Herculano Pires interpreta Kardec e Emmanuel

Herculano Pires interpreta Kardec e Emmanuel

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O intelectual José Herculano Pires (1914-1979) marcou época no movimento espírita. Era filósofo pela USP; articulista do Diário de São Paulo com o pseudônimo de Irmão Saulo. Em São Paulo, fundou com a esposa Virgínia fundou o Grupo Espírita Cairbar Schutel.

Vigoroso estudioso e propagador das obras do Codificador, palestrante, debatedor sobre Parapsicologia em programas de TV e um dos entrevistadores de Chico Xavier no programa “Pinga Fogo” na antiga TV Tupi de São Paulo. Autor de dezenas de livros, atualmente publicados pela Editoria Paidéia: Lázaro, Madalena, O espírito e o tempo, O reino, O ser e a serenidade, Revisão do cristianismo, Agonia das religiões, Parapsicologia – hoje e amanhã, Na hora do testemunho, Ciência espírita e suas implicações terapêuticas e outros; publicação póstuma recente: O evangelho de Jesus em espírito e verdade. Editados pelo GEEM, há obras em parceria com Chico Xavier, com comentários sobre psicografias do médium: Chico Xavier pede licença, Diálogos dos vivos, Na era do espírito e Astronautas do além.

Para o autor, "O espiritismo se confirma, ao contrário do que dizem os seus adversários, nas próprias palavras e nos próprios ensinos dos evangelhos". Sobre algumas posturas no movimento espírita, pondera: "O que nos deve interessar não é nosso opinião nisso ou naquilo, mas sim a firmeza com que pudermos seguir os princípios da doutrina espírita. E esses princípios estão firmados, como nós sabemos na codificação de Allan Kardec. E estes princípios, por sua vez, têm a sua base mais profunda, as suas raízes mais penetrantes nos próprios evangelhos de Jesus."1,2

Na obra O ser e a serenidade, oriunda da conclusão do curso de filosofia na USP, Herculano analisa as filosofias da existência, traz o Existencialismo às suas perspectivas espirituais e trabalha a problemática ontológica-existencial e abre uma frente de batalha, a do Existencialismo Interexistencial. Considera que “a manifestação da consciência por meio de um arcabouço fenomênico, o corpo, só configura um dos momentos existenciais da consciência, pois ela existe antes, durante e depois do corpo”. Propõe o termo interexistencial, por representar de forma mais efetiva a realidade do ser.3

Na obra marcante O espírito e o tempo analisa a fase pré-histórica e histórica da criação, aborda o tríplice aspecto da Doutrina Espírita e a prática mediúnica. Considera que o Espiritismo é uma doutrina do futuro: “À maneira do Cristianismo, abre caminho no mundo, enfrentando a incompreensão de adeptos e não-adeptos”. Alerta que muitos “não compreenderão a aparente contradição existente no fato de ser o Espiritismo, ao mesmo tempo, uma doutrina moderna e um processo histórico provindo das eras mais remotas da humanidade. Existe ainda o problema religioso e, particularmente, o das ligações do Espiritismo com o Cristianismo.[…] Nesse livro comenta: “O horizonte tribal caracteriza-se pelo mediunismo primitivo. Adotamos a palavra ‘mediunismo’, criada por Emmanuel para designar a mediunidade em sua expressão natural, pois é evidente que ela corresponde com precisão ao nosso objetivo. Mediunismo são as práticas empíricas da mediunidade. […] Quando tratamos da libertação das forças vitais do Cristianismo, através do Espiritismo, não estamos inventando nenhuma novidade. Nem foi por outro motivo que Emmanuel classificou o Espiritismo de Renascença Cristã”.4

Herculano destaca: “Somente no Espiritismo, — no sentido que Kardec deu ao termo, por ele criado e posto em circulação — encontramos essa unidade tríplice do saber, em que ciência, filosofia e religião, embora mantendo cada qual a sua autonomia, se fundem num todo dinâmico, em que livremente se processa a simbiose, necessária à produção da síntese. […] Nenhuma explicação nos parece mais feliz, mais precisa e mais didática, do que a formulada pelo espírito de Emmanuel, no livro O consolador, recebido mediunicamente por Francisco Cândido Xavier. Interpelado a respeito do aspecto tríplice da doutrina, o espírito respondeu nestes termos: ‘Podemos tomar o Espiritismo, simbolizado desse modo, como um triângulo de forças espirituais. A ciência e a filosofia vinculam à terra essa figura simbólica, porém, a religião é o ângulo divino, que a liga ao céu. No seu aspecto científico e filosófico, a doutrina será sempre um campo de investigações humanas, como outros movimentos coletivos, de natureza intelectual, que visam ao aperfeiçoamento da humanidade. No aspecto religioso, todavia, repousa a sua grandeza divina, por constituir a restauração do Evangelho de Jesus Cristo, estabelecendo a renovação definitiva do homem, para a grandeza do seu imenso futuro espiritual’."4

Herculano enfatiza que “Espiritismo é Kardec porque foi ele o estruturador da Doutrina, permanentemente assistido pelo Espírito da Verdade.” A propósito das obras subsidiárias, opina: “[…] autores respeitáveis dão sua contribuição para a nossa maior compreensão de Kardec. Não podem substituí-lo.”4

Em obras em parceria com Chico Xavier editadas pelo GEEM, acima citadas, trabalha o sentido da mensagem mediúnica.5

Temas sobre o Evangelho aparecem em várias obras, e, na edição póstuma O evangelho de Jesus em espírito e verdade, originado de degravações de cem programas radiofônicos sobre o Evangelho – "No Limiar do Amanhã" (Rádio Mulher, São Paulo, anos 1970). Herculano trabalha a essência da mensagem de Jesus com simplicidade, pois eram programas destinados ao público em geral.1,2

A obra Na hora do testemunho registra um fato histórico na literatura espírita, quando Herculano Pires em parceria com Chico Xavier, focalizam o episódio da adulteração de O Evangelho segundo o Espiritismo e documentam suas posições de defesa da obra de Kardec e contrários às tentativas de adulteração.6

Herculano realça a base do cristianismo e destaca o papel atual do Espiritismo: “[…] desenvolvimento natural do Cristianismo, sequência inevitável do processo histórico, enfrentando o problema da salvação em termos de evolução, e procurando explicar as alegorias do passado à luz da compreensão racional.”2,4

Bibliografia:

1) Pires, José Herculano. Org. Arribas, Célia. O evangelho de Jesus em espírito e verdade. 1.ed. São Paulo: Paidéia. 2016.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais. Análise histórica e visão espírita. 1.ed. Matão: O Clarim, 2018.

3) Pires, José Herculano. O ser e a serenidade. Ensaio de ontologia interexistencial. 4.ed. São Paulo; Paidéia.

4) Pires, José Herculano. O espírito e o tempo. 1.ed. São Paulo: Ed. Pensamento. 1964.

5) Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano; Espíritos diversos. Diálogo dos vivos. 1.ed. São Bernardo do Campo: GEEM. 1974.

6) Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano. Na hora do testemunho. 1.ed. São Paulo: Paidéia. 1974.

(*) Síntese de artigo do autor publicado em: Revista internacional de espiritismo. Ano XCV. N.11. Dezembro de 2020. P.561-563.