A versão original de A Gênese

A versão original de A Gênese

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Em 2018 e 2019 transcorreram dois sesquicentenários, respectivamente, do lançamento de A Gênese, a última obra do Codificador, e, de sua desencarnação.

Embora existissem publicações antigas que apontavam para as deturpações na 5ª edição francesa de A Gênese lançada em 1872, mais de três anos após a desencarnação de Kardec, o assunto tomou vulto a partir de posições da Confederação Espírita Argentina, que editou em espanhol a 1ª. edição de A Gênese (de janeiro de 1868) e em outubro de 2017 levou informações para a reunião do Conselho Espírita Internacional, em Bogotá (Colômbia), e também lançou o livro El legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich, que reúne documentos oficiais coletados em pesquisas junto aos Arquivos Nacionais da França e na Biblioteca Nacional da França, localizadas em Paris. Comprovou-se que apenas o exemplar da 1ª. edição de A Gênese (de janeiro de 1868), foi depositado legalmente durante a existência física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Assim o Codificador não teria modificado o conteúdo.

As dúvidas sobre a fidedignidade das edições de A Gênese em francês, lançadas logo após a desencarnação do Codificador são antigas, apontando-se alterações de trechos de A Gênese naturalmente sob a responsabilidade de Pierre-Gaëtan Leymarie (1827-1901), como redator-chefe e diretor da "Revue Spirite", gerente da "Librairie Spirite" e presidente da “Sociedade para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”, e que cuidava das edições das obras de Kardec, e, das autorizações para traduções, inclusive para o português. Episódios históricos ficam mais claros no livro Beaucoup de Lumière (1884), de Berthe Fropo, disponibilizado em 2017 em edição digital bilíngue. A autora foi espírita fiel a Kardec, amiga e vizinha de Amélie Boudet e comenta ações polêmicas e desvirtuamentos doutrinários nas mãos de Leymarie por influência de interpretações e ideologias outras…

Ainda no final de 2018, vieram a lume documentos e manuscritos franceses, publicados em artigo de Charles Kempf e Michel Buffet na edição do 4º. trimestre de 2018 da Revue Spirite e que comprovam adulterações em A Gênese após a desencarnação de Kardec.

As traduções para o português foram feitas a partir de edição francesa do ano de 1872, como as edições da FEB, da LAKE e do IDE. A exceção era a editora do Centro Espírita Léon Denis, do Rio Janeiro, que lançou há anos uma tradução da edição francesa de 1868. Além da já citada edição feita na Argentina, no ano de 2018 surgiram: pelo “Le Mouvement Spirite Francophone” (França), a 1ª. edição francesa de A Gênese; a tradução desta edição foi lançada em maio pela Fundação Espírita André Luiz em São Paulo e no final do ano a versão bilíngue histórica da FEB. A USE-SP lançou a versão em português de O Legado de Allan Kardec, de Simoni P.Goidanich. Nas adulterações constatadas na 5ª. edição francesa e suas traduções há desde pequenas alterações de pontuação e de palavras, alterações de frases e até supressão de itens inteiros. Em alguns casos, induz-se a interpretações doutrinárias contraditórias.

Os temas de A Gênese são oportunos para a atualidade e as polêmicas sobre as adulterações ensejaram que no seu sesquicentenário houvesse mais motivação para seu estudo no movimento espírita.

Passado um século e meio da desencarnação de Allan Kardec, ao lado da expansão do Espiritismo, há muitas “novidades”, “modismos” e “personalismos”, o que torna muito necessário o estudo e a difusão das Obras Básicas. Daí a importante “Campanha Comece pelo Começo”, idealizada por Merhy Seba, patrocinada pela USE-SP em meados dos anos 1970 e aprovada pelo CFN da FEB em novembro de 2014.

Interessante é que tanto tempo após a desencarnação de Kardec, recentemente estão sendo valorizados documentos, periódicos e livros franceses, quase desconhecidos no Brasil, que trazem esclarecimentos sobre episódios que ficaram ocultados ou obscurecidos sobre a vida de Kardec e sua esposa, e sobre a divulgação de suas obras imediatamente após sua desencarnação.

Em nosso país surge o início da divulgação de manuscritos e de documentos, o Projeto “Cartas de Kardec”, riquíssimo acervo que estava em poder da família de Silvino Canuto Abreu, finalmente doados à Fundação Espírita André Luiz, de São Paulo. 150 anos após a desencarnação de Kardec, a maior homenagem ao Codificador será sempre o estudo, a divulgação e prática do Espiritismo de conformidade com suas Obras Básicas.

(*) – Ex-presidente da USE-SP e da FEB; e ex-membro da Comissão Executiva do CEI.

DE: Revista Aurora. Ano 40. N.138. 2019. p. 36-37.