Benedita, Schutel e O Clarim

Benedita, Schutel e O Clarim

Antonio Cesar Perri de Carvalho

No final de junho deste ano, ocorre em Araçatuba evento alusivo aos 140 anos de nascimento de Benedita Fernandes.

Nascida aos 27/06/1883, em Campos Novos de Cunha (SP), notabilizou-se pelo seu trabalho pioneiro e dinâmico em Araçatuba. Após ser tratada de terrível obsessão, fixou-se em Araçatuba onde fundou a Associação das Senhoras Cristãs em 1932, a primeira instituição assistencial espírita da região noroeste do Estado de São Paulo.

Essa instituição pioneira, desdobrou-se em ações voltadas ao atendimento de doentes mentais, crianças órfãs e abandonadas, e pessoas carentes em trânsito pela cidade. Essas obras foram um marco na cidade e região e ela se tornou um vulto respeitado pelos contemporâneos e lembrada até a atualidade.

Destacamos que Benedita Fernandes manteve correspondência com Cairbar Schutel e, mesmo após a desencarnação dele, O Clarim publicava muitas notícias sobre as obras dela. Vale a pena apresentarmos sínteses de algumas dessas matérias estampadas em O Clarim.(1) Várias transcrevemos em nosso livro Dama da Caridade (1982), agora ampliado: Benedita Fernandes. A dama da caridade.(2)

Três meses após Benedita ter fundado a Associação das Senhoras Cristãs, há informação sobre a participação dela em Assembleia da União Espírita Paz e Caridade, de Araçatuba, citando-a como “directora do Albergue Noturno” (O Clarim) , 18/06/1932). Ela mantinha intensas relações e colaborava com essa instituição, a primeira fundada naquela cidade.

O Clarim (30/03/1935) divulgou a composição de nova diretoria da Associação das Senhoras Cristãs: presidente, Benedita Fernandes; secretário, Manoel Clemente Gonçalves; tesoureiro, Maria Bogalho Gonçalves. No mesmo ano noticia-se a visita à novel obra de Benedita de caravana de Penápolis, liderada pelo Sr. João Marchesi, presidente do Centro Espírita Discípulos de Jesus (O Clarim, 03/08/1935). Marchesi foi um dos responsáveis pela cura da antiga obsidiada.

[…] Notas sobre comemorações de Natal em 1935, 1936 e em 1937. […] No exemplar de 12/03/1938, há informações sobre palestra do dr. João Baptista Pereira, residente em São Paulo, e que foi presidente da Sociedade de Metapsíquica de S. Paulo e da FEESP.

Em 25/02/1939, O Clarim noticia sobre os esforços da Associação das Senhoras Cristãs e do Asilo Dr. Jayme de Oliveira, que prestam assistência a indigentes, e informa o primeiro aniversário do menino Allan Kardec, nascido na Associação, filho de uma indigente internada. Chegamos a conhecer o Allan Kardec Marçal Costa.(2)

Na edição de 07/12/1940, registra-se que o representante de O Clarim, Leonardo Severino, voltando de viagem a Mato Grosso, proferiu conferências em Araçatuba: na Associação, na União Espírita Paz e Caridade e na Rádio Cultura.

De acordo com O Clarim (24/05/1941), João Leão Pitta – um dos propagandistas do jornal-, proferiu palestras na Associação das Senhoras Cristãs e no Córrego da Prata (Município de Araçatuba).

O Clarim (12/09/1942) noticia a fundação da União Espírita Regional de Araçatuba. Em 02/08/1942, espíritas da cidade reuniram-se em assembleia, para tratar da eleição da diretoria da União Espírita Regional da Noroeste, sendo dirigida por Benedita Fernandes e com o destaque de que ela representou O Clarim. Trabalho inédito de Benedita.(2)

A Associação promoveu homenagem a Kardec, no dia 03/10/1942, na sede da União Espírita Paz e Caridade, com atuação de Gedeão Fernandes de Miranda e Júlio Monteagudo, dezenas de crianças declamando poesias e “foi servido jantar a 247 pessoas pobres” (O Clarim, 07/11/1942).

Em nota sobre a comemoração do 139o aniversário de nascimento de Kardec, registra-se a participação de cerca de 300 adultos e crianças, farta distribuição de doces, seguida de sessão noturna na União Espírita Paz e Caridade (O Clarim, 20/11/1943).

[…] A notícia sobre o passamento de Benedita Fernandes, a partir de informação recebida de Vicente S. Neto, representante de O Clarim em São Paulo, foi publicada de imediato (edição de 25/10/1947). A redação desse jornal homenageia a lidadora: “uma das figuras mais populares no seio da família espírita pelas suas obras no campo da assistência social seu trabalho, pela sua grande fé, e pelo seu trabalho produtivo e perseverante na difusão da doutrina, embora fosse quase analfabeta. Corajosa, ativa, inteligente, cheia daquela boa vontade que opera prodígios”.

De matéria significativa de autoria de Leopoldo Machado – notável líder radicado em Nova Iguaçu (RJ) – sobre a desencarnação de Benedita (O Clarim, 08/11/1947), realçamos alguns trechos: "Fomos a Araçatuba, porque recebemos inte¬ressante carta dela, dizendo de sua geral decepção, quase, com os espíritas de cartaz. Gostaria de decepcionar-se conosco. Não podia visitar-nos, porque estava velha e doente. Pedia, portanto, que a visitássemos, pois, gostaria de conhecer-nos, antes de seu desencarne. Que fôssemos, assim, a Araçatuba. Fomos, com a querida esposa, decep¬cioná-la de perto. E com ela passamos cinco dias, a ouví-la nas suas experiências e observações; a admirá-la e a querê-la muito, de perto".

Eis uns comentários e diálogos do conhecido líder: “Com a nossa visita veio também a notícia de que o governo do Estado lhe concedera o auxílio de cem mil cruzeiros para concluir mais um pavilhão de sua obra formidável. Obra que se esparrama por todo um quarteirão, desbordando para outro, compreendendo escola, al¬bergue noturno, manicômio para os dois sexos, socorro e assistência a indigentes e necessitados, hospital, casa das crianças, etc, etc… Então pergunto: Como pode construir tudo isso?”

Ela respondeu: “- Eu não fiz nada. A obra é dos patrões. Sou apenas uma empregada que procura servir, direitinho, a seus patrões, que estão lá em cima. (E apontou o céu)

“- E o dinheiro para tudo isto?” Benedita: “- Aparece. Os patrões são ricos. Têm sempre, e muito, para dar. É só a gente saber pedir e bater, como deles pôs no Evangelho.” […] Em outra oportunidade, Benedita retomou o assunto com Leopoldo Machado, expressando suas preocupações. Assim ele anota no mesmo artigo que ela se preocupava como ficaria “a obra dos patrões”.

[…] Essas evocações homenageiam Benedita Fernandes, que sempre interagia com instituições e lideranças espíritas; vários aparecem nas notas transcritas. Também ensejam a reflexão sobre a importância de registros escritos. Graças a O Clarim, obtivemos essas informações que, inclusive, foram utilizadas na biografia que elaboramos sobre o vulto marcante.(2)

Referências:

1) Arquivos da Casa Editora O Clarim.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Benedita Fernandes. A dama da caridade. Araçatuba: Cocriação. 2017. 144p.

Síntese de artigo do autor publicado em:

Revista internacional de espiritismo. Ano XCVIII. N.5. Junho de 2023. P. 233-235.