Concílio de Niceia completa 1700 anos: a homenagem do Papa e a visão espírita

Concílio de Niceia completa 1700 anos: a homenagem do Papa e a visão espírita

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Na primeira viagem ao exterior desde sua posse em maio, o papa Leão XIV visitou a Turquia. O roteiro papal começou com a comemoração dos 1.700 anos do Concílio de Niceia. A novidade na viagem do Papa estendendo pelo Líbano foi a interação interreligiosa, solicitando coexistência pacífica entre as religiões.

A efeméride evocada sobre o histórico Concílio nos remete ao evento coordenado pelo imperador romano Constantino que reuniu centenas de lideranças cristãs do Império Romano na cidade de Niceia, atualmente a cidade turca Iznik.

O fato merece visões históricas e espíritas.

A decisão firmada em Milão no ano 313 pelos imperadores Constantino (período 306-337 d.C.), pessoalmente convertido, e Licínio concedeu “aos cristãos, como a todos, a liberdade de poder praticar a religião de sua escolha de modo que o que há de divino na morada celeste possa ser benévolo e propício”.1

O imperador Constantino foi chamado por representantes cristãos para interferir nas polêmicas das lideranças cristãs e resolveu reunir todos os bispos em Niceia (hoje Iznik) no ano 325. A sessão de abertura ocorreu no dia 20 de maio de 325 no palácio imperial de Niceia, onde Constantino presidiu a sessão inaugural e este se reservava o direito de intervir diretamente nos trabalhos da assembleia. Até sua conclusão, provavelmente por volta do dia 25 de julho, o Imperador se manteve como papel destacado da assembleia. Foi encerrado com as celebrações pelos vinte anos do reinado de Constantino.1

A proposta de Constantino visava conseguir a pacificação entre as facções de cristãos e a nova organização da Igreja, que já se tornara importante instituição de apoio ao Império Romano. Constantino conferiu aos decretos do concílio validade de leis do Estado.

Com o Concílio de Niceia, inicia-se claramente a nova etapa do cristianismo, de institucionalização da Igreja Católica Apostólica Romana. A rigor, seria a data real de nascimento dessa religião que o Papa comemorou 1700 anos.

Os exemplos marcantes vividos pelos cristãos idealistas sofreram alguns comprometimentos a partir dos momentos em que a religião cristã se ligou ao Estado Romano, tendo como marco o Concílio de Niceia.

Léon Denis comenta que: “[…] a concepção trinitária, tão obscura e tão incompreensível, oferecia, entretanto, grande vantagem às pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus-Cristo um Deus. Conferia ao poderoso Espírito, a que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela recaía e assegurava o seu poder. Nisso está o segredo da sua adoção pelo concílio de Niceia”.2

As alterações no desenvolvimento do cristianismo, a partir de decisões desse Concílio e de outros que se seguiram, são analisadas em obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier – A caminho da luz - que focaliza a trajetória da Civilização: “[…] Os primeiros dogmas católicos saem, com força de lei, desse parlamento eclesiástico de 325. […] O Cristianismo, porém, já não aparecia com aquela mesma humildade de outros tempos. Suas cruzes e cálices deixavam entrever a cooperação do ouro e das pedrarias, mal lembrando a madeira tosca, da época gloriosa das virtudes apostólicas. Seus concílios, como os de Niceia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia, não eram assembleias que imitassem as reuniões plácidas e humildes da Galileia. A união com o Estado era motivo para grandes espetáculos de riqueza e vaidade orgulhosa, em contraposição com os ensinos d'Aquele que não possuía uma pedra para repousar a cabeça dolorida.”3

Em outra obra, intitulada Emmanuel, psicografada por Francisco Cândido Xavier há comentários relacionados com fatos imediatos ao Concílio de Niceia: “A história da Igreja cristã nos primitivos séculos está cheia de heroísmos santificantes e de redentoras abnegações. Nas dez principais perseguições aos cristãos, de Nero a Diocleciano, vemos, pelo testemunho da História, gestos de beleza moral, dignos de monumentos imperecíveis. […] Nos primitivos movimentos de propaganda da nova fé, não possuíam nenhuma supremacia os bispos romanos entre os seus companheiros de episcopado e a Igreja era pura e simples, como nos tempos que se seguiram ao regresso do seu divino fundador às regiões da Luz. As primeiras reformas surgiram no quarto século da vossa era, quando Basílio de Cesareia e Gregório Nazianzeno instituíram o culto aos santos. Os bispos romanos sempre desejaram exercer injustificável primazia entre os seus coirmãos; […] desde o primeiro concílio ecumênico de Niceia, convocado para condenação da cisma de Ário, continuaram as reuniões desses parlamentos eclesiásticos, onde eram debatidos todos os problemas que interessavam ao movimento cristão. Datam dessas famosas reuniões as inovações desfiguradoras da beleza simples do Evangelho; ainda aí, contudo, nesses primeiros séculos que sucederam à implantação da doutrina de Jesus, destinada a exercer tão acentuada influência na legislação de todos os povos, não se conhecia, em absoluto, a hegemonia da Igreja de Roma entre as outras congêneres.”4

O intelectual e jornalista espírita paulista, Wallace Leal Valentim Rodrigues escreveu a obra A esquina de pedra5, contendo relatos históricos e descrições inspiradas sobre fatos que se passam em momentos próximos ao Concílio de Niceia, época de muitos sacrifícios de cristãos no período (284 a 305 d.C.) do imperador Diocleciano. O autor focalizou situações e polêmicas em que ocorreram as descaracterizações do cristianismo primitivo e puro.

A rememoração do Concílio de Niceia deve ser motivo para o estudo e reflexão, para se evitar recidivas históricas em situações enganosas do passado, para a profilaxia de novas "pedras de tropeço" (1 Pedro 2, 8).

Allan Kardec foi muito lúcido ao trazer e defender os laços morais do Evangelho de Jesus para o Espiritismo, utilizando-os como religião natural, de comunhão de pensamentos e fraternidade, que deve ser a tônica de atuação do "Consolador prometido por Jesus"!

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Cristianismo nos séculos iniciais. Análise histórica e visão espírita. Matão: O Clarim. 2018. 286p.

2) Denis, Léon. Trad. Cirne, Leopoldo. Cristianismo e espiritismo. Cap. Alteração do cristianismo. Os dogmas. Rio de Janeiro: FEB. 2013.

3) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Cap. 16. Brasília: FEB. 2013.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Emmanuel. Cap. 3.2 e 3.3. Brasília: FEB. 2013.

5) Rodrigues, Wallace Leal V. A esquina de pedra. Matão: Ed. O Clarim. 2003. 411p.