Pequenas notas sobre Kardec, Emmanuel e a transição planetária

Pequenas notas sobre Kardec, Emmanuel e a transição planetária 

André Ricardo de Souza (*)

Entre os livros elaborados por Allan Kardec a partir de reflexões dele e respostas dos espíritos consultados, a chamada transição planetária – conjunto de grandes mudanças neste nosso orbe – é abordada sobremaneira em A gênese.

Já entre as obras de Emmanuel, o mentor espiritual do principal médium da história do espiritismo: Francisco Cândido Xavier, esse tema tem destaque em A caminho da luz.

Neste modesto artigo, é enfocado em ambos os livros o atual período de grande mudança (transição) pelo qual o globo passa. Muito se fala no meio espírita sobre a passagem entre os mundos: 1) primitivo; 2) de provas e expiações: 3) de regeneração. No primeiro, correspondente à “infância da humanidade”, observa-se a ausência ainda de uma referência moral coletiva.

Do ponto de vista histórico e sociológico corresponde ao período politeísta em que a fidelidade a diversos deuses legitimava frequentes conflitos de morte entre vários indivíduos e grupos, sendo o assassinato e sua vingança do mesmo modo socialmente aceitos por todos os povos. A consolidação do monoteísmo judaico com Moisés e o decorrente imperativo divino de não matar – chamado no meio espírita de Primeira Revelação – inaugura um novo tempo histórico, a saída da tal “infância”. Com a vinda dos ensinamentos de Jesus – a Segunda Revelação -passamos da adolescência à condição adulta da humanidade, quando a responsabilização pelos equívocos é, naturalmente, maior.

Pois bem, no último capítulo do livro A gênese, intitulado “Os tempos são chegados”, Kardec afirma no item 5: “Essa fase que se elabora neste momento é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude”. Reproduzindo mensagem do espírito Doutor Barry – o codificador espírita, faz revelar que tal período de transição começara quase um século antes da publicação daquela obra, mas, definitivamente, não mostra quando cessará. Em contrapartida, diz claramente como ele se dará, conforme os trechos que seguem:

“7. – Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora, não pode se cumprir sem comoção; há luta inevitável entre as ideias. Desse conflito nascerão forçosamente perturbações temporárias, até que o terreno seja diluído e o equilíbrio restabelecido. Será, pois, dessa luta de ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não cataclismos, ou catástrofes puramente materiais (…) 14. – A Humanidade tornou-se adulta, tem novas necessidades, aspirações maiores, mais elevadas (…) É a um desses períodos de transformação, ou querendo-se, crescimento moral, que a Humanidade chegou. 20- (…) A geração que desaparece levará consigo os seus preconceitos e os seus erros; a geração que se levanta, banhada numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sadias, imprimirá ao mundo o movimento ascensional no sentido do progresso moral, que deve marcar a nova fase da Humanidade (…) 27. – (…) Tendo chegado esse tempo, uma grande emigração se cumprirá entre aqueles que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal, e que o sentimento do bem não toca, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos (…) 28. – A época atual é de transição (grifo meu); os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada da outra (…) 33. – (…) É de se notar-se que, em todas as épocas da história, as grandes crises foram seguidas de uma era de progresso. 34- É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve trazer o remanejamento da Humanidade.”

No livro A caminho da luz, Emmanuel faz um resumo sinteticamente comentado de toda a trajetória da Terra, desde sua formação geológica até a terceira década do século XX. Fazendo menção à Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, ele anuncia,no penúltimo capítulo,o acontecimento em breve do segundo grande conflito militar internacional que acabou por ocorrer na década seguinte. Na sequência, o mentor de Chico Xavier afirma:

“Então a Terra, como aquele mundo longínquo de Capela (sistema planetário de onde aqui vieram espíritos exilados quando estávamos ainda na fase primitiva, observação minha) ver-se-á livre das entidades endurecidas no mal”.

Daí se pode depreender que no pensamento de Emmanuel a transição ao mundo de regeneração terminaria após a Segunda Guerra Mundial, o que não se verificou de fato. Porém uma interpretação, a meu ver, mais sólida é a de que teria iniciado, a partir daquele grande conflito, o período em que espíritos muito endurecidos não mais têm permissão para reencarnar na Terra – condizentemente, portanto, com o postulado de Kardec – e que ainda está em curso. Em outras palavras, o término daquele terrível acontecimento no meio do século XX não é apontado por Emmanuel como o início da nova grande fase do nosso planeta, mas sim o início de um período que faz parte do processo de transição, marcado pela interdição reencarnatória de espíritos que tiverem aqui sua última oportunidade.

Além de anunciar a Segunda Guerra Mundial, Emmanuel também fez outra previsão certa quanto ao deslocamento do poder político-econômico e militar e também do papel civilizatório no mundo:

“(…) a superioridade europeia desaparecerá para sempre, como o Império Romano, entregando à América (entenda-se às Américas, observação minha) o fruto das suas experiências, com vistas à civilização do porvir”.

Intitulado “O espiritismo e as grandes transições”, o penúltimo capítulo de A caminho da luz, tal como o último de A gênese, não aponta quando a transição planetária terminará, porém faz uma expressiva revelação, mencionando uma “nova reunião da comunidade das potências angélicas do sistema solar, da qual Jesus é um dos membros divinos”. Lembrando-se que a reunião anterior desse tipo aconteceu antes da vinda do mestre divino. Sem haver documento escrito a respeito, parte dos espíritas acredita que essa reunião já ocorreu, mas seja como for, ela está ligada, de algum modo, ao término do período transitório para o mundo de regeneração, caracterizado pela maturidade humana, que, bem entendido, ainda não significará o fim de todos os males planetários.

(*) Professor da UFSCar, colaborador de Centro Espírita em Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo.