DELITO E REENCARNAÇÃO

Cornélio Pires

Por ódio trocado,

Antônia matou Lina do Lagarto…

Hoje, elas são mãe e filha

Doentes no mesmo quarto.

 

Joaquim arrasou Simão

Para tomar-lhe Ana Vera,

Mas Simão tornou a ele,

É o filho que o não tolera.

 

Por Téo, Nana largou Juca

Que se matou pela ingrata,

E Juca voltou a ela,

É o filho que a desacata.

 

Manoel seduziu Percília,

Deixando-a em tombos loucos…

Ela morreu e voltou:

É a filha que o mata aos poucos.

 

Por Zina, matou-se João…

Um carro fê-lo aos pedaços…

 Hoje ele é o filho doente

Que Zina beija nos braços.

 

Tesouro maior da vida

É a mente tranquila e sã.

Erro que a gente faz hoje

A vida acerta amanhã.

 

DELITO E REENCARNAÇÃO

Irmão Saulo (*)

Cornélio Pires foi o poeta caipira que marcou uma época da vida paulista, assinalou a fase de transição da cultura caipira para a cultura cosmopolita que surgiria com a transformação da cidade provinciana em metrópole moderna. Deixou vasta e curiosa obra de inegável interesse folclórico e literário. Todos os anos a cidade de Tietê, sua terra, promove oficialmente a Semana Cornélio Pires. Na praça central da cidade há um busto do poeta e Tietê mantém carinhosamente o Museu Cornélio Pires.

Tendo falecido em São Paulo a 17 de janeiro de 1958, Cornélio teve o seu corpo transportado para Tietê, onde se deu o enterro. Pouco tempo depois passou a transmitir sonetos e trovas através de Chico Xavier. A Federação Espírita Brasileira lançou o livro “O Espírito de Cornélio Pires”, reunindo essa produção inicial. Mas o poeta continua a transmitir os seus versos pelo telégrafo mediúnico, na mesma linha espírita que já havia adotado nos seus últimos anos de vida terrena, quando publicou “Coisas do Outro Mundo” e “Onde está, ó Morte, a tua vitória?”.

A trova é o haicai (**) da língua portuguesa, uma forma de síntese poética de que Cornélio sempre se serviu com habilidade. Mas, nas trovas deste capítulo, o tema é a reencarnação. Note-se que o poeta não joga com argumentos, mas com fatos. Expõe a tese focalizando pequenos episódios da vida diária, no permanente intercâmbio da morte com a vida. Uma forma didática de mostrar as consequências de nossos atos e de nosso comportamento, não no após morte, mas na volta à vida.

Quem conheceu Cornélio Pires e conhece sua obra não tem a menor dificuldade em identificá-lo nesses versos. O poeta caipira, simples, objetivo, direto, reflete-se nessas quadras psicografas como se elas viessem das suas próprias mãos. Atente-se para a maleabilidade extrema do médium, que com a mesma presteza recebe um alexandrino grandiloquente de Cyro Costa, como se viu no “Pinga Fogo” do Canal 4; um poema erudito de Augusto dos Anjos ou uma quadra caipira de Cornélio Pires. Chico Xavier, segundo sua resposta a Scatimburgo na televisão, não escreve “à maneira de”, mas deixa que os espíritos escrevam por suas mãos “à maneira deles”.

 

(Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano; Autores Diversos. Chico Xavier Pede Licença. Cap. 6. São Bernardo do Campo: GEEM. 1972).

 

(*) Irmão Saulo é pseudônimo de José Herculano Pires.

(**) O Haicai é uma forma poética de origem japonesa.