Pedro e Paulo

Pedro e Paulo

André Ricardo de Souza (1)

Simão Pedro, como bem sabemos, foi o líder dos apóstolos – assim designado pelo Nosso Senhor Jesus Cristo – tendo ele se redimido da negação do mestre divino após a crucificação e conduzido a primeira comunidade cristã, retratada no livro bíblico Atos dos Apóstolos e na obra do espírito Emmanuel Paulo e Estêvão, psicografada por Francisco Cândido Xavier.

Nesse livro, tal comunidade é chamada de Casa do Caminho. Paulo Tarso, notoriamente, foi o convertido de Damasco, conforme as duas obras acima, que, de perseguidor se fez propagador do cristianismo, formando várias comunidades cristãs entre os povos pagãos, mediante suas viagens missionárias e a elaboração das epístolas bíblicas, sob orientação espiritual de Estêvão, de modo a tornar-se conhecido como o apóstolo dos gentios.

Neste pequeno escrito, queria relacionar esses pilares do cristianismo com dois homens contemporâneos, a meu ver, bastante especiais, cuja amizade tive a felicidade de desfrutar e que merecem reconhecimento.

O primeiro é Pedro Santini (1933-2018), que nasceu em uma família com doze irmãos na cidade paulista de Cafelândia. Foi agricultor, depois mecânico de automóveis e metalúrgico em São Paulo, onde participou muito ativamente, como liderança de fato e também dirigente, de dois centros espíritas na Zona Norte da cidade. Estes são: o Núcleo Espírita Segue a Jesus (NESJ) existente desde 1939 no bairro da Casa Verde, onde ele ingressou em 1965; e o Núcleo de Estudos Espíritas Apóstolo Mateus (NEEAM), fundado em 1953 na Vila Nova Cachoeirinha, que, junto com sua esposa Duzolina, ele conseguiu fazer retomar as atividades em 1989. O casal deu contribuições relevantes também em dois centros espíritas de diferentes municípios, igualmente paulistas: Juquitiba e Iguape.

O outro é Paul Singer (1932-2018), que com oito anos de idade veio de Viena, Áustria, ao Brasil com sua mãe costureira em fuga do nazismo por serem judeus. Tornou-se metalúrgico, depois professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) e gestor de políticas públicas importantes na prefeitura paulistana (1989-1992) e no governo federal (2003-2016). Foi idealizador e dedicado a um conjunto de práticas fraternas de produção, consumo e crédito chamado de economia solidária, experiência que se encontra em alguns outros países também e tem registro no cristianismo nascente conforme Paulo e Estevão, que é a principal obra trazida a público por Chico Xavier, conforme dito por ele próprio (2).

Tal como o pescador de Cafarnaum, “seo” Pedro era também, caridosamente, muito acolhedor, alguém em quem boa parte das pessoas do NEEAM reconhecíamos uma espécie de “paizinho”. Vale dizer que efetivamente deste modo era chamado Simão Pedro pelos “filhos do Calvário” na Casa do Caminho. Certa vez, enquanto eu e minha mulher Margareth estávamos com ele e sua esposa na casa de ambos, em Ilha Comprida, “seo” Pedro e eu fomos pescar num riozinho e rimos bastante por não apanhar um só peixe e também nos lembramos dos irmãos pescadores: Simão Pedro e André.

Semelhantemente ao convertido de Damasco, o professor Singer ou Paulo Singer, como muitos o chamávamos,foi um operário que se tornou intelectual. Se aquele – que dominava as culturas: judaica, grega e romana – deixou de ser rabino para voltar a trabalhar como tecelão, este deixou de ser metalúrgico para se tornar um grande docente e pesquisador, porém sem perder a simplicidade operária. Tal como o jovem Timóteo foi para Paulo de Tarso, eu também, felizmente, pude ser para o professor quanto à economia solidária, tema sobre o qual organizamos um livro e atuamos juntos. Enfermo, pude visitá-lo várias vezes, até duas semanas antes do seu falecimento.

“Seo” Pedro e Paul Singer só estiveram juntos, no mesmo ambiente e com suas respectivas esposas, quando me casei com Margareth, mas nós não tivemos oportunidade de apresentar um ao outro.

Com um ano de diferença, ambos nasceram no mês de março: “seo” Pedro no dia 24 e Paul Singer em 28, tendo eu, felizmente, podido falar por telefone com aquele e presencialmente com este nessas datas em 2018, quando desencarnaram. Tenho dito e já escrevi que Singer, que se dizia ateu, foi muito generoso e a pessoa mais espiritualizada conhecida por mim nesta existência. Pouco depois da desencarnação de “seo” Pedro, conversei outra vez com sua esposa dizendo que ele foi a pessoa mais amorosa que conheci.

Aquele, com semelhanças a Simão Pedro e este a Paulo de Tarso, são para mim, realmente, grandes referências e amigos espirituais.

Notas:

1) Professor de sociologia da UFSCar, colaborador do paulistano Núcleo Espírita Coração de Jesus (NECJ), com origem e formação no Núcleo de Estudos Espíritas Apóstolo Mateus (NEEAM).

2) Página eletrônica do GEECX: http://grupochicoxavier.com.br/a-economia-solidaria-no-livro-paulo-e-estevao/