O pai espiritual de Chico Xavier
Antonio Cesar Perri de Carvalho
A leitura atenta do romance histórico inicial de Emmanuel fica evidenciado um aspecto acima de tudo paternal. Na vida de Chico Xavier, o seu orientador atua como um pai espiritual. Aliás, coerente com as necessidades de ajustes espirituais que redundaram da vivência de ambos no Século I, na relação de pai e filha, bem descritos em Há dois mil anos.
Por isso, são interessantes algumas observações do médium com relação a seu guia espiritual. O respeito que Chico nutria por Emmanuel transpareceu em inúmeros momentos, desde a orientação inicial da “disciplina” junto ao açude de Pedro Leopoldo. Emmanuel mantinha o médium dentro do planejamento espiritual, com prioridade para os livros.
No transcorrer o primeiro programa “Pinga Fogo” Chico fez o depoimento:
“Emmanuel tem sido para mim um verdadeiro pai na Vida Espiritual, pelo carinho com que me tolera as falhas e pela bondade com que repete as lições que devo aprender. Em todos esses anos de convívio estreito, quase diário, ele me traçou programas e horários de estudo, nos quais a princípio até inclui datilografia e gramática, procurando desenvolver os meus singelos conhecimentos de curso primário, em Pedro Leopoldo, o único que fiz até agora, no terreno da instrução oficial. […] O tempo de convivência com o Espírito de Emmanuel, nosso guia, parece que criou entre ele e eu um processo de conhecimento e palavra por osmose. Vão me perdoar… eu não sei definir o problema. Sei que ele está presente, mas ele não permite que faça muitas observações mediúnicas, para que eu me mantenha estritamente dentro do programa e não com qualquer distração para observações marginais.” 1
Há inúmeros casos relatados na literatura espírita e no filme “Chico Xavier” (2010) evidenciando a presença marcante de Emmanuel na vida de Chico, alguns jocosos, mas todos claramente educativos.
Pouco recordado é o relato Ramiro Gama, amigo do médium dos tempos de Pedro Leopoldo, sobre um conhecido confrade de São Paulo que certa feita chegou ao Centro Espírita Luiz Gonzaga. Abraça o médium e diz: “- Vim de São Paulo especialmente para lhe dar um beijo. E dando-lhe o beijo na face, conclui: beijando-o, tenho a impressão de que beijei seu querido Guia Emmanuel. E o Chico com toda candidez e humildade: – Não, meu caro Irmão, você não beijou Emmanuel mas sim o seu burrinho, que sou eu”.2
Particularmente, ouvimos comentários muito significativos durante visitas que fizemos ao médium em Uberaba. Em visita a Chico Xavier em sua residência, em janeiro de 1977, cerca de dois meses após sofrer um enfarte, ouvimos sobre a advertência do pai espiritual enérgico. Chico mostrou-nos a quantidade de medicamentos que estava utilizando. Sempre fazendo brincadeiras dizia, sorrindo, que estava escravo deles… Porém, ficando sério, contou ao grupo de visitantes que, certa feita, contrapondo-se a momentos passageiros de desânimo, Emmanuel afirmou-lhe incisivo: "A vida é dura para quem é mole…"3
E não parou por aí. Chico estava acamado, em convalescença após o enfarte e, segundo ele próprio, preocupado com seu estado e suas atividades. Emmanuel surgiu e saindo daquela costumeira linguagem evangélica de seus livros, disse-lhe: "Saia dessa cama senão você irá para a tumba!" Chico esforçou-se mais ainda no processo de recuperação e de retorno aos seus afazeres. Sempre de bom humor, naquele mesmo dia Chico comentou que não seria daquela vez que partiria e que não era o desejo dele também: "Partir agora e depois perder uns vinte anos de bobeira na nova reencarnação até começar trabalhar, eu prefiro continuar trabalhando agora…"3
Realmente, Chico sobreviveu mais 25 anos dedicados ao trabalho mediúnico.
Meses depois, em outra visita ao médium, acompanhávamos a "peregrinação" no bairro dos Pássaros Pretos. Estávamos ao lado de Chico e sua equipe de colaboradores. Chico entregava pães e dirigia palavras de bom ânimo aos necessitados que se postavam em fila. A certo momento, alguém fez alguma reclamação sobre saúde. Chico fez, então, rápido comentário para os circunstantes, chamando atenção de que ele não era nenhum privilegiado: "Na minha infância, sofria castigos físicos aplicados pela minha madrasta. Ainda jovem fiquei cego de um olho e tenho muitas dores e trato o outro há muitos anos. Submeti-me a algumas cirurgias médicas e, há pouco, sofri um enfarte. Um dia cansado de tantos tratamentos, pedia forças. Emmanuel apareceu e disse-me: – Você veio para ser tratado e não para ser curado…"3
Referências:
1) Gomes, Saulo (Org.). Pinga-fogo com Chico Xavier. 1.ed. Catanduva: Intervidas. 2010. 269p.
2) Gama, Ramiro. Lindos casos de Chico Xavier. 5.ed. São Paulo: LAKE. 246p.
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões. 1.ed. Capivari: EME, São Paulo: USE-SP. 2019. 223p.