A justiça, o Amor e a Verdade
Vladimir Alexei
É comum, nos apostilamentos em que se estuda ao longo de décadas no movimento espírita, tratar as “três revelações” como sendo um processo distinto, ou até mesmo evolutivo do pensamento humano e alguns mais ousados, diriam do pensamento do Cristo.
Assunto normalmente abordado nos estudos introdutórios, encerra aprendizado para todos os gostos e conhecimentos. A organização do conhecimento, seja ele em qual esfera for, passa por uma seleção de informações que serão priorizadas, em detrimento de outras. É natural que seja assim.
Um exemplo tratado por Edgar Morin (educador contemporâneo, nonagenário), é a passagem do geocentrismo (Ptolomeu) para o heliocentrismo (Copérnico). Os elementos de estudo (os planetas) foram os mesmos. A forma de abordagem é que mudou, ou, nos dizeres do educador, “a forma de ver o mundo mudou”.
Os exemplos existem aos montes, o que nos permite uma provocação filosófica: o que pretensos estudiosos do espiritismo chamam de “atualizar Kardec”, não seria mais indicado evoluir a maneira de enxergar os textos doutrinários, do que necessariamente modificá-los? Trazendo essa reflexão para o meio espírita, as “três revelações” podem ilustram essa proposta.
É consenso em cursos e palestras registrados pela rede mundial de computadores, que a Revelação trazida por Moisés simboliza a necessidade de se ter uma organização fundamentada em leis para uma melhor convivência social. Parte dessas leis foram obtidas por uma “mediunidade direta”: Moisés foi o intermediário para o Decálogo. Outras foram elaboradas pelo próprio Moisés (já que foi médium para receber o decálogo, nada impede que ele tenha sido médium inspirado para elaborar as demais leis, ainda que frágeis em termos de “justiça universal”).
Evidentemente que, como o conhecimento humano naquela época, algo em torno de dois mil e seiscentos anos antes de Cristo, era infinitamente menor do que hoje, o registro de tudo aquilo que era necessário para o aprendizado da humanidade ficou restrito a leis que foram interpretadas da maneira que deram conta. Isso explica os abusos e absurdos que as leias da época permitiam. O que, talvez, não justifique as barbaridades que vemos na atualidade, já que evoluímos em conhecimento e compreensão… Após séculos de incorreções nos processos evolutivos e de mudança das leis que regiam os homens, encarna Jesus, o Espírito mais puro que já esteve entre nós. Sua vinda é tão marcante que seus ensinamentos foram sintetizados em uma simples, porém, complexa palavra: Amor. Séculos após a manifestação do amor mais sublime que a Terra já teve na história (do Ocidente e do Oriente, ainda que a preferência de dois terços da humanidade esteja dividida entre outros mensageiros de menor envergadura espiritual, mas de profunda relevância naquilo que lhes cabia difundir e vivenciar), coube a Allan Kardec ser o fundador da doutrina que melhor conseguiu representar o Amor Divino, a Justiça Divina, por meio da Verdade Universal.
A verdade que conhecemos é relativa, assim como a justiça que aplicamos e o amor que vertemos. Embora haja evolução, nos encontramos em estágios diferentes nessa espiral: a justiça, em tempos de preconceito, racismo, homofobia é tão ou mais importante do que o amor que sublima os sentimentos mais puros que o indivíduo consegue expressar. A Justiça Divina, ainda que compreendida sob a limitação humana, quando colocada em prática aplaca ansiedades coletivas, abrindo caminhos para o trabalho conjunto. Essa talvez seja uma verdade relativa, ou fragmentos de uma verdade, fruto de um pensamento “complexo”, porque tudo está, de certa forma, conectado, entrelaçado, sem fronteiras delineadas.
Vivemos, nos dizeres de Morin, o “paradigma da simplificação”. Disjunção, abstração e redução tornaram-se sinônimos para explicar aquilo que é Revelado pelos Espíritos Superiores. Essa “necessidade” de simplificar torna o aprendizado empobrecido porque a convivência com a “dúvida”, o desgaste de horas afio tentando compreender o que seja “justiça”, “amor” e “verdade” abriu espaço para definições capengas, limitantes e deficitárias, transformando oportunidade de aprendizado em “necessidade de conhecer mais”. Assim, temos visto, no meio espírita, catedráticos em Espiritismo, profundos “registradores de informações doutrinárias”, verdadeiros “decoradores”, com muitas dificuldades de colocar em prática tudo aquilo que conhecem “de cor”.
O desafio de ser “justo” foi recortado, já que entendido, mas não praticado. O desejo de “amar” tornou-se longínquo porque o estudo resumido e simplificado evidencia mais a distância evolutiva de Jesus em relação a nossa, do que a grandeza do Seu gesto e a beleza da caminhada ascensional da humanidade para compreender melhor a ação de “Amar”. Com isso a “verdade” se restringiu a ser a “dona do pedaço”, ditando a “última palavra” de forma simplificada, reducionista e distante. O problema não está e nunca esteve na Doutrina Espírita e sim no “Espírita”. Estudar implica dor. Angústias de não conseguir compreender o que se deseja e necessita. É a dor do crescimento, da mudança, e não do sofrimento.
A Justiça, o Amor e a Verdade são iluminadas, quando o estudo é empreendido com os elementos de cada um desses princípios, de forma conjugada. Não mais a “justiça de Moises” e sim a “necessidade de ser Justo” hoje e para sempre; o Amor de Jesus, pelo “Amor com Jesus”, pois “Amor” é verbo, é ação; e a Verdade Universal, pela Verdade que o Espírita empreende para ser Justo e Amoroso em Viver. Já dissemos em outras abordagens: a audácia de pensar com independência, causa estranheza, leva a críticas ácidas, por vezes veladas, por uma simples razão: é mais fácil falar de amor, justiça e verdade, parecendo ser justo, amoroso e verdadeiro, quando, na realidade, ainda temos uma grande caminhada pela frente.
É isso que nos motiva: compreender melhor a Vida, sob a égide do Cristo e da Doutrina Espírita.
Belo Horizonte das Minas Gerais, 03 de agosto de 2020.