Francisco Habermann * (fhaber@uol.com.br)
A atração era o violinista, um artista versátil e de muita habilidade musical. Não poderia perder aquela oportunidade e fui ouvi-lo. Quando cheguei, a cerimônia já havia se iniciado e permaneci no lado externo daquele prédio da universidade, pois a bela sala envidraçada a ser inaugurada, estava lotada com as autoridades, entre elas o violinista em pé, elegante, respeitoso, com seu instrumento. Na escada externa, no lado de fora, ao sol, fiquei esperando o concerto comemorativo, a ser apreciado pelo vitral. Após oito discursos não ouvidos mas aplaudidos, a cerimônia terminou e o violinista foi embora. Eu também, muito frustrado, depois de concluir que o esperado número musical já havia sido executado na abertura do evento.
Andando, pelo caminho de retorno ao trabalho da manhã, passei em frente ao local onde ficam estacionados os carros funerários, aguardando o término dos procedimentos esclarecedores das necropsias necessárias e o embarque dos cadáveres. Parei para observar a cena que é rotina naquele setor tão movimentado daquele hospital universitário. Para minha surpresa, ali estavam velhos amigos, funcionários antigos, aposentados como eu, conversando com outros ativos naquela passagem de saída terminal. Cumprimentei a todos e eis que, naquele momento, saia mais um cadáver encaixotado em sua urna para ser conduzido, como se diz, à sua última morada.
O que me chamou a atenção, ali, foi a ausência de aplausos, de discursos, de elogios, dos louros de vitória e outros comemorativos – aí, sim, justos – pela grande jornada de vida finda daquela criatura incógnita. O que ouvi e testemunhei foi o silêncio respeitoso que a rotina de trabalho em hospital ensina a se ter nesta hora.
Os amigos – como uma comissão de despedida, pareceu-me – aquietaram-se e a cena evocou-me uma reflexão sobre o contraste vivenciado.
Num ambiente, exaltavam-se os feitos individuais com reflexos em vantagens políticas pessoais, marcados em placas metálicas afixadas em paredes da obra. A música e o músico convidados eram um enfeite de momento – que eu havia perdido – e os discursos nada acrescentaram. No outro, a música da vida finda – o silêncio – era o hino de vitória que ocupa o pódio da existência humana e que ali – naquele embarque derradeiro – era altissonante, tão evidente que calou as conversas da dita ‘comissão de despedida’. A pauta musical permaneceu inscrita nos corações reflexivos de cada um dos presentes.
Sem discursos, o corpo do desencarnado seguiu o seu caminho. Eu também. A comissão se desfez.
Para mim, foi uma manhã em sol maior…
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*Membro da Associação Médico Espírita de Botucatu -SP.