Casa Espírita x Consultório

Vladimir Alexei

Com o habitual respeito aos pensamentos diferentes, pedimos licença para iniciar novo debate sem a pretensão de esgotar o assunto. O objetivo é tão somente refletir em torno de um tema que tem incomodado alguns espíritas pela tenuidade entre atividades da Casa Espírita e aquilo que alguns palestrantes têm feito ao usarem a tribuna espírita.

É oportuno frisar que, ao compreendermos que somos seres em franco progresso espiritual, ainda que esse progresso seja quase imperceptível, como asseveram os espíritos na Codificação, toda discussão no campo das ideias fortalecem a dialética espírita e ficam no campo das ideias, não sendo endereçada a pessoa em específico.

Emmanuel define a mente como o “Espelho da Vida em toda parte”. Herculano Pires, o metro que melhor mediu Kardec (nos dizeres de Emmanuel) define a Casa Espírita como um “espelho côncavo em que todas as atividades doutrinárias se refletem e se unem, projetando-se conjugadas no plano social geral, espírita e não espírita.” Esse pensamento de Herculano é convergente com o projeto do Codificador.

Allan Kardec em seu Projeto 1868, discorre, dentre outros tópicos, a respeito da necessidade de se existir um estabelecimento central para o estudo do Espiritismo. Esse estabelecimento seria para o estudo e a propagação doEspiritismo. Mais adiante, comenta o Codificador que dois ou três meses do ano seriam consagrados a visitas aos diversos centros para imprimir-lhes uma boa direção. Quer dizer: as viagens para aprimorar o conhecimento e falar a respeito da doutrina já foram previamente pensadas por Kardec.

Por mais claro que seja o pensamento do Codificador, nestes 160 anos em que comemoramos o surgimento da Doutrina Espírita com a publicação de O Livro dos Espíritos, parece que nos vemos às voltas com algumas polêmicas que nem deveriam existir. A tribuna espírita serve para que oradores, expositores, palestrantes transmitam os ensinamentos doutrinários. Entretanto, nestes 160 anos, falamos a respeito dos mesmos temas, com ênfases diferentes e no presente a ênfase tem sido muito mais em aspectos psicológicos, adstritos a diagnósticos que mais funcionam como rótulos do que esclarecimento à luz de uma ciência. Quase a extensão de um consultório.

Resgatamos publicação de Leopoldo Cirne de 1921 (“Doutrina e Prática do Espiritismo I e II), em seu volume segundo, página 255, dizendo que “OCristianismo (…) em sua primitiva fase como em seu ressurgimento com o Espiritismo, não veio instituir moldes excêntricos para os que nele se iniciam, senão formar nos homens uma consciência nova (…).” Continua na página 259 em outros termos: “Induzidos a ser esse Evangelho vivo, em sua ação modificadora sobre os costumes e a vida social, tem que antes de tudo praticar entre si os preceitos da doutrina (…).” Em outras palavras Leopoldo Cirne já advertia para a importância do que deveria ser propagado em uma Casa Espírita: Evangelho e Doutrina Espírita.

Acontece, porém, que na atualidade, com todo o esforço e carinho possíveis empreendidos por estudiosos que fazem uso da palavra para propagar o Espiritismo, encontramos pensamentos alheios ao que preconiza a doutrina de forma a falar de quase tudo, menos de Espiritismo. Histórias bem construídas, exemplos riquíssimos pelo nível de detalhe que sensibilizam à lágrimas, mas pobres em caracteres doutrinários capazes de realizar o que Leopoldo Cirne, o Leon Denis brasileiro, alertou: modificação de costumes. Uma hipótese de que essa abordagem não tem sido suficiente é o consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor entre espíritas. E não há aqui hipocrisia ou condenação. Existem casos e casos. Entretanto questiono, nessa reflexão: se fosse terapeuta, se precisasse de psicotrópico utilizaria ou apenas recomendaria o uso? Evidentemente que essa pergunta não faz o menor sentido dentro de uma Casa Espírita. Lá é lugar de estudar a Doutrina e Evangelho.

É fato que Allan Kardec no primeiro capítulo do livro “A Gênese”, item oito nos diz que o “Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo (ou seja, elemento espiritual), toca na maior parte das ciências.” Isso já nos dizia o insigne José Marques Mesquita (pela USEERJ) em seu livreto “A relação entre a Psicologia e o Espiritismo”.  Mesquita continua dizendo-nos que, dentre as ciências em que o Espiritismo toca mais de perto se destaca a Psicologia, cujo sentido da palavra em sua origem grega significa “Ciência da Alma”.

Discorre ainda José Mesquita sobre a Psicologia Experimental, surgida na época em que o Espiritismo já estava maduro (1870). O citado autor faz um belo trabalho mostrando a evolução da Psicologia Experimental em suas vertentes comobehaviorismo, psicanálise, psicologia humanista, psicologia transpessoal (a vedete dos terapeutas espíritas por seu caráter transcendente aos limites da psicologia humanista). E em todo o trabalho o autor evidencia a coerência e a importância de se caminhar junto a Psicologia com o Espiritismo.

José Marques Mesquita, porém, nos dá uma aula de Espiritismo. Em uma de suas páginas finais (42) o autor diz: “a finalidade do Espiritismo é esclarecer o homem de todas as coisas, a fim de libertá-lo da ignorância sobre si mesmo e sobre o verdadeiro sentido de sua vida, que é o de se sua contínua evolução em direção à meta para o qual ele foi criado, que é a perfeição (…).” Soube, com muita sensibilidade, coordenar a ordem de importância nos estudos.

O Espiritismo como ciência que estuda a relação do espírito com o mundo material, a origem e o destino dos espíritos pode se valer de todas as ciências para explicar a toda a gente o quanto seus ensinamentos são profundos e transformadores. Para isso, Marques atribuiu o peso adequado: reconheceu a importância da Psicologia, assim como nós outros, porém, como acessório e não peça principal em uma Casa Espírita. A Psicologia, se usada de forma adequada, possui espaço transformador, quando seus esclarecimentos forem complementares ao que diz a Doutrina Espírita. Sem Doutrina Espírita e Evangelho, a Psicologia é mais uma ciência incompleta e imperfeita, na acepção científica do termo, por ignorar sua razão principal de existir: a alma (Espírito encarnado, segundo Kardec). Menos psicologismos em palestras e mais Doutrina Espírita com Evangelho do Cristo.