O porquê do estudo de A gênese

O porquê do estudo de A gênese

Opiniões e manifestações espirituais devem ser analisadas com base nos critérios da lógica, do bom senso e, inclusive, dados concretos disponíveis.

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Os 150 anos da publicação de A gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo estão sendo assinalados por momentos de polêmica a respeito de suas edições francesas iniciais.

A gênese foi lançada por Allan Kardec em janeiro de 1868, sendo por ele reeditada mais duas vezes nos mesmo ano e tendo a 4ª. edição lançada em fevereiro de 1869. Portanto, até a desencarnação do Codificador este havia lançado quatro edições da citada obra. Atendendo à exigências do governo francês submeteu a primeira edição ao Ministério do Interior, que após a liberação, foi depositada na Biblioteca atualmente conhecida como Biblioteca Nacional da França. Para as duas outras edições de 1868 e a edição de fevereiro de 1869, Allan Kardec apenas informou que teriam o mesmo conteúdo da edição original.

Em dezembro de 1872, a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, lançou a 5ª. edição, que precisou passar pelos trâmites oficiais de registro, pois se tratava de uma “edição revisada, corrigida e aumentada”. Livros e revistas em francês das últimas décadas do século XIX já traziam matérias sobre as polêmicas e contradições relacionadas com a citada Sociedade Anônima, as deturpações ocorridas em A gênese e a alteração da linha editorial nas edições da Revista Espírita após a desencarnação de Kardec. É sabido que essa Sociedade Anônima concedeu ainda no século XIX a várias instituições – inclusive do Brasil – a autorização para a tradução da 5ª. edição francesa. Porém, estas concessões caducaram quando as obras de Allan Kardec caíram no domínio público. Pela legislação francesa da época, seriam 50 anos após a morte do autor.

Desde fatos ocorridos no 2º. semestre de 2017, como o alerta e posição firme e clara da Confederação Espírita Argentina, com informações, publicação da obra El legado de Allan Kardec e da nova tradução para o espanhol da 1ª. edição francesa de A gênese, ocorrem repercussões em nosso país.

No início de março de 2018, a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo realizou o seminário “A gênese. O resgate histórico” com atuação de Simoni Privato Goidanich, oportunidade em que lançou a tradução para o português de sua obra O legado de Allan Kardec.1 Há quase dez anos já existia uma tradução para o português da 4ª. edição francesa (de 1868) de A gênese, editada pelo Centro Espírita Léon Denis (CELD), do Rio de Janeiro. Em maio de 2018 a Fundação Espírita André Luiz (FEAL), de São Paulo, lançou a tradução para o português da 1ª. edição francesa de A gênese. Alguns países já lançaram traduções de A gênese com a mesma base.

Algumas pessoas e instituições prosseguem na defesa das traduções da 5ª. edição francesa da citada obra e circulam textos variados. Aliás, todas Editoras do Brasil comercializam a citada versão; as únicas exceções são as Editoras do CELD e da FEAL.

A União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo divulgou Manifesto de sua Diretoria Executiva, recomendando “a adoção da 4ª edição francesa (cujo conteúdo é idêntico às três edições anteriores) e suas respectivas traduções do livro A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo como a obra de referência doutrinária, cuja autoria pode ser atribuída, sem qualquer dúvida, a Allan Kardec”.2

Todavia, permanecem dúvidas e questionamentos para muitas pessoas e instituições, apesar dos fatos e divulgação de documentos franceses pesquisados e reproduzidos por Simoni Privato Goidanich em seu livro O legado de Allan Kardec e apresentados em vários seminários.

Evidentemente que muitos não acessaram o livro citado e podem estar agindo motivados por muitas outras razões. Alguns ficam na expectativa de manifestações dos espíritos ou de posições dessa ou daquela instituição. É natural que a dúvida ou a remoção da posição de conforto incomode, mas essa é a razão para nos debruçarmos no texto de A gênese e analisarmos as posições e recomendações do sensato e racional Codificador.

A Doutrina Espírita recomenda que as opiniões e as manifestações espirituais devem ser analisadas com base nos critérios da lógica, do bom senso e, inclusive, dados concretos disponíveis, o que abrange documentos históricos e oficiais; e da concordância com o ensino dos Espíritos. O Codificador destaca na Apresentação e no primeiro capítulo de A gênese, intitulado “Fundamentos da Revelação Espírita”: “[…] pedimos uma atenção rigorosa para esse ponto, porque é aí que se encontra, de algum modo, o nó da questão. Não obstante a parte que toca à atividade humana na elaboração dessa Doutrina, a sua iniciativa pertence aos espíritos, ela, porém, não é formada da opinião pessoal de cada um deles; ela não é, e nem pode ser, mais que o resultado do seu ensino coletivo e concordante. Somente nessa condição, ela pode se dizer a Doutrina dos Espíritos, de outra forma seria apenas a doutrina de um espírito, e só teria o valor de uma opinião pessoal.”3,4

Ainda no capítulo inicial de A gênese o Codificador reitera: “O caráter essencial de qualquer revelação tem que ser a verdade. Revelar um segredo é tornar conhecido um fato; se é falso, já não é um fato e, consequentemente, não existe revelação. Toda revelação desmentida por fatos, não é revelação; se ela for atribuída a Deus, não podendo Deus mentir, nem se enganar, ela não pode emanar dele, é preciso considerá-la como o resultado de uma concepção humana.”3,4 E Allan Kardec reforça o papel do Espiritismo como “ciência de observação”. Pois bem, nesta condição os fatos e documentos não podem ser desprezados!

Em seu Manifesto, a USE-SP recomenda: “Promover encontros, seminários e outros meios de interação com os dirigentes e colaboradores de instituições espíritas em geral objetivando o esclarecimento sobre os fatos históricos e documentos que justificam a adoção da 4ª edição francesa e suas respectivas traduções desta obra como referência.”2

A nosso ver, o sesquicentenário de A gênese deve ser bem aproveitado pela comunidade espírita para realmente ler, estudar e refletir seu conteúdo. E para os grupos que puderem, compararem os textos da obra publicada por Allan Kardec, enquanto encarnado – da 1ª a 4ª edições -, com a 5ª. edição de 1872.

Valorizemos as Obras Básicas de Allan Kardec, efetivamente estudando-as!

Bibliografia:

1) Goidanich, Simoni Privato. O legado de Allan Kardec. 1.ed. São Paulo: USE. 2018. 446p.

2) NOTA OFICIAL – Edições do livro A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. São Paulo, 05/06/2018; http://grupochicoxavier.com.br/use-recomenda-sobre-a-genese/

3) Kardec, Allan. Trad. Sêco, Albertina Escudeiro. A gênese. 3.ed. Apresentação; Cap. 1. Rio de Janeiro: Ed. CELD. 2010.

4) Kardec, Allan. Trad. Imbassahy, Carlos de Brito. A gênese. 1.ed. Apresentação; Cap. 1. São Paulo: FEAL. 2018.

(*) O autor foi presidente da FEB e da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI. Transcrito de: Revista Internacional de Espiritismo. Ano 93. N.7. Agosto de 2018. P. 368-9.