Evangelho e Individualidade
Efetivamente, as massas acompanhavam o Cristo, de perto, no entanto, não vemos no Mestre a personificação do agitador comum.
Em todos os climas políticos, as escolas religiosas, aproximando-se da legalidade humana, de alguma sorte partilham da governança, estabelecendo regras espirituais com que adquirem poder sobre a multidão.
Jesus, porém, não transforma o espírito coletivo em terreno explorável.
Proclamando as bem-aventuranças à turba no monte, não a induz para a violência, a fim de assaltar o celeiro dos outros.
Multiplica, Ele mesmo, o pão que a reconforte e alimente.
Não convida o povo a reivindicações.
Aconselha respeito aos patrimônios da direção política, na sábia fórmula com que recomendava seja dado “a César o que é de César”.
Muitos estudiosos do Cristianismo pretendem identificar no Mestre Divino a personalidade do revolucionário, instigando os seus contemporâneos à rebeldia e à discórdia; entretanto, em nenhuma passagem do seu ministério encontramos qualquer testemunho de indisciplina ou desespero, diante da ordem constituída.
Socorreu a turba sofredora e consolou-a; não se mostrou interessado em libertar a comunidade das criaturas, cuja evolução, até hoje, ainda exige lutas acerbas e provações incessantes, mas ajudou o Homem a libertar-se. Ao apóstolo exclama: “vem e segue-me.”.
À pecadora exorta: “vai e não peques mais”.
Ao paralítico fala, bondoso: “ergue-te e anda”.
À mulher sirofenícia diz, convincente: “a tua fé te curou”.
Por toda parte, vemo-lo interessado em levantar o espírito, buscando erigir o templo da responsabilidade em cada consciência e o altar dos serviços aos semelhantes em cada coração.
Demonstrando as preocupações que o tomavam, perante a renovação do mundo individual, não se contentou em sentar-se no trono diretivo, em que os generais e os legisladores costumam ditar determinações…
Desceu, Ele próprio, ao seio do povo e entendeu-se pessoalmente com os velhos e os enfermos, com as mulheres e as crianças.
Entreteve-se em dilatadas conversações com as criaturas transviadas e reconhecidamente infelizes.
Usa a bondade fraternal para com Madalena, a obsidiada, quanto emprega a gentileza no trato com Zaqueu, o rico.
Reconhecendo que a tirania e a dor deveriam permanecer, ainda, por largo tempo, na Terra, na condição de males necessários à retificação das inteligências, o Benfeitor Celeste foi, acima de tudo, o orientador da transformação individual, o único movimento de liberação do espírito, com bases no esforço próprio e na renúncia ao próprio “eu”.
Para isso, lutou, amou, serviu e sofreu até à cruz, confirmando, com o próprio sacrifício, a sua Doutrina de revolução interior, quando disse: “e aquele que deseja fazer-se o maior no Reino do Céu, seja no mundo o servidor do todos.”
Emmanuel
(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Roteiro. Cap. 15.FEB)