Espiritual orienta, mas as decisões dependem de nossas escolhas. O Codificador discorre sobre a relação entre Espiritismo e Ciência e faz importante ponderação: “Caminhando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem que está errado em um determinado ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita.”(2)

Kardec, intelectual e inspirado, analisou o desenvolvimento do planeta e da civilização procedendo a uma analogia dos chamados dias bíblicos com os períodos geológicos e de maneira totalmente diferenciada das religiões tradicionais. E comenta a posição da Terra no amplo contexto do Cosmo.

O perispírito é abordado em vários capítulos do livro, ficando mais clara a explicação sobre a ocorrência dos fenômenos mediúnicos e dos chamados “milagres” e aparições de Jesus, descortinando-se o mundo espiritual: “As aparições de Jesus após a sua morte são narradas por todos os evangelistas com detalhes circunstanciados que não permitem que se duvide da realidade do fato. […] perfeitamente explicadas pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito…”(2)

Trata também da polêmica sobre o desaparecimento do corpo do Cristo, o que somente aparece na 1ª edição. O tema da transição planetária é apreciado nos capítulos “As predições segundo o Espiritismo” e “Os tempos são chegados”, e alerta: “Até o presente, a humanidade tem realizado progressos incontestáveis. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam sido alcançados, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Ainda lhes falta um imenso progresso a realizar: o de fazerem reinar entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o bem-estar moral.”(2)

Em comentários sobre a nova geração deve ficar claro que esta não estaria circunscrita ao ambiente espírita e faz a relação entre transição e nova geração. Estes temas deveriam ser estudados pelos espíritas até para se evitar interpretações superficiais e até estranhas com relação ao período em que vivemos.

A Revista Espírita, ao longo do ano de 1868, transcreveu vários trechos da nova obra com o objetivo de divulgá-la, traz mensagem de São Luís sobre o novo livro e noticia a 2a edição em março e a 3a edição em abril. Até a desencarnação de Kardec ocorreram quatro edições desta Obra Básica.(1,3)

A partir daí, surgem dúvidas sobre a fidedignidade das primeiras edições de A Gênese em francês, lançadas logo após a desencarnação do Codificador.

Em 2017 a Confederação Espírita Argentina (CEA) editou em espanhol a versão inicial de A Gênese, de janeiro de 1868, e, em reunião da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional, ocorrida em Bogotá (Colômbia), em outubro de 2017, deu conhecimento que apoiou a sra. Simoni Privato Goidanich, em pesquisa junto aos Arquivos Nacionais da França e na Biblioteca Nacional da França, localizadas em Paris, na própria CEA e na Associação Espírita Constancia, de Buenos Aires. A oportuna e detalhada pesquisa, o livro El legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich (lançado na sede da Confederação Espírita Argentina, aos 3/10/2017) mostrou que um único exemplar, publicado em 1868, foi depositado legalmente durante a existência física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Assim, para a autora, o Codificador não teria modificado o conteúdo de seu livro.(4,5,6) O livro de Simoni é um rico repositório da história do movimento espírita francês imediatamente após a desencarnação de Kardec.

Henri Sausse, o principal biógrafo de Kardec e dinâmico líder espírita francês, em artigos – um deles intitulado “Uma infâmia” – publicados no jornal Le Spiritisme, em 1884 e 1885, já levantava questões sobre as adulterações na 5a edição de A Gênese e apontou 126 alterações no texto original.(5)

Episódios históricos também ficam claros em livro Beaucoup de Lumière (1884), de Berthe Fropo, disponibilizado em edição digital bilíngue: a tradução em português e o original em francês. A autora foi espírita atuante; fiel a Kardec; amiga, vizinha e apoiadora de Amélie Boudet. Fropo comenta ações polêmicas e desvirtuamentos doutrinários nas mãos de Leymarie “por influência de ideologias outras, como o roustanguismo e — ainda mais fortemente — a mística doutrina da Teosofia de Madame Blavatsky e do Coronel Olcott.”(3) Nessas dúvidas antigas suspeita-se que as alterações de trechos de A Gênese teriam sido promovidas provavelmente por Pierre-Gaëtan Leymarie (1827-1901), como redator-chefe e diretor da "Revue Spirite" (1870 a 1901), gerente da "Librairie Spirite" (1870 a 1897) e presidente da “Sociedade para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”(3,7), cuidando das edições e autorizações de traduções de obras de Kardec(3), e, inclusive das traduções pioneiras das obras de Kardec, em nosso país, no caso para Joaquim Carlos Travassos (1839-1915), com informação publicada na Revista Espírita. Com exceção de A Gênese, utilizando o pseudônimo de "Fortúnio", Travassos traduziu quatro obras da Codificação para o português, em 1875 e 1876.7 Há interessante observação de Zêus Wantuil em biografia sobre Travassos, sobre uma nota do tradutor: “[…] sem nos referirmos ao bom estilo do tradutor, é o judicioso esclarecimento, de fundo rustenista, que vem na obra ‘O Céu e o Inferno’…”(7)

As traduções para o português, em geral, foram feitas a partir da 5a edição francesa do ano de 1872. A tradução de A Gênese, realizada por Evandro Noleto Bezerra para a FEB, utiliza a 5a edição francesa. O tradutor inclui uma nota de rodapé no item 67 do capítulo XV, anotando que há uma diferença com relação à edição de 1868, com Kardec ainda encarnado. Justifica que “ao revisar a obra com vistas à 4a edição, Allan Kardec houve por bem suprimir o item 67 que constava nas edições anteriores”.(8) A editora do Centro Espírita Léon Denis, do Rio Janeiro, lançou um a tradução da edição francesa de 1868.(2)

Companheiros do “Le Mouvement Spirite Francophone” confirmaram-nos, recentemente, que a primeira impressão da 5a edição ocorreu em 1872, revisada, e verificou-se que muitos trechos foram eliminados da quarta para a quinta, inclusive no capítulo sobre o corpo de Jesus.

Por ocasião dos 150 anos de A Gênese, seria oportuno que as editoras brasileiras fizessem um esforço para se esclarecer as dúvidas sobre a fidedignidade das edições francesas após a desencarnação de Kardec e, se for o caso, acrescentar-se nota(s) explicativa(s) nas edições traduzidas para o português.

Os temas de A Gênese são oportunos para a atualidade e a comemoração dos 150 anos de seu lançamento deve ser uma motivação para se implementar seu estudo e divulgação no movimento espírita.

Referências

1) Kardec, Allan. Trad. Bezerra, Evandro Noleto. Revista Espírita. Ano XI. No. 1. 1868. Rio de Janeiro: FEB.

2) Kardec, Allan. Trad. Sêco, Albertina Escudeiro. A gênese. 3.ed. Cap. I, itens 13, 16 e 55; Cap. XIV, item 22; Cap. XV, Itens 61, 67-68; Cap. XVIII, itens 6 e 26. Rio de Janeiro: Ed. CELD. 2010.

3) Fropo, Berthe. Trad. Lopes, Ery; Miguez, Rogério. Muita luz. 1.ed. Edição digital: www.luzespirita.org.br; acesso em novembro de 2017.

4) Carta do presidente da Confederación Espiritista Argentina, Sr. Gustavo N. Martínez, de 14/10/2017, distribuída em reunião do Conselho Espírita Internacional, em Bogotá (Colômbia).

5) Goidanich, Simoni Privato. El legado de Allan Kardec. 1.ed. Buenos Aires: Confederación Espiritista Argentina, 2017. 440p.

6) Lançamento na C.E.A.: https://www.youtube.com/watch?v=DiuFGdPct_8&utm_source=CEA+ALL&utm_campaign=22508faa7a-EMAIL_CAMPAIGN_2017_11_28&utm_medium=email&utm_term=0_e9cbd2ff74-22508faa7a-288076637; Acesso em novembro de 2017.

7) Wantuil, Zêus. Grandes espíritas do Brasil. 1.ed. Cap. Joaquim Carlos Travassos. Rio de Janeiro: FEB. 1969.

8) Kardec, Allan. Trad. Bezerra, Evandro Noleto. A gênese. 1.ed. Cap. XV. Item 67. Rio de Janeiro: FEB. 2010.

 

Artigo de Antonio Cesar Perri de Carvalho – Síntese de: http://www.oconsolador.com.br/ano11/548/especial.html;

(Ex-presidente da FEB e da USE-SP)

Publicado em: http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blogs/a-g-nese-150-anos-valor-da-obra-e-suas-primeiras-edi-es-francesas