Revista A Senda – Federação Espírita do Estado do Espírito Santo

 

Entrevistado: Antonio Cesar Perri de Carvalho

 

União –  Ação social – Ética

 

  1. Sabemos que ao longo dos últimos 53 anos você participou intensamente de vários momentos do Movimento Espírita Nacional e Internacional, com diversas ações na busca do ideal da Unificação. Nesse sentido, quais as reflexões necessárias, no momento atual, para a consolidação da Unificação do Movimento?

Perri:

Em função de várias experiências vivenciadas ao longo desse longo período de tempo e em todos os níveis de abrangência, consideramos que as Obras Básicas de Allan Kardec devem ser a base para os acordos de união e logicamente referencial para as práticas. Entendemos que a consolidação da unificação do movimento espírita deve passar por análises e avaliações fundamentadas em Allan Kardec: nos seus cinco livros principais, em Viagem Espírita em 1862, em Revista Espírita e em Obras Póstumas, que registram inúmeras orientações e relatos de diálogos e visitas que devem servir de principal referencial para os assuntos relacionados com união e relacionamento entre pessoas e instituições. Além do Codificador e muito coerente com suas recomendações há mensagens históricas sobre união e unificação psicografadas por Chico Xavier, como a pioneira, do espírito Emmanuel: "Em nome do evangelho" (1948); e o texto marcante de Bezerra de Menezes: "Unificação" (1963).* Entendemos que estas referências merecem profundas reflexões para balisarem estudos sobre a união espírita. Nessas, dispomos de orientações muito claras fundamentadas no ideal da união fraternal e que não se restringem apenas a acordos formais.

  1. Estamos, ainda, muito longe da conquista deste ideal?

Perri:

Inegavelmente houve muito progresso desde a proposta inicial conhecida como Bases de Organização Espírita (1904), dos tempos do presidente da FEB Leopoldo Cirne.* União e unificação devem ser entendidas como um processo e não obra acabada. Realmente devem dar a ideia de movimentação, de ação, imbricadas das bases espíritas e, claro, da moral cristã. Portanto, como nenhum ser ou instituição são perfeitos, é sempre cabível a avaliação e o aperfeiçoamento do processo. As pessoas, normas e instituições refletem o estado geral das condições éticas e morais do mundo de nossos dias. E os espíritos nos afiançam que nosso planeta está ainda distante do predomínio de valores voltados ao bem e à paz.

  1. O Movimento Espírita organizado tem propiciado atrativos para que o jovem se sinta pertencente ao trabalho na Casa Espírita?

Perri:

Essa questão nos preocupa intensamente. Quem conviveu com o trabalho e o dinamismo dos jovens espíritas de meados do século XX e conhece os dados estatísticos sobre religião em nosso país, dos Censos do IBGE dos anos 2.000 e 2.010, percebe que, comparativamente com outras religiões, o segmento jovem não evoluiu significativamente no movimento espírita.* Portanto, cremos que há muito a ser feito para se realizar diagnóstico real e desapaixonado da situação, buscando encaminhamentos que favoreçam a integração do jovem nos centros e no movimento espírita.

  1. No livro Perturbações Espirituais, Manoel Philomeno de Miranda, pela psicografia de Divaldo Franco, alerta os dirigentes espíritas sobre as tenebrosas organizações do Mal. Que antídotos os dirigentes devem adotar para se contraporem a essas investidas organizadas às Instituições Espíritas?

Perri:

Para se contrapor a essas investidas organizadas, é primordial a adoção da profilaxia do orgulho e do egoísmo, tão repetidos em O livro dos espíritos e em O evangelho segundo o espiritismo: “O egoísmo, esta chaga da humanidade, deve […] em si próprio, pois esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho, é a fonte de todas as misérias terrenas.” (ESE, Cap. XI, item 11). Tudo o mais é decorrente dessas duas reações.

  1. O Codificador estabeleceu, em artigo publicado na edição de setembro de 1858 da Revista Espírita, quatro períodos de Propagação do Espiritismo; sendo o quarto período denominado de influência sobre a ordem social. No seu entendimento, quais seriam, hoje, as ações práticas que estão sendo desenvolvidas pelos espíritas, no sentido de que esta influência dos ensinamentos espíritas se faça sobre a ordem social?

Perri:

Ao longo do século XX, a dedicação dos espíritas, consolidou milhares instituições de assistência social em nosso país. Os espíritas passaram a ser respeitados pelo “bem que fazem”. Todavia, embora esteja incluído o item “Participação Social”, nos “Plano de Trabalho para o Movimento Espírita Brasileiro”, períodos 2007/2012 e 2013/2017, aprovados pelo CFN da FEB – e, aliás, este último se extingue neste ano -, entendemos que há muito a ser realizado no sentido de se registrar uma posição espírita mais evidente em várias vertentes da ordem social.

  1. Em seu artigo Ética e Moral na Atualidade, publicado na edição de mai/jun de 2017 de A Senda, você coloca, num dos parágrafos, quando aborda os aspectos ético-morais no momento de crise pelo qual passamos, o seguinte: “A seara espírita também é ambiente para o cultivo de valores ético-morais. E numa análise mais profunda pode-se verificar que a concepção e a prática da religião podem conduzir a equívocos. Num país de dimensões continentais as diferenças são evidentes. Torna-se imperioso o respeito à diversidade, pois não seriam convenientes as orientações, programas de estudos e de trabalhos padronizados.” Gostaria que explorasse um pouco mais essas considerações.

Perri:

No geral, por mais esforço que se faça, sempre há uma certa influência do meio e, para nós espíritas, também há o entendimento de influências de vivências de outros tempos e de outras reencarnações. O movimento espírita não está isento dessas influências. Nosso planeta não tem a característica da encarnação de seres perfeitos. Por isso, há posturas que podem lembrar movimentos e ações institucionais religiosas de outros tempos. Afinal, em O evangelho segundo o espiritismo (Cap. XVII, item 4) há a anotação de que “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços em dominar suas más inclinações”.

A outra questão é que sendo espíritos encarnados, não somos iguais, temos experiências diversas e nos encontramos em estágios diferentes. Daí a razão de se evitar tratamentos às pessoas exigindo-se delas que sejam “à nossa imagem e semelhança” a começar de dentro do nosso ambiente familiar. Como respondeu Chico Xavier em entrevista em 1977: “[…] deveríamos refletir em unificação, em termos de família humana…”* Por isso entendemos que não cabem as padronizações ou adoção de cópias autênticas de projetos de trabalho e de estudo para todas instituições. As propostas de trabalho e de estudos devem ser sugestivas, abrindo-se espaço para as flexibilizações e adequações, à cada realidade e cada público alvo. O Espiritismo aqui está para restabelecer e trabalhar o projeto da Boa Nova, que deve criar um novo relacionamento pessoal e institucional!

(* – Citações extraídas de Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. São Paulo: USE. 2016. 196p.)

- A Senda – Órgão da FEEES – Ano 95 – N. 187 – Set.-Out. 2017 – p. 15-16.