GOLPES DUPLOS

Ostensivamente, não teremos prejudicado a qualquer pessoa.

Do ponto de vista do acatamento à segurança geral carregamos a alma tranquila.

Quantos de nós, porém, estaremos livres de remorso pelos danos indiretos que tenhamos causado?

Não subtraímos dinheiro à bolsa do próximo; entretanto, se caímos inadvertidamente em pessimismo, comunicando desânimo aos companheiros, afastamo-los de oportunidades preciosas, no terreno de vantagens corretas, com as quais talvez minorassem muitas das grandes necessidades que nos rodeiam.

Não preterimos o direito de nossos irmãos nas atividades profissionais a que se afeiçoam, mas se nos prendemos com apego indébito e enfermiço a algum ou a alguns deles, desencorajando-lhes qualquer impulso à renovação, acabamos por impedir-lhes o acesso a encargos superiores, nos quais teriam efetuado maior prestação de serviço em apoio da Humanidade.

Não roubamos a alegria dos semelhantes; todavia, se entramos em desespero, sempre injustificável, instilamos desalento e amargura naqueles que mais amamos, aniquilando-lhes a coragem.

Não traímos a ordem, mas toda vez que desertamos, sem claro motivo, do dever que nos cabe, estragamos a confiança naqueles que nos procuram ação ou cooperação, frustrando, de algum modo, a harmonia de que carecem na sustentação da própria tranquilidade.

Ninguém é trazido a viver, sentir, imaginar e raciocinar para ocultar-se.

Cada um de nós permanece no lugar exato, a fim de realizar o melhor que pode.

Efetivamente, somos responsáveis pelo mal que praticamos e pelo bem que deixamos de fazer, sempre que dispomos de recursos para fazê-lo. E ao lado as culpas que trazemos por ofensas declaradas ou por omissões em serviço, temos ainda as que nascem dos golpes duplos que desferimos, sobre os quais raramente meditamos: — aqueles do mal que causamos aos outros, depois de causá-lo a nós.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Estude e Viva. Cap. 18. FEB)