TOMAR VERGONHA

Richard Simonetti

1 –    A Doutrina Espírita nos ajuda a identificar nossas falhas. Mesmo assim, não mudamos nossa forma de agir. Por que isso acontece?

                     Ocorre que essa postura é superficial, jogo de cena conosco mesmos. Falta aquele cair em si, de que trata Jesus, na Parábola do Filho Pródigo (Lucas, 15:11-24), em que o indivíduo reconhece a extensão de sua miséria moral, o quão distanciado está de Deus, e dispõe-se a caminhar ao Seu encontro. Minha avó traduzia isso dizendo que é preciso tomar vergonha.

2 –    Sabemos que a Vida vem sendo comprometida no planeta em face da poluição produzida pelo Homem, que não respeita a Natureza. Por que agimos assim?

                     Falta tomar vergonha em relação ao assunto, assumindo uma consciência ecológica que nos leve a vigiar nosso comportamento nos contatos com a Natureza, tanto quanto devemos vigiar nossas iniciativas no relacionamento com o próximo.

3 –   Considerando o clima de violência na atualidade, podemos dizer que muitos Espíritos estão fracassando em sua última oportunidade de renovação, despedindo-se da Terra, que já estaria deixando a condição de Mundo de Provas e Expiações e sendo promovida a Mundo de Regeneração?

                     Corremos sérios riscos se isso estiver acontecendo, porquanto, como ensinava Jesus no Sermão da Montanha (Mateus, 5:5), ficarão na Terra os que houverem conquistado a mansuetude. Para uma Humanidade sem vergonha, o vocábulo manso tem uma conotação pejorativa. Usá-lo ao nos dirigirmos a alguém soa ofensivo.

4 –    Como você definiria a expressão manso, sob o ponto de vista evangélico?

                     É alguém que venceu a agressividade, guardando as raízes de sua estabilidade emocional em si mesmo, não nos outros. Não reage aos estímulos externos. Age, conforme o ajuste interno efetuado à luz dos ensinamentos de Jesus, a partir do momento em que tomou vergonha.

5 –    A condição de Mundo de Regeneração, de que falam os Espíritos, estaria, então, distante?

                     Tão distante quanto nos encontramos da agressividade para a mansuetude. Creio que muita água vai rolar no rio do tempo até que tomemos vergonha, superando estágios primários de evolução que nos situam perto da taba.

6 –    Poderíamos dizer que a Misericórdia Divina exercita a paciência nesse sentido?

                     Deus não tem pressa.  Obviamente haverá o momento em que os recalcitrantes deixarão nosso planeta e serão confinados em mundos inferiores, onde a mestra Dor atuará com mais rigor. Chega o momento em que um pai, até por amor ao filho, será compelido a dar-lhe umas boas palmadas, a fim de que tome vergonha.

7  –   Qual a importância da religião em favor desse objetivo?

                     A religião é o estímulo para que cultivemos o aspecto sagrado da existência, buscando cumprir os compromissos que assumimos ao reencarnar. Ajuda-nos nessa empreitada, mas pouco valerá se não estivermos dispostos a tomar vergonha.

8 –    Considerando os esclarecimentos que nos oferece a respeito da vida espiritual, onde colheremos as consequências das ações humanas, podemos dizer que o Espiritismo nos ajuda a lidar melhor com os desafios da existência?

                     Sem dúvida! Quem sabe de onde veio, por que vive na Terra e para onde vai, certamente estará mais bem orientado nesse sentido. Não obstante, ainda aqui, a mudança de rumo, em favor do melhor, o tomar vergonha na cara é muito mais uma questão de acordar do que de aprender. Usando uma expressão popular, seria ligar o desconfiômetro, muito mais cumprir a sinalização da Vida, do que simplesmente conhecer seus regulamentos.