O menino livre de Miritiba. Humberto de Campos

O menino livre de Miritiba. Humberto de Campos

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Excelente oportunidade para se conhecer o escritor Humberto de Campos, com base em seus livros como encarnado e como espírito pela psicografia de Chico Xavier, e ainda com lances sobre sua vida desde a infância.

No livro O menino livre de Miritiba. Humberto de Campos, publicado pelo IDE (de Araras, SP) o autor Cláudio Bueno da Silva focaliza momentos da vida de Humberto de Campos considerado um dos grandes escritores brasileiros.

Nascido em Miritiba (Maranhão), órfão de pai, passou momentos difíceis naquela cidade, em Parnaíba (Piauí) e depois na adolescência em São Luís. Sempre contou com o apoio de sua genitora Dona Anita. Dessa época surge a ideia do título da obra de Cláudio. Estabelecendo-se na então capital Rio de Janeiro, encaminhou-se para a área do jornalismo, notabilizando-se como um dos escritores mais lidos em sua época.

O autor procurou “identificar os antecedentes da transformação ocorrida com Humberto de Campos, que o fizeram sair da zona inquietante da dúvida, quando encarnado, para o terreno da certeza, que pisou assim que perdeu, para a morte, o corpo cansado e doente.” O livro se divide em três partes: O menino livre de Miritiba, novela criada com base no livro Memórias, de Humberto de Campos; Impressões de leitura, viagem espírita sobre 25 livros de Humberto de Campos acadêmico; e, A trajetória da dúvida à certeza, que são reflexões sobre vida, a morte e o pensamento de Humberto de Campos.

Vem à tona o estilo e as motivações do escritor com temas de fundo moral e espiritual. O interessante é que Humberto de Campos atendia inúmeras pessoas que o consultavam por cartas e em visitas. Muitas das questões colocadas por estas pessoas ela as respondia em artigos publicados na imprensa carioca. Assim, o jornalista, escritor, deputado federal e membro da Academia Brasileira de Letras era um personagem muito conhecido no país e principalmente na capital federal.

Em um momento sua atividade jornalística redigindo histórias humorísticas adotando o pseudônimo de Conselheiro XX, tornou-se muito popular.

Humberto de Campos era amigo pessoal – e de fazer visitas constantes -, do romancista Coelho Neto, também membro da Academia Brasileira de Letras. Soube que seu amigo quando se encontrava abatido era tratado, enquanto dormia, pela esposa e por uma doméstica que o “defumava com ervas prestigiosas”. Coelho Neto veio a se convencer do Espiritismo após um fato inusitado em que teve a certeza da sobrevivência espiritual de sua filha.

O escritor também registra que em visita que fez ao seu Estado natal, como deputado, nos idos de 1928, que o diretor da Estrada de Ferro comentou com ele “achar-se grandemente disseminada em Coroatá a paixão do Espiritismo”.

Em realidade o escritor sempre focalizou a questão da morte: “Eu sou, ordinariamente, um homem que tem medo da morte” e o dilema “a certeza de que os outros aqui ficam e o morto não sabe para onde vai”. Num crônica sobre Finados, anotou: “Parece que a Morte, neste momento, se acha confundida com a Vida”. De outra feita, registrou o medo de “ter a sua memória enterrada com seu corpo”, e, ainda “espiando a morte, conhecer o engano da vida”.

Com frequência, o escritor fazia referência a textos bíblicos e casos relacionados com a Judeia. Em outros momentos: “Homens ricos e poderosos que vos banqueteais sobre miséria de Lázaro, escutai, se tendes ouvidos, a palavra dos profetas”. Escreve crônicas em forma de parábolas, sempre com fundo moral e instrutivo. Enaltece a caridade.

Mas insistia na dúvida: “Em matéria de religião, de ciência e de filosofia, eu nada afirmo e nada nego. Nem, mesmo, duvido. Sou um náufrago solitário e tranquilo, num rochedo do oceano. Espero”.

Já escrevia sobre a “a capacidade de renúncia do coração brasileiro” e reforça a força do sentimento: “o cérebro perdeu o mundo no século XIX; o coração salvá-lo-á no século XX”. Tem o vaticínio sobre o Brasil: “caber-lhe-á, forçosamente, um grande e formoso papel na redenção do mundo que se prepara nos misteriosos laboratórios do século”.

Cláudio Bueno da Silva não considera Humberto de Campos um materialista clássico: “se dizia cético, é curiosa a sua insistência em tratar dos assuntos transcendentais, místicos, religiosos, cuidando da vida e da morte. […] usava a ironia para disfarçar certo interesse recôndito. […] O ceticismo em Humberto de Campos talvez não tivesse raízes tão profundas”.

O autor destaca que as crônicas do livro Sombras que sofrem, publicado no ano da desencarnação de Humberto de Campos, em 1934, mostram este último “preocupado em ajudar o próximo com as melhores ‘armas’ de que dispunha e que manejava muito bem: as palavras e as ideias”.

O escritor humano autodidata, muito culto, sofrido e interessado no próximo, passa a escrever pela psicografia de Chico Xavier e poucos meses após sua desencarnação. Foi um grande impacto para a população, pois se tratava de um autor muito conhecido e respeitado no Brasil. O fato motivou um rumoroso processo judicial, movido por familiares de Humberto de Campos. O episódio, com a absolvição do médium e da Editora, gerou muitas notas na imprensa da época, contribuindo para a difusão do Espiritismo. E o autor espiritual passou a adotar o pseudônimo de Irmão X, adaptado do antigo pseudônimo Conselheiro XX.

O autor espiritual Humberto de Campos mantém muitas nuances do estilo e dos focos das obras do autor enquanto encarnado. Este fato Cláudio Bueno da Silva chama atenção no seu livro.

Corroboramos o destaque que Cláudio fez aos livros psicografados por Chico Xavier. Destacamos que o autor espiritual escreveu obras pelo médium Chico Xavier, doze publicadas pela FEB (entre 1937 e 1969): Crônicas de além-túmulo; Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho; Novas mensagens; Boa nova; Reportagens de além túmulo; Lázaro redivivo; Luz acima; Pontos e contos; Contos e apólogos; Contos desta e doutra vida; Cartas e crônicas; Estante da vida; pela Editora CEU: Relatos da vida (1988), e, pela Editora Boa Nova: Histórias e anotações (2010).

Resenha do livro: Silva, Cláudio Bueno. O menino livre de Miritiba. Humberto de Campos. 1.ed. Araras: IDE. 2018. 319p.

(*) Ex-presidente da FEB e da USE-SP.