Cenários do movimento espírita
Antonio Cesar Perri de Carvalho
Os estudos sobre acordos de união devem se relacionar com a avaliação e análise de cenários do movimento espírita atual. O movimento requer reflexões continuadas. Afinal de contas são sempre válidas algumas indagações: o que pretendemos? para onde vamos?
Algumas situações identificáveis em instituições espíritas de nossos dias merecem ser analisadas:
- Como se desenvolver valores como os da simplicidade, fraternidade e solidariedade legítimos andam pouco valorizados.
- Nos Centros Espíritas, como se desenvolve o atendimento espiritual dos que chegam? Como ocorre o acolhimento, consolo, esclarecimento e orientação?
- Mesmo sendo indiscutível a necessidade do estudo doutrinário, não poderia estar ocorrendo uma espécie de ambiente de escolarização formal na oferta e na relação entre os vários cursos doutrinários disponibilizados nas instituições espíritas? E o que dizer dos casos em que ocorrem certificações, como emissão de certificados?
- Algumas nuances da escola de Alexandria em geral e do Didaskaleion (escola para catequistas), do século III, não poderiam estar sendo reavivadas em formas de preparo de evangelizadores para a infância e de “instrutores” de cursos sobre mediunidade?
- Em relação à prática da mediunidade e a pretexto do preparo com base no estudo, de certa forma não estaria sendo cerceada por muitas normas e pré-requisitos?
- Não haveria o risco de se criar uma espécie de hierarquia entre os que completaram uma sequência de cursos doutrinários para poderem assumir coordenação de atividades e participação na gestão de grupos e de instituições espíritas?
- Até que ponto o trabalho apenas em nível cognitivo é válido? Ou são cabíveis propostas e ações efetivas para o cultivo de valores e sentimentos?
- As polêmicas a respeito da natureza do Cristo – à semelhança do docetismo –, não poderiam ser substituídas pela ênfase ao objetivo do ensino moral que Allan Kardec define em O evangelho segundo o espiritismo?
- No caso de livros espíritas, há situações em que as citações de versículos do Novo Testamento (ou de partes deles, as perícopes), originalmente utilizadas em obras nacionais e estrangeiras, foram substituídas por outras traduções bíblicas de diferentes das adotadas pelo autor. Isso não lembraria as alterações dos copistas religiosos do passado?
- Poderia estar ocorrendo uma eventual tendência de comercialização dos chamados “produtos espíritas”, como os livros e até de ingressos pagos para seminários doutrinários?
- Muitas instituições estariam perdendo o caráter espírita, inclusive em textos dos Estatutos, para assegurarem convênios com governos. Deve-se lembrar que – pela Constituição – o Estado brasileiro é laico, portanto ações assistenciais e promocionais subvencionadas por governos não podem ter características religiosas. O que seria mais importante, o compromisso espírita ou o atrelamento a projetos de governos?
- Parece estar havendo tendência de idolatria a médiuns, expositores e alguns dirigentes?
- Com referência aos congressos espíritas, há vários indícios de tendências de elitização, ou, pelo menos, de dissociação da realidade do movimento espírita. Escolha de recintos, muitas vezes pomposos e de alto custo de locação. Existência de “salas vip” para atendimento de convidados. Em alguns casos, até agentes de segurança cercando convidados. Comercialização de muitos produtos, lembrando até “feiras”, incluindo livros não necessariamente espíritas. Eventos planejados para gerar fonte de receita para a entidade promotora. Valores de taxas de inscrição altos, em geral acima das condições do espírita em geral. O ambiente de fraternidade, simplicidade e espontaneidade ficam diminuídos.
- Qual o critério, como se processa a escolha de representantes das instituições espíritas para a composição de conselhos e direção das entidades federativas?
Face a essas questões surge a indagação maior: qual o papel das entidades federativas estaduais, do Conselho Federativo Nacional da FEB e da própria Federação Espírita Brasileira, no sentido de favorecer ou de promover a profilaxia dessas situações apontadas? Como cidadãos do século XXI, observamos que no mundo dinâmico em que vivemos sucedem-se mudanças e inovações. Especialistas em gestão e transformações recomendam a valorização de novos talentos, nova cultura e novas formas de fazer as coisas, inclusive não se desprezando receios e preocupações.
Transcrito de:
Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? Cap. 6.1. Capivari: EME. 2018