A economia solidária no livro Paulo e Estêvão

A economia solidária no livro Paulo e Estêvão

André Ricardo de Souza (*)

A obra Paulo e Estêvão, do espírito Emmanuel – psicografada por Francisco Cândido Xavier em 1941 e publicada no ano seguinte pela Federação Espírita Brasileira – foi apontada pelo próprio Chico Xavier em 1970, no programa televisivo de Silvio Santos, como o principal livro decorrente de sua mediunidade. Lido em primeira mão por Rômulo Joviano, chefe de Chico na Fazenda Modelo, onde ocorreu a psicografia por oito meses, o texto foi chamado por aquele homem de “manual do trabalhador cristão”. Algumas descobertas arqueológicas e históricas – sobretudo do professor e pesquisador bíblico estadunidense Harold Hoehner (1935-2009), destacadas pelo estudioso espírita do tema Haroldo Dias – denotam a veracidade dessa obra. Ela traz a trajetória de Paulo de Tarso mediante o apoio de Estêvão, que, de vítima se tornou seu mentor espiritual. Na introdução do livro, Estêvão é apontado por Emmanuel não como o primeiro, mas sim “o grande mártir do cristianismo”. Isto porque no livro Há dois mil anos (FEB, 1939), dos mesmos: autor e médium, é relatado o martírio cronologicamente anterior de Simeão, aquele que encaminhou Lívia, a esposa do senador romano Públio Lêntulo (reencarnação de Emmanuel), ao cristianismo.

Por seu turno, a economia solidária constitui um universo composto de empreendimentos econômicos pautados por princípios igualitários e democráticos, tendo como modelo a cooperativa autogestionária, onde todos os trabalhadores repartem os ganhos do modo mais equânime e equilibrado possível, buscando a convivência fraterna. O maior pensador dessa proposta é Paul Singer (1932-2018), que foi professor de economia na Universidade de São Paulo e condutor, entre 2003 e 2016, da Secretaria Nacional de Economia Solidária no âmbito do Ministério do Trabalho. Autor de fundamentais livros sobre o tema, Singer costumava dizer que a economia solidária havia renascido no Brasil dos anos 1990. Ele fazia menção a experiências históricas, com destaque para a dos pioneiros do cooperativismo autogestionário moderno em 1844 na cidade inglesa de Rochdale. E considerava também algumas experiências comunitárias bem mais antigas.

Paulo e Estêvão apresenta a primeira comunidade cristã, fixada em Jerusalém e chamada de Casa do Caminho, afinal antes de ‘cristãos’, os seguidores de Jesus Cristo eram chamados de “homens do caminho” (para a capital do judaísmo), lugar de onde eram recolhidos indivíduos necessitados: enfermos, deficientes, viúvas e órfãos pobres. A comunidade era mantida sobremaneira com doações de homens abastados da cidade que se solidarizavam com a causa, embora não rompessem com o farisaísmo para abraçar a nova tradição religiosa que nascia. Aristocratas desse grupo impunham constrangimentos judaizantes aos membros da Casa e isso angustiava muito seu líder Simão Pedro, que relata a situação ao ainda novato no apostolado cristão: Paulo de Tarso. Complementando a plantação de subsistência que Pedro já havia estabelecido lá, Paulo propõe algo maior:

“Os órfãos, os velhos e os homens aproveitáveis poderão encontrar atividades além dos trabalhos agrícolas e produzir alguma coisa para a renda indispensável. Cada qual trabalharia de conformidade com as próprias forças, sob a direção dos irmãos mais experimentados. A produção do serviço garantiria a manutenção geral. Como sabemos, onde há trabalho, há riqueza, e onde há cooperação, há paz.”

Tratava-se da formação de um empreendimento de economia solidária para que as pessoas acolhidas pela comunidade cristã, já curadas e refeitas, pudessem trabalhar de modo a buscarem, tanto quanto possível, a emancipação econômica de todo aquele grupo que abrangia cerca de cem pessoas. Paulo então decide fazer uso de suas duras viagens missionárias para a coleta de recursos em prol da viabilização do intento. Passados alguns anos, ele retorna à comunidade portando a “pequena fortuna” que é comovidamente recebida por Pedro. Bem mais tarde, quando Paulo, já idoso, estava à caminho da prisão em Roma:

“(…) mulheres humildes agradeciam os benefícios recebidos de suas mãos. Doentes curados comentavam a colônia de trabalho [empreendimento de economia solidária] que ele sugerira e ajudara a fundar na igreja [comunidade cristã] de Jerusalém e proclamavam sua gratidão em altas vozes.”

Tais trechos estão nos capítulos 5 e 8 da segunda parte do livro. Alguns anos atrás, enquanto Paul Singer ainda atuava na SENAES, tive oportunidade de lhe explicar em que consistia a obra Paulo e Estêvão e também contar tais passagens, ao que ele reagiu com surpresa e alegria. Judeu nascido na Áustria, que viveu no Brasil desde menino, ele se dizia ateu, mas foi a pessoa mais espiritualizada que conheci. Por seus ensinamentos e exemplo de vida, o professor segue inspirando, sobremaneira os que o conheceram e os que compartilham dos valores da economia solidária, algo que é, a meu ver, uma expressão socioeconômica do cristianismo.

Por sua vez o profundo livro de Emmanuel e Chico Xavier vem sendo gradativamente reconhecido como o manual do trabalhador cristão.

(*) Sociólogo, 46 anos, professor e pesquisador agradecido a Adriana Jaeger pelo incentivo para a escrita deste pequeno texto.