150 anos de A Gênese: divulgação e estudo

150 anos de A Gênese: divulgação e estudo

Antonio Cesar Perri de Carvalho

 

Com A Gênese completa-se o quinto volume das chamadas Obras Básicas da Codificação, que foi lançada no dia 6 de janeiro de 1868, em Paris, conforme anúncio da Revista Espírita de janeiro de 1868.(1) 

Allan Kardec destaca no subtítulo: “A Doutrina Espírita é o resultado do ensino coletivo e concordante dos espíritos. A Ciência é chamada a constituir a Gênese segundo as leis da Natureza. Deus prova sua grandeza e seu poder pela imutabilidade de suas leis, e não pela sua suspensão. Para Deus, o passado e o futuro são o presente.” Os temas são desenvolvidos em três partes – A gênese segundo o Espiritismo; Os milagres segundo o Espiritismo; As predições segundo o Espiritismo -, desdobrando-os em dezoito capítulos.

Entre esses temas destacamos no capítulo “Fundamentos da Revelação Espírita” considerações amplas e lúcidas sobre a questão da revelação e faz significativa colocação: "[…] o que caracteriza a revelação espírita é que a sua origem é divina, que a iniciativa pertence aos espíritos e que a elaboração é o fruto do trabalho do homem.”(2) Trata-se de clara afirmação sobre a responsabilidade dos encarnados – detentores do livre arbítrio -, notadamente nas condições de liderança, gestão nas instituições e as ações do movimento espírita. O Mundo Espiritual orienta, mas as decisões dependem de nossas escolhas, o que é um incentivo à reflexão, à conscientização e à ativa participação dos encarnados. Nesse capítulo é analisada a relação entre Espiritismo e Ciência: “[…] o Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; que a Ciência, sem o Espiritismo, acha-se impossibilitada de explicar certos fenômenos somente pelas leis da matéria, e que é por haver ignorado o princípio espiritual que ela se deteve no meio de tão numerosos impasses; que sem a Ciência, faltaria apoio e comprovação ao Espiritismo e ele poderia iludir-se. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria sido uma obra abortada, como tudo o que surge antes do seu tempo.”(2) Eis marcante ponderação, em época em que as religiões tradicionais eram dogmáticas e não valorizavam a ciência: “Caminhando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem que está errado em um determinado ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita.”(2)

O Codificador teve a autonomia intelectual para analisar o desenvolvimento do planeta e da civilização procedendo a uma analogia dos chamados dias bíblicos com os períodos geológicos e de maneira totalmente diferenciada das religiões tradicionais. O assunto perispírito é tratado em vários capítulos do livro, ficando mais clara a compreensão dos fenômenos: “O perispírito é o traço de união entre a vida corporal e a vida espiritual: é por ele que o espírito encarnado está em contínuo contato com os desencarnados; é por ele, enfim, que ocorrem, com o homem, fenômenos especiais que não têm sua origem na matéria tangível, e que, por essa razão, parecem sobrenaturais.”(2)

Os chamados “milagres” e as aparições de Jesus são analisados descortinando-se o mundo espiritual e o conhecimento sobre as propriedades do perispírito: “As aparições de Jesus após a sua morte são narradas por todos os evangelistas com detalhes circunstanciados que não permitem que se duvide da realidade do fato. […] perfeitamente explicadas pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito, e não apresentam nada de anormal com os fenômenos do mesmo gênero, dos quais a história antiga e contemporânea oferece numerosos exemplos, sem deles excetuar a tangibilidade.”(2) A polêmica sobre o desaparecimento do corpo do Cristo é tratada no Cap. XV da 1a edição: “A que se reduziu o corpo carnal? Este é um problema cuja solução não se pode deduzir, até nova ordem, exceto por hipóteses, pela falta de elementos suficientes para firmar uma convicção. Essa solução, aliás, é de uma importância secundária e não acrescentaria nada aos méritos do Cristo, nem aos fatos que atestam, de uma maneira bem peremptória, sua superioridade e sua missão divina. Não pode, pois, haver mais que opiniões pessoais sobre a forma como esse desaparecimento se realizou, opiniões que só teriam valor se fossem sancionadas por uma lógica rigorosa, e pelo ensino geral dos espíritos; ora, até o presente, nenhuma das que foram formuladas recebeu a sanção desse duplo controle. Se os espíritos ainda não resolveram a questão pela unanimidade dos seus ensinamentos, é porque certamente ainda não chegou o momento de fazê-lo, ou porque ainda faltam conhecimentos com a ajuda dos quais se poderá resolvê-la pessoalmente. Entretanto, se a hipótese de um roubo clandestino for afastada, poder-se-ia encontrar, por analogia, uma explicação provável na teoria do duplo fenômeno dos transportes e da invisibilidade. (O Livro dos Médiuns, caps. IV e V.).”(2)

Por outro lado, o tema da atualidade – transição planetária –, é apreciado nos capítulos de “As predições segundo o Espiritismo” e “Os tempos são chegados”: “Ouvimos em todas as partes: São chegados os tempos marcados por Deus, em que grandes acontecimentos ocorrerão para a regeneração da Humanidade. Em que sentido nós devemos entender essas palavras proféticas? […] Para a maioria dos fieis, elas apresentam qualquer coisa de místico e de sobrenatural, parecendo-lhes prenunciadoras da subversão das leis da Natureza. […] porque tais palavras não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas sim o cumprimento dessas leis.”(2) As situações de transformações têm parcelas de responsabilidade do ser humano no contexto social e no cenário físico, haja vista os atuais conhecimentos sobre o meio ambiente. A grande transformação há de ser ética e moral: “Até o presente, a humanidade tem realizado progressos incontestáveis. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam sido alcançados, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Ainda lhes falta um imenso progresso a realizar: o de fazerem reinar entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o bem-estar moral.”(2)

Nesse contexto, a ideia sobre a nova geração não ficaria circunscrita ao ambiente espírita, havendo a relação entre transição e nova geração: “Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corpórea do que de uma nova geração de espíritos. Assim, aqueles que esperam ver a transformação ocorrer através de efeitos sobrenaturais e maravilhosos, ficarão decepcionados.”(2)

Em nossos dias, é necessário o estudo desses temas para se evitar interpretações superficiais e até estranhas para o período em que vivemos. Interessante síntese sobre A Gênese, logo após seu lançamento, surge em apreciação do espírito São Luís, na Revista Espírita, de fevereiro de 1868: “A religião, antagonista da Ciência, respondia pelo mistério a todas as questões da filosofia céptica. Ela violava as leis da Natureza e as adaptava à sua fantasia, para daí extrair uma explicação incoerente de seus ensinamentos. Vós, ao contrário, vos sacrificais à Ciência; aceitais todos os seus ensinamentos sem exceção e lhe abris horizontes que ela supunha intransponíveis. […] Um livro escrito sobre esta matéria deve, em consequência, interessar a todos os espíritos sérios.”(1)

Independentemente da polêmica sobre alterações na 5edição francesa dessa obra e das traduções feitas a partir da mesma, destacamos que ao ensejo do sesquicentenário do lançamento de A Gênese torna-se muito necessário a divulgação e o estudo do mesmo na seara espírita.(3)

Kardec, intelectual experimente e inspirado, elaborou A Gênese com apreciações sobre os fundamentos da revelação espírita e as relações com a Ciência. Analisa a evolução do planeta e do homem, os chamados milagres de Jesus e os conceitos sobre “sinais dos tempos”. São temas oportunos para a atualidade. Nesse contexto e ao ensejo da oportuna Campanha “Comece pelo Começo”, os 150 anos de A Gênese deve ser uma motivação para se implementar seu estudo, divulgação e valorização na seara espírita.

Referências:

1) Kardec, Allan. Trad. Bezerra, Evandro Noleto. Revista Espírita. Ano XI. No. 1. 1868. Rio de Janeiro: FEB.

2) Kardec, Allan. Trad. Sêco, Albertina Escudeiro. A gênese. 3.ed. Cap. I, itens 13, 16 e 55; Cap. XIV, item 22; Cap. XV, Itens 61, 67-68; Cap. XVIII, itens 6 e 26. Rio de Janeiro: Ed. CELD. 2010.

3) Artigo: http://grupochicoxavier.com.br/a-genese-150-anos-valor-da-obra-e-suas-primeiras-edicoes-francesas/ (Acesso em 07/01/2018).

 

(Adaptação do artigo: http://www.oconsolador.com.br/ano11/548/especial.html)

(Ex-presidente da FEB e da USE-SP)