As pedras e as cartas

(Síntese da Palestra: Para onde caminha a Humanidade? 16o. Congresso Espírita da USE-SP, Santos, abril de 2015)

 Antonio Cesar Perri de Carvalho

 

A mensagem de Emmanuel "O Brasil no Concerto das Nações", psicografada por Chico Xavier (BH, 1939, Reformador, set.2013) se refere sobre "as tenebrosas perspectivas e os sinistros vaticínios que pesam sobre a Civilização Ocidental"… E destaca o papel do Espiritismo alicerçado na simplicidade do Cristianismo primitivo.

À questão de qual seria a missão dos espíritas para colaborar com os novos caminhos para a Humanidade, a de número 1019 de O livro dos espíritos esclarece: “O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade."

Para a evocação do trabalho e das dificuldades dos primitivos cristãos, é importante a obra A esquina de pedra, de Wallace Leal V.Rodrigues (Ed.O Clarim, 1975), que parte de textos do Velho Testamento “pedra de esquina”, passa por Atos: “Esta é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina” (Atos, 4,11) e focaliza Pedro: “É uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (I Pedro, 2:6-8). Romanceia fatos do período do imperador Constantino, das descaracterizações do Cristianismo primitivo e puro, tendo como pano de fundo situações na região da Capadócia. Enxertias nos cultos, “uma divergência ameaça dividir a igreja […] a questão é esta: devemos considerar Jesus Cristo como um Deus que assumiu forma humana ou simplesmente como um homem que atingiu uma perfeição quase divina?”. Estavam às vésperas do Concílio de Nicéia: “Verás o Cristianismo desaparecer e ceder lugar a uma nova doutrina à qual denominarão Catolicismo” […] Mas um dia o Cristianismo se erguerá das cinzas” 

Esse é o papel do “Consolador Prometido” pelo Cristo e o risco de que o “Cristianismo que se erguerá das cinzas” se comprometer como uma “uma pedra de tropeço e rocha de escândalo”?

A partir daí, merecem ser focalizados os exemplos, as Epístolas de Paulo e trechos do romance Paulo e Estêvão, que aprofunda os registros de Atos e das Epístolas de Paulo e detalha as lutas e humilhações a que o apóstolo dos gentios  foi submetido pelos seus antigos pares e também por seguidores do Cristo, vivendo constrangimentos e dificuldades acerbas, em contato com as  “manifestações de hipocrisia farisaica” em Damasco e influência judaizante na ecclesia de Jerusalém.

Na 1ª Epístola aos Coríntios (54 d.C.) o apóstolo sentia a necessidade de passar novas orientações aos companheiros de Corinto, os problemas enfrentados pelos primeiros cristãos gentios, e como Paulo deu solução a esses problemas. Na 1a. Epístola a Timóteo, há recomendações aplicáveis ao trabalho propriamente dito do seareiro do Cristo. Durante as reuniões das Comissões Regionais do CFN (2013), nos seminários sobre gestão, apresentamos uma idéia de perfis para dirigentes de centros e de trabalhadores da área federativa.

Nos últimos anos em Roma, elabora a Epístola aos hebreus, dedicada aos irmãos de raça, dirigida aos judeus cristãos. Destaca a superioridade de Jesus Cristo sobre os profetas e cita inclusive Moisés. Paulo escrevia aos cristãos que pensavam em voltar ao judaísmo, incluindo advertências. Nas notas da Bíblia de estudo MacArthur, comenta-se que a Epístola é dirigida a três grupos distintos: 1) cristãos (grupo imaturo – tentados a agarrar-se às tradições e rituais simbólicos); 2) incrédulos que estavam intelectualmente convencidos do evangelho (judeus convencidos das verdades do Evangelho, mas que não depositavam sua fé em Cristo) e, 3) incrédulos que foram atraídos pelo evangelho e pela pessoa do Cristo, mas que não haviam chegado a uma convicção definitiva acerca dele, não estavam convencidos da verdade do evangelho.

No Movimento Espírita de nossos dias, há tendências comparáveis àquelas que preocuparam Paulo na Epístola aos Hebreus. Ou seja: espíritas que ainda oscilam com tendências de tradições e ritos de outras tradições religiosas; espíritas que aceitam a comunicabilidade dos espíritas e a reencarnação, mas mantém resistências ao Evangelho; espíritas dependentes ou até fascinados por pessoas, mas que têm dificuldade em incorporar a mensagem do Evangelho. No primeiro grupo também podem se enquadrar aqueles muito apegados a normas e pré-requisitos criados por pessoas e instituições e que não favorecem o efetivo acolhimento dos interessados e neófitos nos centros espíritas. Há dificuldades na absorção da proposta espírita e principalmente da essência moral do Espiritismo.

O Codificador Kardec apresenta três períodos para a evolução das ideias espíritas, nas Conclusões de O livro dos espíritos: “primeiro, o da curiosidade, provocada pela singularidade que os fenômenos produzem; segundo, o do raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das consequências.”

Lembramos dos momentos da Casa do Caminho, que Paulo sentiu-se “torturado pela influência judaizante" e optou em deixar a tradicional e pioneira ecclesia de Jerusalém, iniciando divulgação do Evangelho. Quase dois milênios depois, Chico Xavier optou em deixar a Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba, da qual foi um dos fundadores, e deu início a um novo e simples ponto de referência: o Grupo Espírita da Prece, de Uberaba. Agora, são cabíveis as reflexões para o Movimento Espírita: as sugestivas ilustrações da “esquina de pedra”, o rompimento com o farisaísmo feito por Paulo e a opção pela simplicidade de Chico Xavier, para o melhor atendimento das necessidades do "Consolador Prometido".

Concluindo, evocamos Crônicas de Além-Túmulo, cap.20 (1936), quando o espírito Humberto de Campos atua como repórter. Belo Horizonte se preparava para o 2o. Congresso Eucarístico Nacional, com turistas elegantes e os peregrinos invisíveis e entrevista Simão Pedro. "Mostrei o rico monumento festivo, as igrejas enfeitadas de ouro, os movimentos de recepção aos prelados, exclamando ele, afinal: – Não, meu filho!… Longe destas ostentações esperam-me os humildes e os desconsolados. O Reino de Deus ainda é a promessa para todos os pobres e para todos os aflitos da Terra. Nos templos faustosos não há lugares para Jesus, nem para os seus continuadores…"

Depois de comentar trecho final da mensagem de Emmanuel, de 1939, concluímos com trecho de mensagem de Instruções Psicofônicas, cap. 64, em que o espírito Bittencourt Sampaio alerta:

“Não ignorais que a civilização de hoje é um grande barco sob a tempestade… Mas, enquanto mastros tombam oscilantes e estalam vigas mestras, aos gritos de equipagem desarvorada, ante a metralha que incendeia a noite moral do mundo, Cristo está no leme! Servindo, pois, infatigavelmente, repitamos, confortados e felizes: Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo amanhã!…"

(Obs.: essa palestra resume artigos do expositor, em publicação na Revista Internacional de Espiritismo)