Imitação do evangelho segundo o espiritismo – a versão inicial

Imitação do evangelho segundo o espiritismo - a versão inicial

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Allan Kardec já contava com duas grandes obras editadas, a edição mensal da Revista espírita e mantinha contatos, inclusive visitas a espíritas de várias partes. Claramente havia necessidade de uma obra que analisasse os fatos da vida e os ensinos de Jesus.

Em contato com nosso amigo francês Charles Kempf, conseguimos contribuições dele com informações sobre familiares de Kardec e sobre a elaboração da 1a edição do Evangelho. Essas matérias foram publicadas na revista Reformador, em abril e julho de 2014, traduzidas, respectivamente, por Ivonne Molinaro Ghiggino e Evandro Noleto Bezerra.1

Com o novo livro praticamente delineado, Kardec foi estimulado para realizar um autêntico “retiro” na cidade litorânea de Sainte-Adresse, na Normandia, perto do Havre.1

Até mensagem espiritual sobre a nova obra ele já havia recebido, contendo orientação de encorajamento. A pitoresca Sainte-Adresse ficou imortalizada pouco tempo depois com as telas do pintor impressionista Claude Monet. Em agosto de 1863 Kardec estabeleceu-se numa “cabana de praia” alugada e trabalhou “em isolamento”, “livre de qualquer outra preocupação” e assistido por notáveis Espíritos, fez a revisão completa do texto, modificando-o consideravelmente.1 A dedicada esposa Amélie Boudet acompanhou-o nos momentos iniciais e retornou a Paris para cuidar da rotina da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Mantiveram assídua correspondência durante os cerca de 50 dias em que ele permaneceu em Sainte-Adresse. Kardec contou com o apoio de senhoras espíritas locais, como a sra. Foulon que, desencarnou no ano seguinte e tem mensagem incluída em O céu e o inferno.1

O “retiro” de Kardec foi importante para a revisão detalhada da nova obra. Por aí podemos notar a sensibilidade e os cuidados que seriam necessários para a análise dos ensinos de Jesus à luz do Espiritismo. Kardec também registra que houve um refazimento de sua saúde.

Em 15 de abril de 1864 a Livraria Dentu, localizada no Palais Royal, lança Imitação do evangelho segundo o espiritismo.

Kardec registra o fato como primeira matéria – Bibliografia – da Revista espírita daquele mês informando que a obra já estava à venda. Faz uma síntese do objetivo da mesma, como o trecho: “Esta obra é para uso de todos. Cada um pode aí colher os meios de conformar sua conduta à moral do Cristo”.2 Na edição da Revista espírita, de agosto de 1864, na matéria “Suplemento ao capítulo das preces da Imitação do evangelho”, Kardec comenta: “Vários assinantes testemunharam o seu pesar por não haverem encontrado, em nossa Imitação do evangelho segundo o espiritismo, uma prece especial, para uso habitual, para a manhã e à noite”. Depois de várias considerações anota: “O mais perfeito modelo de concisão, no caso da prece, é, sem contradita, a Oração dominical, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade”.2 O autor pensava e preparava a ampliação da obra. Em dezembro de 1864, a Revista espírita estampa mensagem do Espírito da Verdade que destaca o novo livro: “[…] é uma luz mais brilhante que vem clarear a vossa marcha…” 2

Na realidade ocorreram duas tiragens do Imitação, em 1864 e 1865.3 Consta que o título original foi reduzido a partir da 2ª edição (tiragem ou reimpressão), atendendo a conselhos de amigos, colaboradores e do Sr. Didier, da Livraria Acadêmica, de Paris. Aliás, várias matérias da Revista espírita do ano de 1865, já fazem citações da obra de Kardec, com o título O evangelho segundo o espiritismo. E a Revista espírita em novembro de 1865, na seção “Notícias bibliográficas” informa que se encontra “no prelo, para aparecer em poucos dias” a 3ª edição de O evangelho segundo o espiritismo – “revista, corrigida e modificada”: “Esta edição foi objeto de um remanejamento completo da obra. Além de algumas adições, as principais alterações consistem numa classificação mais metódica, mais clara e mais cômoda das matérias, o que torna sua leitura e as buscas mais fáceis”.4

Todavia, essa edição considerada definitiva somente veio a lume em 1866, firmando o novo título.

Durante nossa presidência na FEB, nos preparativos bem antecipados para as comemorações do Sesquicentenário de O evangelho segundo o espiritismo, ficamos muito motivados desde algumas providências preparatórias. No marcante 4º Congresso Espírita Brasileiro, com quatro marcantes eventos simultâneos e em regiões diferentes do país, com o tema central “150 anos de esclarecimento e consolação”, em abril de 2014, foi comemorado o Sesquicentenário dessa obra marcante de Kardec. Na oportunidade foi lançada a edição histórica e bilíngue da 1a versão da obra de Kardec que completava 150 anos: Imitação do evangelho segundo o espiritismo. Algum tempo antes havíamos sugerido ao tradutor Evandro Noleto Bezerra para efetivar esse grande projeto: disponibilizar em uma publicação o texto original digitalizado da obra de Kardec, e, sua tradução, aliás, a 1a edição no idioma português.5,6

A edição histórica dessa obra de Kardec, efetivada em 2014, foi a primeira em nosso país que reuniu o texto digitalizado do original de 1864 e a tradução para o idioma português.5 Até então já existia volume com a reprodução do original em francês, mas sem a tradução. O ex-presidente da FEB Francisco Thiesen providenciou a edição com reprodução fotomecânica do original francês da 1a edição dessa obra; incluiu um Prefácio de sua autoria e uma Introdução elaborada por Hermínio Correa Miranda3; no mesmo ano – 1979 – também promoveu a reprodução fotomecânica da versão definitiva do Evangelho, do ano de 1866.

Na Introdução acima citada, Hermínio C. Miranda esclarece sobre a reorganização de capítulos da edição definitiva, de 1866: “[…] os capítulos conservam a mesma disposição geral e a mesma sequência até o de número 22 […] o de número 23 da primeira edição foi quase todo transposto para o de número 27. O texto acerca da prece pelos doentes e obsidiados foi transposto para o item V do capítulo 28, o último que conservou o título que tivera sob número 24. O capítulo 25 da primeira edição, cujo título era o de ‘Diversas máximas’, foi desdobrado em quatro: 23 – Estranha moral; 24 – Não ponhais a candeia debaixo do alqueire; 25 – Buscai e achareis; 26 – Dai gratuitamente o que gratuitamente recebestes”. Comenta a reorganização do capítulo 28, desenvolvendo amplamente a Oração Dominical e também que “a numeração dos itens, que era seguida, de 1 a 420, foi refeita por capítulo, com ampla utilização de subtítulos”.3 Sabe-se que além dessas modificações citadas que Kardec fez nos capítulos, há outras, menores, em diversas partes da obra.

Na edição histórica de Imitação do evangelho segundo o espiritismo, de 2014, o tradutor Evandro Noleto Bezerra reproduz e comenta as observações acima transcritas. A reprodução digitalizada e respectiva tradução da versão pioneira – Imitação do evangelho segundo o espiritismo – deve ser subsídio para os interessados em pesquisas e estudos detalhados das obras de Kardec.

Evidentemente que para estudos nas instituições espíritas e divulgação em geral, devem merecer nossa atenção as traduções da chamada edição definitiva, de 1866.

O destaque que dispensamos a essa obra básica do Codificador está fundamentado no fato que embora seja o livro espírita mais comercializado, ele é muito pouco estudado. Via de regra, é empregado para leituras de páginas aleatórias para abertura de reuniões e em algumas citações esporádicas em palestras.

A nosso ver, o estudo metódico de cada capítulo de O evangelho segundo o espiritismo é indispensável para um efetivo entendimento do ensino moral de Jesus à luz do Espiritismo. Importante a compreensão da essência dos versículos do Novo Testamento transcritos por Kardec, seguidos da sua análise e das instruções espirituais.6

Inegavelmente, é uma obra de grande valor para contribuir com respostas e apoios ao homem carente de consolo, esclarecimentos e orientações espirituais e morais no complexo contexto de nosso mundo.

Referências:

1) Kempf, Charles. Como Allan Kardec preparou O evangelho segundo o espiritismo. Reformador. Ano 132. N.2224. Julho de 2014. P. 399-402.

2) Kardec, Allan. Trad. Abreu Filho, Júlio. Revista espírita. 1864. São Paulo: EDICEL. 402p.

3) Kardec, Allan. Imitation de l’évangile selon le spiritisme. Reprodução fotomecânica. Rio de Janeiro: FEB. 1979. 442p.

4) Kardec, Allan. Trad. Abreu Filho, Júlio. Revista espírita. 1865. São Paulo: EDICEL. 382p.

5) Kardec, Allan. Trad. Bezerra, Evandro Noleto. Imitação do evangelho segundo o espiritismo. Ed. Histórica Bilíngue. Brasília: FEB. 2014. 885p.

6) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Caps. 3.5, 3.6, 5.7. Araçatuba: Cocriação. 2021.

(O autor foi presidente interino e efetivo da FEB entre 2012 e 2015).

DE:

Boletim de Notícias Espíritas, 15 de abril de 2022: https://www.noticiasespiritas.com.br/2022/ABRIL/15-04-2022.htm