Junto aos simples e fracos

Junto aos simples e fracos

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Ao longo de nossa existência tivemos contato com algumas realidades mais próximas de situações de vida das pessoas que vivem na periferia de grandes cidades.

Em atividade junto a um centro espírita que atua em bairro da capital federal e que presta apoio a famílias carentes, integramos a equipe que visita lares. Várias situações dramáticas vieram à tona. Entre elas, em visita a um casebre extremamente precário, próximo a uma ribanceira – e, paradoxalmente, com vista a distância para um belo bairro da cidade – vários dramas estavam presentes. A senhora responsável pela família, já com mais de 40 anos, estava grávida. Relatou que a gestação era resultante de violência sexual, mas que ela se recusou a praticar o aborto porque entendia que a criança não tinha nada a haver com a triste ocorrência. Um de seus filhos foi levado à força para o Estado de origem de ex-companheiro. O casal de filhos adolescentes, que conhecemos, também já tinham sido vítimas de violência sexual.

A impunidade de tanta tragédia se oculta pela localização da “moradia” e de seus “vigilantes”… Além do apoio material e moral, o grupo espírita visitante prestava também apoio espiritual. Ao se abrir O Evangelho segundo o Espiritismo – e que coincidência – foi lida a página “Os infortúnios ocultos” (Cap.XIII), seguida de uma prece.

Há uns tempos atrás, em outro momento totalmente distinto, precisamos comparecer a um órgão previdenciário. Foi difícil e tivemos que esperar o encerramento de uma greve. Esta era motivada por desatenções à situação salarial dos funcionários. Devido à sobrecarga de demandas após a conclusão da greve somente conseguimos agendar um comparecimento mais próximo no tempo, em agência de bairro periférico. Ao chegarmos ao local, enquanto aguardávamos nosso atendimento, observávamos o público presente: que tristeza! Pessoas idosas, doentes, com deficiências de locomoção; mães com crianças no colo e nas mãos… A aparência geral era sugestiva de vida extremamente difícil. E o detalhe extra, pois imaginávamos o óbvio, de que os presentes ali chegaram vencendo ainda distâncias grandes a pé ou de ônibus.

De outra feita, em outro ambiente, nos saguões de hospitais, observamos a situação terrível dos usuários da assistência de saúde estatal e a brutal diferença dos que tem garantia financeira ou de um razoável plano de saúde. Estes, em poucos minutos, passam pela burocracia do atendimento inicial e já tem acesso até a exames e tratamentos sofisticados.

Nesses três “flashes” vivenciados em poucos meses – um autêntico “choque de realidades” – provocaram-nos profundas reflexões.

Evidentemente que passamos a pensar no papel dos espíritas junto ao meio social.

As ações espíritas em convívio mais próximo com a comunidade, tanto na atividade doutrinária como na assistencial, nos fez retroceder no tempo – há sessenta anos -, quando nos períodos de adolescência e juventude labutávamos com nossa família na Instituição Nosso Lar – que vimos nascer – localizada num então bairro periférico da cidade de Araçatuba (SP): apoio e visita a famílias, “campanha do quilo”, distribuição de sopa, evangelização muito simples para crianças, reuniões públicas sobre Evangelho e com passes, e, os jovens participando de todas essas ações. E, sem dúvida, as informações sobre o trabalho pioneiro de Benedita Fernandes – a dama da caridade -, naquela cidade.

Mesmo considerando as alterações que o país e o movimento espírita sofreram nesse período de tempo, há necessidade de se refletir sobre a atuação dos espíritas junto aos segmentos mais simples de nossa população. E há componentes agravados pela maior violência e pela disseminação das drogas.

Os centros espíritas – que são a base do movimento espírita –, local onde as ações se corporificam, devem merecer atenção de seus dirigentes promovendo estudos, análises e diálogos, sobre as demandas da cidade ou dos bairros de uma cidade, sobre a adequação dos planos de trabalho – atendendo todas as faixas etárias e sociais – à efetiva realidade em que se encontram inseridos.

Em momentos preditos como o do “Consolador Prometido” são sugestivas as ações dos primeiros agrupamentos cristãos, registradas por Emmanuel nos livros Paulo e Estêvão, 50 anos depois e em Ave, Cristo! O registro do ex-doutor da Lei é muito oportuno, ao se tornar homem do povo como o apóstolo Paulo: "Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele" (I Coríntios 9,22-23).

Com essas anotações reiteramos as preocupações já externadas em artigos que divulgamos na imprensa espírita e em livros nossos1, onde registramos experiências espíritas notáveis em ambientes simples em algumas situações no Brasil, incluindo o exemplo de Chico Xavier, e no exterior.

Referências:

1. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. 1.ed. Araçatuba: Cocriação. 2021. 632p.