Concílios: significados e a visão espírita

Concílios: significados e a visão espírita

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Concílios são assembleias de autoridades eclesiásticas com o objetivo de discutir e deliberar sobre questões pastorais, de doutrina, fé e costumes. Os concílios nacionais e regionais envolvem o episcopado da área abrangida e os concílios ecumênicos são convocados pelo Papa e têm representação internacional; apenas 21 foram efetivados com estas características.1

Referido em Atos dos Apóstolos (15, 1-23) e por Paulo na Epístola aos Gálatas (2, 1-10), o concílio de Jerusalém é considerado o primeiro de todos os tempos. Os apóstolos se reuniram para tratar sobre a polêmica entre os judaizantes (judeus convertidos) e os gentios (não-judeus convertidos): ao se converterem ao cristianismo, os gentios teriam que adotar práticas da Lei Mosaica como a circuncisão? Foi convocado por Pedro e Tiago; Paulo teve importante posição não judaizante. Após a reunião, Pedro ficou em Jerusalém; Paulo, Barnabé, Judas (Barsabás) e Silas seguiram para Antioquia.1

Nos primeiros séculos ocorreram vários Concílios regionais, até para tratar das chamadas heresias, com punições a lideranças pioneiras como: Orígenes, Ário e Eusébio de Cesareia.2,3

O primeiro Concílio Ecumênico (ou universal) ocorreu em Niceia (atual Iznik, Turquia), convocado e acompanhado pelo imperador Constantino e presidido pelo bispo Ósio de Córdoba. Constantino foi instado pelos bispos para promover tal evento, objetivando-se a pacificação geral e a organização da Igreja, que já se tornara uma instituição de apoio ao Império Romano. A sessão de abertura no dia 20 de maio de 325, no palácio imperial de Niceia, foi presidida por Constantino. Este tinha o direito de intervir na assembleia e exerceu papel destacado até sua conclusão no dia 25 de julho, seguindo-se as celebrações pelos 25 anos de seu reinado. Foram rejeitadas as propostas de Ário sobre a natureza de Jesus, contrárias à “doutrina da Trindade” e julgaram encerradas as crises que perturbavam a paz eclesial. Surgiu a estrutura do governo eclesiástico, institucionalizando-se a Igreja Católica Apostólica Romana. Constantino conferiu validade de leis do Estado às decisões do Concílio. Compareceram 318 pessoas: bispos, diáconos e acólitos (auxiliar do diácono).1,2,3

Eusébio de Cesareia foi reabilitado, mantendo-se equidistante dos contendores Ário e Atanásio, mas após o Concílio voltou a apoiar Ário.1,2,3

O Cristianismo se expandiu nos Séculos III e IV, destacando-se em Alexandria, Antioquia e Roma, e depois Jerusalém e Constantinopla.3

Surge a tese do primado jurisdicional da Igreja de Roma. Alguns apontam Jerônimo (347-420) pela ideia, mas outros contestam pois este colocava o bispo de Roma em patamar de honra e autoridade na Igreja, sem estar acima dos demais.1

A propósito são oportunas as considerações de Emmanuel: “A igreja de Roma, que antes da criação oficial do Papado considerava-se a eleita de Jesus, ao arvorar-se em detentora das ordenações de Pedro, não perdia ensejos de firmar a sua injustificável primazia junto às suas congêneres de Antioquia, de Alexandria e dos demais grandes centros da época. Herdando os costumes romanos e suas disposições multisseculares, procurou um acordo com as doutrinas consideradas pagãs, pela posteridade, modificando as tradições puramente cristãs, adaptando textos, improvisando novidades injustificáveis e organizando, finalmente, o Catolicismo sobre os escombros da doutrina deturpada. […] Os primeiros dogmas Católicos saem, com força de lei, desse parlamento eclesiástico de 325. […] A união com o Estado era motivo para grandes espetáculos de riqueza e vaidade orgulhosa, em contraposição com os ensinos d'Aquele que não possuía uma pedra para repousar a cabeça dolorida.”4

Iniciam-se os concílios com “a inspiração de Deus para as conclusões de intermináveis debates. Não obstante, era evidente a presença de mandatários da política mundana forçando a vitória dos seus pontos de vista, das decisões de interesse dos mandatários políticos. […] o Reino de Deus, anunciado por Jesus, desaparecia do horizonte terreno”.5

O imperador Teodósio no 1º Concílio de Constantinopla (381 d.C.) fortaleceu a proposta que o bispo de Constantinopla teria primazia de honra após o bispo de Roma. No 2º Concílio de Constantinopla (553 d.C.), o imperador Justiniano e sua esposa Teodora decidiram proibir a crença na reencarnação pois a ideia de inferno eterno seria mais forte para se forçar as conversões.

Num salto temporal focalizamos o Grande Cisma do Ocidente ou Cisma Papal, a profunda crise da Igreja Católica (1378 a 1417). Preliminarmente, entre 1309 e 1377, o papado foi mudado para Avignon (França), sendo o Papa Clemente V levado forçadamente pelo rei francês Felipe IV. Seguiram-se pressões para que o papado retornasse a Roma e surgiram três pontífices simultâneos: Bento XIII (Avignon), Gregório XII (Roma) e o anti papa João XXII ou XXIII para alguns (Pisa).1 No auge da instabilidade religiosa e política da Igreja foi convocado o Concílio de Constança (1414-1418) com apoio de reinos e impérios, para solucionar a crise do papado. Em 1417 foram destituídos os três papas e foi eleito Martinho V, findando o Grande Cisma do Ocidente e retornando a sede do pontificado para Roma.1 Esta foi “a maior e mais relevante assembleia da baixa Idade Média”1. Ali foi condenado e sacrificado Jan Huss (1415), precursor do movimento reformista.

Com mais crises e como reação ao crescente movimento da Reforma, surge o Concílio de Trento (1545-1563), o mais prolongado da história da Igreja Católica, ao longo de cinco papados, e o que emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas: criou o Index Librorum Prohibitorum; reorganizou a Inquisição; melhorou grau de eficiência dos papas: igreja romana e clerical; orientou os fervores populares; iniciou os tempos modernos com o catecismo e os pastores; na visão da Igreja, produziu resultados benéficos, duradouros e profundos sobre a fé e a disciplina.1

Com outro salto, chegamos ao Concílio Vaticano I (1869-1870), liderado por Pio IX, extremamente conservador e que combateu a Maçonaria, Espiritismo e muitos movimentos políticos. As posições defensivas não foram superadas porque o Papa se fixava nos “adversários de Deus” e que “tudo querem subverter”, gerando cisões, e alguns saíram antes de terminar. Superou o eurocentrismo e é considerado um evento de passagem entre os Concílios de Trento e o Vaticano II.1 Em 1870 Pio IX edita o decreto da infalibilidade papal, que assinalou a decadência e a ausência de autoridade do Vaticano, face a evolução científica, filosófica e religiosa da Humanidade.

O último Concílio, Vaticano II (1962-1965), convocado por João XXIII e concluído por Paulo VI, definiu novos rumos, com ênfase pastoral, sem imposição de normas rígidas e sanções disciplinares; reavivou o retorno às fontes primeiras do Cristianismo; surgiu a expressão e ação conhecida como “ecumenismo”.1

Para concluirmos essa síntese sobre alguns concílios cabem algumas reflexões espíritas. Deve-se evitar paixões e reprimendas, distanciando-se coma a compreensão da atualidade, do julgamento de episódios passados. Como espíritos reencarnados, é importante lembrarmos a origem humana das deturpações do cristianismo.2 Sobre isto considera Schutel: “[…] de conformidade com a parábola que lembra os maus obreiros que a devastam, nota-se que da semente lançada pelo Senhor, nenhuma se perdeu, e, a despeito do mau, trata dos servidores de que resultou o quase aniquilamento das vinhas…”6

Como reflexão para o movimento espírita, além das considerações de Emmanuel já transcritas, recorremos ao Codificador: "O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas“.7

Referências:

1) Alberigo, Giuseppe (Org.). Trad. Almeida, José Maria. História dos concílios ecumênicos. São Paulo: Paulus.

2) Eusébio de Cesareia. Trad. Monjas do Mosteiro de Maria de Cristo. História eclesiástica. Coleção Patrística vol. 15. São Paulo: Paulus.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais. Análise histórica e visão espírita. Matão: O Clarim.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Brasília: FEB.

5) Pires, José Herculano. Revisão do cristianismo. Cap.9. São Paulo: Paideia.

6) Schutel, Cairbar. O espírito do cristianismo. Cap. Prefácio. Matão: O Clarim.

7) Kardec, Allan. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868.

Nota da Redação: Antipapa é aquele que reclama o título de Papa e é elevado ao papado por trâmites não canônicos, em oposição a um Papa legitimamente eleito, ou durante algum período em que o título esteja vago.

(*) Ex-presidente da USE-SP e da FEB; ex-membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional.

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Os 21 concílios ecumênicos da história da Igreja:

1. Niceia I – 20/5 a 25/7 de 325 Papa: Silvestre I (314-335)

2. Constantinopla I – maio a junho de 381 Papa: Dâmaso I (366-384)

3. Éfeso – 22/6 a 17/7 de 431 Papa: Celestino I (422-432)

4. Caledônia – 08/10 a 1/11 de 451 Papa: Leão I, O Grande (440-461)

5. Constantinopla II – 05/5 a 2/7 de 553 Papa: Virgílio (537-555)

6. Constantinopla III – 07/11 de 680 a 16/9 de 681 Papas: Ágato (678-681) e Leão II (682-683)

7. Niceia II – 24/9 a 23/10 de 787 Papa: Adriano I (772-795)

8. Constantinopla IV – 05/10 de 869 a 28/2 de 870 Papas: Nicolau I (858-867) e Adriano II (867-872)

9. Latrão I -18/3 a 06/4 de 1123 Papa: Calixto II (1119-1124)

10. Latrão II – abril de 1139 Papa: Inocêncio II (1130-1143)

11. Latrão III – 5 a 19 de março de 1179 Papa: Alexandre III (1159-1181)

12. Latrão IV – 11 a 30 de novembro de 1215 Papa: Inocêncio III (1198-1216)

13. Lyon I – 28/6 a 17/7 de 1245 Papa: Inocêncio IV (1243-1254)

14. Lyon II – 07/5 a 17/7 de 1274 Papa: Gregório X (1271-1276)

15. Vienne (França) – 16/10 de 1311 a 6/5 de 1312 Papa: Clemente V (1305-1314)

16. Constança – 5/11 de 1414 a 22/4 de 1418 Papas: situação de vários antipapas

17. Basileia-Ferrara-Florença – 1431-1445 Papa: Eugênio IV (1431-1447)

18. Latrão V – 10/5/1512 a 16/3/1517 Papas: Júlio II (1503-1413) e Leão X (1513-1521)

19. Trento – 13/12/1545 a 4/12/1563 (em três períodos) Papas: Paulo II (1534-1549); Júlio III (1550-1555) e Pio IV (1559-1565)

20. Vaticano I – 8/12/1869 a 18/7/1870 Papa: Pio IX (1846-1878)

21. Vaticano II – 11/10/1962 a 07/12/1965 Papas: João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978)

Extraído de: Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIV. N. 4. Maio de 2019. P. 200-202.