Quem sabe?

Quem sabe?

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Pela passagem da data de desencarnação de Bittencourt Sampaio (10 de outubro) e homenageando-o com palestra que proferimos na semana sobre vultos espíritas no Grupo Espírita Casa do Caminho, de São Paulo, lembramos de conhecida canção, uma “modinha” muito repetida no início do Século XX e lembrada por muitos: “Quem sabe?”

Nas estrofes iniciais, e repetidas, diz a letra: “Tão longe de mim distante,/ Onde irá teu pensamento./ Quisera saber agora…”

O fato histórico é que essa letra é de autoria de Bittencourt Sampaio, destacado pioneiro do movimento espírita brasileiro. Ele a escreveu quando estudava Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (atualmente da USP), em São Paulo. Também de sua autoria a letra do Hino desta Faculdade da USP. Ambas foram musicadas pelo seu amigo de juventude, Carlos Gomes.

A passagem do conhecido letrista por São Paulo gerou uma homenagem a ele: a rua Bittencourt Sampaio, esquina com rua Santa Cruz, bairro de Vila Mariana.

O pioneiro espírita Francisco Leite de Bittencourt Sampaio (1834-1895), nascido em Sergipe, atuou no Rio de Janeiro como jurista, político, jornalista, literato e espírita vinculado a grupos que originaram a FEB.

Bittencourt atuava de maneira simples e dedicada nos ambientes espíritas da cidade do Rio de Janeiro, inclusive como receitista de homeopatia no "Grupo Confúcio", entidade que integrava a diretoria desde 1873. Participou também da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, da qual foi um dos fundadores em 1885, depois desdobrada como "Grupo do Saião", destinado ao estudo e prática dos Evangelhos, e "Grupo Ismael", e esta veio a integrar à Federação Espírita Brasileira (fundada em 2/1/1884). Como médium recebeu belas e instrutivas mensagens de Espíritos Superiores. Fato histórico foi a publicação de seu livro A Divina Epopéia de João Evangelista em 1882. Reproduz o Evangelho de João, em versos decassílabos, em versos heróicos. Considera “O Evangelista apóstolo do amor foi o maior poeta da antiguidade depois de Job, de Salomão e David”. Esta obra pioneira somente veio a ser editada pela FEB no ano de 1938. Admiramos o autor, embora não concordemos com algumas de suas interpretações doutrinárias.

Ocorrências posteriores foram relatadas por Bezerra Menezes, como médico, na sua obra A loucura sob novo prisma, sobre reuniões de tratamento espiritual com participação de figuras notáveis como o médium Frederico Pereira da Silva Júnior, Pedro Richard, Antônio Luís Saião, Francisco Leite Bittencourt Sampaio, e outros companheiros.

Interessante episódio histórico relaciona mais uma vez Bittencourt e Bezerra. A FEB estava em crise e, em julho de 1895, Bezerra de Menezes, que já havia sido presidente por um ano, foi procurado por membros da diretoria da Federação. Bezerra estava cansado, doente, abatido pela dissensão entre os irmãos espíritas, e não aceitou o convite, mas pediu um tempo para pensar. No dia seguinte, compareceu ao Grupo Ismael, onde dirigia os trabalhos. Abriu a reunião, mas parecia aflito e preocupado. Depois da prece de abertura, feita por Bittencourt Sampaio, e após o recebimento de mensagens psicografadas, Bezerra usou da palavra no momento da explanação dos temas evangélicos, e se referiu às desavenças no Movimento Espírita e sobre o convite que havia recebido. Confessou-se fraco, mas acabou sendo convencido do compromisso. Bittencourt desencarnou três meses após este episódio, no dia 10 de outubro de 1895.

O livros de Francisco Cândido Xavier fazem referências a Bittencourt Sampaio em Crônicas de Além Túmulo, Voltei, e Instruções psicofônicas.

Trechos da letra de “Quem sabe?”, embora na época escrita com outra motivação, nos sugerem a reflexões sobre as expectativas e inseguranças que permeiam os tormentosos tempos atuais. Ou seja, quem sabe como e para onde vamos?

Aí destacamos de texto de autoria do espírito Bittencourt Sampaio, concluindo uma mensagem inserta em Instruções psicofônicas:

“[…] Não ignorais que a civilização de hoje é um grande barco sob a tempestade… Mas, enquanto mastros tombam oscilantes e estalam vigas mestras, aos gritos de equipagem desarvorada, ante a metralha que incendeia a noite moral do mundo, Cristo está no leme! Servindo, pois, infatigavelmente, repitamos, confortados e felizes: Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo amanhã!…"

Fontes:

- Aragão, Silvan (Org.). Bittencourt Sampaio. Nebulosa radiante. Aracaju: FEES. 2016.

- Associação Médico Espírita do Brasil. Adolfo Bezerra de Menezes. Biografia. Acesso: http://www.amebrasil.org.br/html/perfil_bezerra.htm (julho de 2016).

- Carvalho, Antonio Cesar Perri. Bittencourt Sampaio e a Epopéia do Evangelho. Reformador. No 2.219, fevereiro de 2014, p.78-81.

- Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Cap.II. Rio de Janeiro: FEB. 1946.

- Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Instruções psicofônicas. Cap.64. Brasília: FEB.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB.