Ideal de união e divulgação com Kardec
75 anos depois do Congresso Brasileiro de Unificação
Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)
Por iniciativa da então recém fundada USE-SP, com apoio dos Estados do Sul, foi realizado em São Paulo de 31 de outubro a 05 de novembro de 1948, o 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, tendo foco na unificação nos Estados e em nível nacional, e problemas doutrinários.
Houve comparecimento expressivo: além da USE, várias instituições paulistas; Federações Espíritas do Rio Grande do Sul, do Paraná, Catarinense; União Espírita Mineira; Liga Espírita do Brasil; Conselho Consultivo das Mocidades Espíritas do Brasil; Lar de Jesus de Nova Iguaçú (RJ); Centro Espírita de Cuiabá, e representantes com procurações de instituições de Sergipe, Bahia, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.1,2
O encontro foi participativo, aprovando entre outras propostas: “que o espírito dominante em todos os trabalhos é o da unificação direcional do Espiritismo; que o Congresso lance aos espíritas do Brasil um manifesto sucinto e objetivo, divulgando os itens nele aprovados; promover entendimentos com as entidades máximas e federativas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ao sentido de consertar a forma de unificação direcional do Espiritismo; os entendimentos deverão ser feitos em torno da organização federativa de âmbito nacional; a entidade existente adaptada ao item anterior conserve sua autonomia social e patrimonial; o poder legislativo nacional será exercido por um Conselho Confederativo, sediado na Capital da República, e composto de um representante de cada Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, eleitos pelas uniões ou federações dessas circunscrições, com mandato de cinco anos e presidido pelo presidente da entidade referida.”1,2
Entre os marcos históricos desse Congresso, há a primeira psicografia de Chico Xavier sobre união, assinada por Emmanuel: “Em nome do Evangelho” (Pedro Leopoldo, 14/09/1948). Chico Xavier encaminhou aos organizadores com a justificativa de que ele, como convidado, não poderia comparecer.1,2,3
Eis uns trechos:
“O mundo conturbado pede, efetivamente, ação transformadora. […] unamo-nos no mesmo roteiro de amor, trabalho, auxílio, educação, solidariedade, valor e sacrifício que caracterizou a atitude do Cristo em comunhão com os homens, servindo e esperando o futuro, em seu exemplo de abnegação, para que todos sejamos um…” 1,2,3
Espíritas de diferentes regiões consideravam inconveniente o divisionismo e propugnavam a concórdia, o respeito e a união fraterna.
Esse Congresso propôs a criação de uma Confederação, ou de um Conselho Superior do Espiritismo que, levada à consideração do presidente da FEB Wantuil de Freitas, foi recusada.
No ano seguinte a USE-SP apoiou o 2o Congresso da Confederação Espírita Panamericana, realizado pela Liga Espírita do Brasil no Rio de Janeiro. Durante esse evento, com a atuação de lideranças do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surgiu o encontro com a direção da FEB. Nessa inesperada reunião o presidente da FEB Wantuil de Freitas apresentou uma proposta que foi aprovada pelos presentes aos 05/10/1949, “ad referendum” das Sociedades que representavam. A reunião depois foi intitulada Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro e “Pacto Áureo” e gerou a criação do Conselho Federativo Nacional da FEB e a “Caravana da Fraternidade”.2,3
Foi um desdobramento parcial do Congresso de 1948 e, no contexto das dificuldades para a união, um documento possível para o momento, de inquestionável valor histórico, com repercussões, mas gerou também reações e decepções na época.2,3
Eis o depoimento de Carlos Jordão da Silva, participante desse Congresso Brasileiro e também ex-presidente da USE-SP:
“Tivemos aqui em São Paulo, em 1948, o Primeiro Congresso Brasileiro do Unificação, com a presença de delegações do todos os Estados Sulinos e alguns do Norte, não tendo a Federação Espírita Brasileira na ocasião aceito participar. Estabeleceu-se que a Federação Espírita do Rio Grande do Sul, através de sua delegação mantivesse os entendimentos com a FEB para que se efetivasse a Unificação das Sociedades Espíritas e Espíritas no campo nacional. […] Após as reuniões do Congresso Panamericano e recolhidos lodos os participantes das delegações em seus respectivos hotéis, cerca de uma hora da manhã, resolvemos sair para tomar um pouco de ar e dirigimo-nos para determinada praça próxima ao nosso hotel e para a nossa surpresa todas as delegações foram chegando ao mesmo local, como que convocadas por forças invisíveis. Achamos graça por ter o Plano Espiritual nos reunido daquela forma e aquela hora da madrugada e ali mesmo marcamos uma reunido para as 8 horas da manhã, no Hotel Serrador, onde estávamos hospedados, eu e minha Senhora, e, realizada tal reunido, incumbiu-se Artur Lins de Vasconcellos Lopes a tarefa de aproximar-se da FEB para promover o encontro.”3,4
Em função desse momento relatado por Carlos Jordão da Silva, repentinamente, e num único dia foi assinado o “Pacto Áureo”, aceito pelos presentes à reunião no Rio de Janeiro, mas que não atendia aos anseios do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita e de muitas lideranças espíritas do Brasil.3,4
Em uma análise acadêmica da primeira metade do Século XX, em tese de doutorado, Pedro Paulo Amorim efetivou “minuciosa pesquisa em fontes institucionais na busca da tentativa de construção da identidade espírita: Reformador, Mundo Espírita, O Clarim, Revista Internacional de Espiritismo, Revista Espírita do Brasil e o Almenara. […] pudemos destacar a atuação de quatro entre os principais intelectuais espíritas: Carlos Imbassahy, Leopoldo Machado, Deolindo Amorim e Herculano Pires”; enfatiza o “Pacto Áureo” e conclui que houve um “projeto homogeneizante da FEB em busca da pretendida hegemonia no interior do Campo Espírita Brasileiro”.5
Nesses 75 anos subsequentes ocorreram transformações no contexto do país, novas Constituições Federais, e o movimento espírita viveu grande desenvolvimento, amadurecimento e diversificação de atuação.
Em análise sobre o “Pacto Áureo”, comentamos no livro União dos espíritas. Para onde vamos? sobre a inadequação de seus itens: “Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do ‘Pacto Áureo’ está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática ‘ao pé da letra’ o que está definido em seus artigos. O ‘Pacto Áureo’ é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”3
Em nossa ótica, muitos aspectos de gestão e participação já poderiam ter sido revistos no sentido de aperfeiçoar o funcionamento do CFN da FEB, e, de nossa parte, empreendemos alguns esforços como secretário geral do CFN, durante a gestão do presidente Nestor Masotti, e depois como presidente da FEB, com propostas, dinamização e revisão regimental.3,6
Em 2018, a USE-SP promoveu uma comemoração dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação.2,6
Referências:
1) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. Versão digital: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/anais_1_congresso.pdf
2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Palestra das Comemorações dos 70 anos do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, São Paulo 20 e 21/10/2018. Acesso: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/palestra_70_anos.pdf
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Capivari: EME. 2018.
4) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE – 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997. 335p.
5) Amorim, Pedro Paulo. As tensões no campo espírita brasileiro em tempos de afirmação (primeira metade do Século XX). Tese (Doutorado em História Cultural). Universidade Federal de Santa Catarina. 2017.
6) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.
(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.